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                             No  dia 18 de novembro de 2011, a presidente da República sancionou a  Lei nº 12.527, popularmente conhecida como Lei de Acesso à  Informação, dispondo sobre os procedimentos a serem observados pela  União, estados, Distrito Federal e municípios com o fim de garantir  o acesso a informações da administração pública. Subordinam-se à  Lei os órgãos públicos integrantes da administração direta dos  poderes executivo, legislativo, incluindo as cortes de contas, e  judiciário e do Ministério Público, bem como as autarquias, as  fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de  economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente  pela União, estados, Distrito Federal e municípios.
  Parte-se  do pressuposto de que a informação sob guarda do Estado é sempre  pública, devendo o acesso a ela ser restringido apenas em casos  específicos, dentre eles, o risco à defesa e à soberania  nacionais; à vida, segurança ou à saúde da população; a  atividades de inteligência, bem como de investigação ou  fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou  repressão de infrações; a projetos de pesquisa e desenvolvimento  científico ou tecnológico. Isso significa que a informação  produzida, guardada, organizada e gerenciada pelo Estado em nome da  sociedade é um bem público e que o acesso a esses dados  constitui-se em um dos fundamentos para a consolidação da  democracia, ao fortalecer a capacidade dos indivíduos de participar  de modo efetivo da tomada de decisões que os afeta. 
 A  Lei de Acesso à Informação efetiva o direito previsto na  Constituição de que todos têm a prerrogativa de receber dos órgãos  públicos, além de informações do seu interesse pessoal, também  aquelas de interesse coletivo. Isso significa que a administração  cumpre seu papel quando divulga suas ações e serviços, mas também  deve estar preparada para receber demandas específicas. Para tanto,  o acesso a informações públicas deve ser assegurado mediante a  criação do serviço de informações ao cidadão, nos órgãos e  entidades do poder público, em local com condições apropriadas,  estando o servidor público capacitado para desempenhar tal papel. 
 Aliás,  o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder  Executivo Federal, publicado no Decreto nº 1.1.71 de 22 de junho de  1994, já  prevê o controle social, entendido como participação do cidadão  na gestão pública, na fiscalização, no monitoramento e no  controle da administração pública, por parte do cidadão em duas  passagens: 
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 Salvo  	os casos de segurança nacional, investigações policiais ou  	interesse superior do Estado e da administração pública, a serem  	preservados em processo previamente declarado sigiloso, nos termos  	da lei, a publicidade de qualquer ato administrativo constitui  	requisito de eficácia e moralidade, ensejando sua omissão  	comprometimento ético contra o bem comum, imputável a quem a  	negar. 
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 Toda  	pessoa tem direito à verdade. O servidor não pode omiti-la ou  	falseá-la, ainda que contrária aos interesses da própria pessoa  	interessada ou da administração pública. Nenhum Estado pode  	crescer ou estabilizar-se sobre o poder corruptivo do hábito do  	erro, da opressão ou da mentira, que sempre aniquilam até mesmo a  	dignidade humana quanto mais a de uma Nação. 
   
 Há  uma série de procedimentos a serem seguidos com o fim de assegurar o  direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados  em conformidade com os princípios básicos da administração  pública, sendo eles: observância da publicidade como preceito geral  e do sigilo como exceção; divulgação de informações de  interesse público, independentemente de solicitações; utilização  de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação;  fomento ao desenvolvimento da cultura da transparência na  administração pública; desenvolvimento do controle social da  administração pública. 
 A  ideia da Lei de Acesso à Informação vem romper com a cultura do  segredo a partir da qual a gestão pública é pautada pelo princípio  de que a circulação de informações representa riscos a despeito  da perda de eficiência da gestão, do fato de o cidadão não  exercer um direito e de o Estado não cumprir seu dever. Em seu  lugar, implanta-se a cultura de acesso, em que agentes públicos têm  consciência de que a informação pública pertence ao cidadão e  que cabe ao Estado provê-la de forma compreensível, em “linguagem  cidadã”, na qual termos técnicos devem ser traduzidos para o  vocabulário do dia-a-dia, e atender eficazmente às demandas da  sociedade. Na cultura do acesso, o fluxo de informações favorece a  tomada de decisões, a boa gestão de políticas públicas e a  inclusão do cidadão. A demanda do cidadão é vista como legítima. 
