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                             A política 
    de inclusão de crianças nas escolas regulares brasileiras completa 
    dez anos em 2006. Dados da Secretaria de Educação Especial 
    do Ministério da Educação (Seesp/MEC) informam que 
    o número de matrículas no ensino especial aumentou de 566.753 
    em 2004 para 639.259 este ano. Apesar disso ainda são grandes os desafios 
    das escolas regulares, públicas ou privadas que trabalham com crianças 
    com necessidades especiais. Os problemas vão desde as barreiras arquitetônicas, 
    até a necessidade de uma mudança efetiva para que se chegue 
    a uma escola realmente inclusiva, que garanta o atendimento à diversidade 
    das crianças. Não se pode perder de vista ainda que a determinação 
    legal afetou padrões construídos durante décadas no espaço 
    educacional. “Promover uma inclusão efetiva coube e está 
    cabendo a cada professor, a cada escola”, acredita a educadora Tânia 
    Regina Laurindo, coordenadora pedagógica de uma escola privada da cidade 
    de Campinas, interior de São Paulo, que tem vários alunos com 
    necessidades especiais matriculados em suas classes regulares. 
  
A 
    política de educação inclusiva, no Brasil, está 
    embasada na Declaração de Salamanca, elaborada pela Conferência 
    Mundial de Educação Especial que ocorreu em 1994. A Declaração 
    afirma que as escolas regulares com orientação inclusiva são 
    os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias. A coordenadora 
    do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade (Leped), 
    da Faculdade de Educação da Unicamp, Maria Tereza Eglér 
    Matoan confirma que o melhor atendimento escolar para pessoas com deficiência, 
    como também para qualquer outra criança, é mesmo a escola 
    regular. “O complemento oferecido pela educação especializada 
    não diz respeito ao ensino de conteúdos curriculares da escola 
    comum: alfabetização, matemática, ciências etc., 
    mas ao ensino de recursos, linguagem, uso de equipamentos, códigos 
    que sirvam para os alunos enfrentarem as barreiras que suas deficiências 
    impõem à aprendizagem nas salas de aula das escolas comuns: 
    código braille, Língua Brasileira de Sinais (Libras), língua 
    portuguesa como segunda língua para surdos etc.”, explica. 
  
     
      Fotos 
          cedidas pela Fundação Síndrome de Down  | 
     
     
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      Beatriz: 
          trabalho precoce ajuda a inclusão de crianças com Síndrome 
          de Down  | 
     
  
 
  
Uma das instituições 
    que desempenha este papel de suporte à escola regular é a Fundação 
    Síndrome de Down. O trabalho inclui fisioterapia, fonoaudiologia, psicopedagogia, 
    terapia ocupacional e psicologia, e visa incluir as crianças na sociedade, 
    propiciando um bom desenvolvimento físico e social. “Nossa meta 
    é fazer com que a criança com a síndrome possa fazer 
    tudo o que os outros indivíduos fazem”, conta a fonoaudióloga 
    Carmem Minuzzi, coordenadora do núcleo terapêutico da entidade. 
    O atendimento começa com recém-nascidos, que recebem terapia 
    de estímulo, e segue até quando a criança precisar de 
    apoio. As terapias, entretanto, não são necessárias durante 
    toda a vida da criança com síndrome. Um dos focos é melhorar 
    a adaptação dessas crianças na escola regular por meio 
    de visitas e da capacitação dos professores. Este último 
    ponto, entretanto, não é o mais importante, segundo a fonoaudióloga. 
    Ela explica que o professor não precisa ser um especialista para lidar 
    com a síndrome de Down. O que é preciso é ter um olhar 
    diferenciado para avaliar essa criança e trabalhar com ela, identificando 
    suas potencialidades e habilidades. “As escolas de hoje são muito 
    conteudistas. É preciso mudar a forma de ensinar para mudar as formas 
    de aprender. É preconceito achar que todos aprendem igual. Existem 
    diferentes formas de promover o desenvolvimento da criança”, 
    diz ela. 
  
Capacitação 
    dos professores – sem preconceitos 
  
Para lidar 
    com a inclusão de Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais (PNEEs), 
    é preciso abandonar a idéia equivocada de que o professor tem 
    que se preparar para atender alunos com deficiência. Segundo Maria Tereza 
    Matoan não existem métodos de ensino especiais para se ensinar 
    os conteúdos curriculares para esses alunos. “O professor não 
    tem que aprender como ensinar matemática para alunos com deficiência. 
    Ele tem de se preparar para atender a todas as crianças. O ensino escolar 
    vai mal porque a escola continua repetindo no século XXI o que foi 
    a escola do século XVIII", aponta a psicóloga. Ainda segundo 
    ela, a preparação dos professores comuns deve passar pela naturalização 
    de seus métodos, práticas de ensino, avaliações, 
    entre outras tarefas, que estão muito defasados. “Por outro lado, 
    os professores da educação especializada precisam também 
    aprender a distinguir as suas funções das dos professores comuns, 
    ensinando, sem repetir nas classes especiais, o que é próprio 
    da escola comum, como acontece muito, até hoje, nas escolas especiais”, 
    completa. Ainda segundo a psicóloga, as escolas estão sendo 
    preparadas para receber esses alunos, a partir da presença deles nas 
    escolas. “Aprendemos a fazer, fazendo”, diz ela. “É 
    óbvio que se as crianças são segregadas em escolas especiais, 
    não há necessidade de as escolas comuns se prepararem para recebê-las. 
    Como agora, elas estão sendo encaminhadas às escolas comuns, 
    tudo muda”, completa.  
  
    
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      Jovens 
          já inseridos no mercado de trabalho  | 
     
  
 
  
Para 
    a educadora Tânia Regina Laurindo, o primeiro passo da inclusão 
    é entender e aceitar que cada criança tem um ritmo, tendo ela 
    uma necessidade especial ou não. É preciso conhecer a criança 
    sem o rótulo de uma doença. “Vivemos numa sociedade que 
    impõe padrões e se a criança não se enquadra, 
    ela está fora, fora do mundo, fora da escola. Para trabalhar com a 
    criança com uma necessidade especial, seja ela qual for, física 
    ou neurológica, o professor tem que se desprender do preconceito”, 
    acredita. Além disso, a escola precisa de um bom projeto pedagógico. 
    No projeto coordenado por Laurindo o conteúdo a ser ensinado é 
    adaptado conforme a necessidade e o interesse do grupo. A escola recebe dois 
    alunos portadores de necessidades especiais por sala com, no máximo, 
    25 alunos. “Não adianta trazer a criança para a escola 
    e simplesmente colocá-la sentada na sala. Há que se desenvolver 
    novas maneiras para atingir essa criança. Trabalhar com inclusão 
    numa escola dizendo que todos devem abrir o livro na página tal pode 
    excluir ao invés de incluir a criança com necessidades especiais, 
    porque ela vai perder o interesse, vai se isolar”, acredita a coordenadora. 
    Apesar das dificuldades, entretanto, a convivência com outras crianças 
    é fundamental, porque isso permite à criança ter o referencial 
    do outro. "Se ela convive só com crianças iguais, não 
    pode aprender outros parâmetros de comportamento que não os de 
    crianças como ela. Ao freqüentar a escola regular, portanto, ela 
    tem ganhos sociais", explica Carmem Minuzzi da Fundação 
    Síndrome de Down.  
  
Outros 
    transtornos 
  
Freqüentar 
    a escola regular favorece também o diagnóstico de problemas 
    como o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. 
    Os padrões normativos do ambiente escolar são difíceis 
    de ser acatados pela criança por exigirem maior compartilhamento social, 
    definições de limites e maior atenção e concentração. 
    Então a criança começa a ter problemas de adaptação 
    e, por vezes, de aprendizagem. O TDAH é um transtorno mental de base 
    neurobiológica, que afeta entre 3% a 6% das crianças e adolescentes. 
    Não prestar atenção a detalhes, ter dificuldade de concentração, 
    dificuldade de participar de tarefas que exijam esforço mental prolongado, 
    ter facilidade em se distrair e perder objetos com freqüência são 
    alguns dos sintomas que caracterizam o transtorno do déficit de atenção. 
    A hiperatividade pode ser notada quando a criança se movimenta exageradamente, 
    corre, pula demais, mexe mãos e pernas, especialmente em momentos inapropriados. 
    Entre os sintomas, existem ainda os que caracterizam a impulsividade, como 
    interromper conversas e dificuldade de esperar a sua vez.  
  
As conseqüências 
    do transtorno são cruéis: 90% apresentam desempenho escolar 
    inferior ao das crianças da mesma faixa etária que não 
    são portadoras do TDAH. Elas se sentem frustradas porque, por mais 
    que se esforcem não conseguem acompanhar o ritmo dos colegas. Como 
    eles têm atenção muito oscilante, não conseguem 
    memorizar e absorver o aprendizado. Além disso, um dado surpreendente 
    é que a taxa de punições disciplinares – suspensão 
    e expulsão – que incidem sobre essas crianças no período 
    escolar é três vezes maior que dos outros alunos. “Na escola 
    há uma relutância quanto à aceitação do 
    aluno que apresenta aspectos do TDAH. Existe uma tendência dos professores 
    e colegas a estigmatizar essa criança e neutralizar sua participação 
    nas atividades cotidianas da escola”, comenta Sebastião Rogério 
    Góis Moreira, psicólogo e professor do Instituto Superior de 
    Educação Anísio Teixeira (Fundação Helena 
    Antiposs), em Minas Gerais. 
  