 Da  teoria à prática 
 Muito  se fala, no Brasil, de leis que “pegam” e leis que “não  pegam”. Detalho, a seguir, o caso do Centro de Artes Cênicas da  Fundação Nacional de Artes (Funarte) com relação à sua adequação  às diretrizes contidas na Lei de Acesso à Informação e à sua  contribuição a uma gestão pública mais transparente e cidadã.  Aqui, a lei “pegou”. 
 A  Funarte é o órgão responsável, no âmbito do governo federal,  pelo desenvolvimento de políticas públicas de fomento às artes  visuais, à música, ao teatro, à dança e ao circo. Os principais  objetivos da instituição são o incentivo à produção e à  capacitação de artistas, o desenvolvimento da pesquisa, a  preservação da memória e a formação de público para as artes no  Brasil. Para cumprir essa missão, a Funarte concede bolsas e  prêmios, mantém programas de circulação de artistas e bens  culturais, promove oficinas, publica livros, recupera e disponibiliza  acervos, provê consultoria técnica e apoia eventos culturais em  todos os estados brasileiros e no exterior. 
 Segundo  o Regimento Interno da Funarte, compete ao Centro de Artes Cênicas  formular, promover e fomentar programas, projetos e atividades  voltadas para as artes cênicas, inclusive na formação de recursos  humanos, na produção artística, na difusão e no intercâmbio  cultural no Brasil e no exterior. Suas ações de fomento devem estar  consoantes com as diretrizes institucionais definidas para cada uma  de suas linguagens, como depreendido do relatório de atividades da  instituição de 2007, bem como com seus planos setoriais construídos  a partir do Plano Nacional de Cultura: 
 Dança:  “A  rica oferta da produção brasileira na área de dança está  restrita a uma pequena parcela da população. O intenso diálogo  entre tradição e inovação, cultura experimental e cultura  popular, não é apresentado de modo amplo e contínuo ao público. A  dependência de modelos de financiamento baseados em mecanismos de  renúncia fiscal não superou ainda o problema da exclusão de grande  parte das manifestações coreográficas do acesso às fontes de  financiamento e oportunidades de difusão e preservação. É preciso  promover a formação de público e dos artistas, estimular a  circulação da produção, garantir que as atividades realizadas no  país sejam identificadas, registradas e divulgadas e estabelecer  modelos sustentáveis de manutenção dos grupos de baile e da  pesquisa na linguagem da dança”. 
 Teatro:  “A exemplo das demais linguagens artísticas, o teatro requer uma  política de financiamento que suporte o desenvolvimento, a produção  e a circulação de suas obras. Por conta de sua natureza de  espetáculo vivo, dependente da interação de elementos cênicos e  da presença simultânea e física do público, trata-se de uma  modalidade de expressão artística irredutível à reprodução em  escala pela indústria cultural. Nesse contexto, o teatro carece de  oportunidades de autonomia financeira equivalentes às cadeias  produtivas do audiovisual, música popular ou literatura. Esse  panorama se agrava por conta das disparidades regionais na oferta de  infraestrutura de apoio à produção e fruição teatral, bem como  pela distribuição irregular dos meios de capacitação de atores e  técnicos e de formação de público. Entre os principais desafios  estão a necessidade de apoio à pesquisa e produção dramatúrgica  e cênica, revitalização dos circuitos nacionais e regionais e  construção de espaços culturais que promovam a circulação e o  acesso das diversas expressões teatrais existentes no país”. 
 Circo:  “A  diversidade de práticas circenses coloca desafios específicos para  a elaboração de uma política para o setor. Cabe ao poder público  e em especial à Funarte criar condições para que o circo  brasileiro possa ver suas demandas e precariedades resolvidas com  apoio, capacitação e acesso a espaços dotados de condições  satisfatórias de infraestrutura e localização para suas  apresentações. O Estado deve, ainda, promover a pesquisa e a  preservação da memória das atividades circenses, visando o  reconhecimento dessa tradição e a criação de programas de  circulação de espetáculos, principalmente em regiões de maior  isolamento geográfico”. 
 A  principal ação do Centro de Artes Cênicas na área de fomento são  os editais voltados às suas três linguagens, criados em 2006 como  forma de perenizar a atuação do Estado no campo da produção,  manutenção e circulação das artes cênicas no país: 
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 Prêmio  	Funarte de Teatro Myriam Muniz: desenvolvimento de atividades  	teatrais, de temática livre e nos mais diversos formatos,  	incentivando a criação e a circulação de espetáculos, além de  	contribuir para a manutenção de coletivos, grupos e companhias. 
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 Prêmio  	Funarte de Dança Klauss Vianna: desenvolvimento de atividades de  	dança, contemplando a circulação nacional de espetáculos,  	atividades artísticas de artistas consolidados e atividades  	artísticas de novos talentos. 
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 Prêmio  	Funarte Carequinha de Estímulo ao Circo: renovação ou manutenção  	da infraestrutura dos circos brasileiros, incentivo à montagem,  	renovação e circulação de números e espetáculos bem como  	formação em artes do circo. 
   
 A  Funarte vem pondo em prática o conceito de “transparência ativa”.  O Centro de Artes Cênicas, em consonância com este preceito,  divulgará, em breve, um relatório estatístico de suas tradicionais  premiações, que pretendem subsidiar a avaliação de suas políticas  institucionais a partir de um diagnóstico o mais preciso possível  da realidade. Ao  “zerar o passivo” de dados dos editais de fomento, o Centro de  Artes Cênicas coloca no centro da discussão a importância do  monitoramento e avaliação das políticas públicas de cultura a  partir de indicadores sólidos referenciais para a gestão. Para  tanto, alguns passos são condição essencial para o sucesso da  iniciativa: levantamento de informações; organização das  informações; disponibilização das informações; reflexão  crítica sobre as informações. Evitam-se, assim, tradicionais  percalços da administração pública brasileira, exatamente a falta  de informação e consequente ausência de memória institucional e  dificuldade de comunicação com o cidadão. 
 O  levantamento de dados e sua constante atualização constituem aquilo  que poderíamos chamar de “cadastro vivo” em oposição ao  “cadastro morto”, planilhas deixadas numa pasta de arquivos  analogamente a livros pegando poeira no fundo da estante de uma  biblioteca. Ao assumir um papel ativo como formuladora de políticas  públicas em todas as suas etapas, a instituição vai ao encontro do  preconizado pelos planos setoriais, especialmente o do teatro e da  dança, no que diz respeito ao acompanhamento das informações e  dados relativos às ações, editais e recursos econômicos da área  cultural, buscando garantir a transparência e o acompanhamento dos  processos em curso, bem como a divulgação e análise desses  resultados. Desta forma, abandonam-se as “políticas de evento”,  descontínuas, em prol de políticas de Estado, planejadas e de longo  prazo, com desdobramentos qualitativos mensuráveis. 
 O  próprio Ministério da Cultura (MinC) reconhece a necessidade de  levantamento de dados e construção de indicadores que auxiliem na  avaliação  das  ações planejadas e vem “fazendo o dever de casa” por meio da  coordenação-geral de monitoramento de informações culturais da  Secretaria de Políticas Culturais, responsável pela implantação  do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC),  cujo caráter inovador se dá por agregar e entregar à sociedade  informações atualizadas de distintos bancos de dados do próprio  MinC, fundamentais para uma gestão pública transparente e  eficiente, ao não esbarrar em tradicionais percalços da  administração pública brasileira, exatamente a falta de informação  e consequente ausência de memória institucional e dificuldade de  comunicação com o cidadão. 
 A  publicação do relatório estatístico das premiações do Centro de  Artes Cênicas se coaduna com a Lei de Acesso à Informação,  especialmente o artigo 6º, que afirma caber aos órgãos e entidades  do poder público a divulgação de informações relativas à  implementação, acompanhamento e resultados de programas, projetos e  ações dos órgãos e entidades públicas, bem como metas e  indicadores propostos. O acesso a esses dados constitui-se em um dos  fundamentos para a consolidação da democracia, ao fortalecer a  capacidade dos indivíduos de participar de modo efetivo da tomada de  decisões que os afeta. 
 A  Lei de Acesso à Informação é um patrimônio da sociedade  brasileira e, como tal, deve ser defendida com unhas e dentes. A  democracia agradece. 
 Marcelo  Gruman é doutor  em antropologia social pelo Museu Nacional, da Universidade Federal  do Rio de Janeiro (MN/UFRJ). Atualmente é administrador cultural da  Fundação Nacional de Arte (Funarte). Email: marcelogruman@gmail.com. 
 Referências  bibliográficas 
 Brasil.  Presidência da Republica. Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011.  Regula o acesso à informação inciso II do § 3odo art. 37 e no §  2o do art. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm.  Acesso em: 21 de março de 2016.  
 Controladoria-Geral  da União. Acesso à informação pública: uma introdução à Lei  n. 12.527, de 18 de novembro de 2011, Brasília: Imprensa Nacional,  2011. 
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