No Brasil, 
    o número de crianças e adolescentes que recebem tratamento para 
    o TDAH é muito inferior ao estimado com base na prevalência estatística 
    de 6%. Para o neurobiologista e pesquisador do Departamento de Neurologia 
    da Unicamp, César Moraes, o déficit de atenção 
    é um grande problema: a criança fica desligada, mas não 
    conversa na aula, não atrapalha os colegas e professores. Um estudo 
    realizado no Rio Grande do Sul constatou que entre 90 crianças com 
    déficit de atenção, apenas três recebiam acompanhamento 
    profissional. “A hiperatividade é percebida mais facilmente, 
    porque incomoda”, comenta. O neurologista Erasmo Barbante Casella aponta 
    a escola como o melhor lugar para avaliar a criança com TDAH, pois, 
    como ela está no meio de outras 20, 30 crianças da mesma idade, 
    seu desempenho e desenvolvimento podem ser comparados. “É preciso, 
    no entanto, desenvolver um método educativo adequado às capacidades 
    e limitações da criança com o transtorno”. O professor 
    deve procurar se informar sobre o transtorno e é essencial que tenha 
    acesso aos profissionais que diagnosticam e trabalham no tratamento de seus 
    alunos, para poderem entendê-los e ajudá-los da melhor forma 
    possível, trocando informações e tirando dúvidas. 
  
Conhecendo 
    a diversidade 
  
Neivaldo 
    Zovico tem 39 anos, é diretor regional da Federação Nacional 
    de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), 
    e vice-presidente do Conselho Estadual para Assuntos da Pessoa Portadora de 
    Deficiência. Ele nasceu surdo e freqüentou a escola regular e a 
    escola especial ao mesmo tempo. Segundo ele, hoje o sistema de ensino começa 
    a se organizar para ser acessível à criança surda. "Na 
    época em que estudei não foi fácil. Eu tinha que acompanhar 
    uma língua oral-auditiva, a língua dos meus colegas e professores, 
    quando a minha língua é visual-motora. Era como se tivesse que 
    estudar num outro país sem ter me iniciado na língua deles e 
    sem intérprete", conta Neivaldo. A Lei Federal nº. 10.436, 
    de 24 de abril de 2002, determinou que a Língua Brasileira de Sinais 
    – Libras – é obrigatória nos cursos de formação 
    de professores para o exercício do magistério, em nível 
    médio e superior e nos cursos de fonoaudiologia. O programa Interiorizando 
    Libras e Braile, do MEC já capacitou 1,5 mil educadores desde 
    2003, e vai continuar no próximo ano. Dados preliminares do Censo de 
    2005 revelam a existência de 66.261 alunos com problemas de surdez, 
    matriculados na educação básica. Para Neivaldo além 
    do aprendizado da língua de sinais ou do uso de próteses auditivas 
    são necessários outros recursos para facilitar e incluir a criança 
    surda na escola como sinais luminosos, telefones especiais para surdos, entre 
    outros. Ainda segundo ele, as dificuldades de inclusão de crianças 
    surdas são maiores fora das capitais porque há muitos lugares 
    onde não há atendimento diferenciado para crianças com 
    deficiência auditiva nem em escolas especiais, nem em escolas regulares. 
    "Aluno surdo sem atendimento acaba reforçando uma imagem negativa 
    da deficiência, aumentando o preconceito", aponta Neivaldo. 
  
A 
    tecnologia facilitando a inclusão 
  
As tecnologias 
    de informação e comunicação podem abrir novas 
    janelas às PNEE's. Segundo a pesquisadora Lucila Santarosa, do Núcleo 
    de Informática na Educação Especial da Universidade Federal 
    do Rio Grande do Sul, (Niee), ambientes digitais de aprendizagem amenizam 
    a discriminação social, criando oportunidades para pessoas cujos 
    padrões de aprendizagem não seguem quadros típicos de 
    desenvolvimento. A equipe do Niee desenvolveu o ambiente Edukito com objetivo 
    de propiciar a inclusão digital. "A estrutura foi pensada de forma 
    a permitir que o aluno participe, de acordo com suas possibilidades e habilidades, 
    de um projeto de aprendizagem auxiliado por um mediador, através da 
    ação, comunicação e reflexão", diz 
    Santarosa em trabalho apresentado no VII Congresso Iberoamericano de Informática 
    Educativa. Os recursos foram construídos pensando na inclusão 
    de pessoas não alfabetizadas e pessoas que utilizem a Linguagem Brasileira 
    de Sinais. O Edukito foi colocado em uso em 2003, com alunos com paralisia 
    cerebral, deficiência mental, deficiência auditiva e visual, e 
    autismo. "O ambiente destaca-se pela simplicidade da interface gráfica, 
    mantendo a mesma disposição de cores com ícones grandes 
    e pouca poluição visual para evitar a distração 
    em detalhes. Isso preserva os aspectos de acessibilidade ao ambiente e às 
    ferramentas", explica Santarosa. Para ela, a tecnologia pode ser usada 
    como uma prótese 
    física e mental cujo objetivo é ajudar os sujeitos a se apropriar 
    do conhecimento com maior facilidade, contribuindo para proporcionar às 
    PNEEs maior independência, qualidade de vida e inclusão. "Estudos 
    mostram que pessoas limitadas por deficiências não são 
    menos desenvolvidas, mas se desenvolvem de forma diferente", conclui. 
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