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                               No cenário contemporâneo da  produção de conhecimento, é cada vez mais presente a demanda pela integração de  diferentes áreas do saber. Seja como uma resposta à hiperespecialização que  marcou o cenário acadêmico e científico, ou como exigência para a  formação de profissionais mais completos e compatíveis com as exigências do  mercado de trabalho, a interdependência dos saberes vem sendo bastante exaltada  nos últimos anos. Exemplo  disso são as discussões sobre inter, trans, multi e pluridisciplinaridade  entendidas por muitos como uma atitude de abertura ao outro e seu conhecimento,  como algo não apenas complementar, mas, muitas vezes, indispensável para  determinado fim.  
Marcos  Reigota, pós-doutor em educação ambiental pela Universidade de Genebra, destaca  que a interdisciplinaridade é uma  postura do pesquisador frente à  diversidade de conhecimentos disciplinares que foram construídos em diferentes  campos. Essa noção teve o seu apogeu nos anos 1970 e foi sendo substituída  pelas contundentes críticas que o pensamento pós-moderno fez à ideia de disciplinas  e que gerou, de forma irônica e provocativa, sua própria identificação com a  produção de um saber "indisciplinado".  
Em  resposta à crítica das disciplinas, temos o surgimento tanto da inter, como da  transdisciplinaridade. Américo Sommerman, doutor em difusão do conhecimento  pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), explica que, no primeiro caso, há um  processo prolongado e coordenado, a fim de resolver determinado problema  complexo, com integração de conceitos, teorias, métodos e que tenha como  resultado um quadro conceitual ou linguagem comum. Já a noção de  transdisciplinaridade permite uma interação e uma integração maiores, pois esse  mesmo processo ocorre não só entre duas ou mais disciplinas acadêmicas, mas  também entre conhecimentos não acadêmicos implicados na solução do problema em foco. Dentre os  conhecimentos produzidos fora da universidade, são considerados aqui desde  aqueles provenientes da experiência profissional (gerados em laboratórios, nas  empresas, em organizações não-governamentais etc.), até os oriundos das  chamadas culturas tradicionais (indígenas e outras). 
Sommerman assinala ainda que, diferente  dos casos anteriores, a multidisciplinaridade é decorrente apenas da  convivência de disciplinas que estão lado a lado (como nas escolas e  universidades brasileiras) mas com pouca ou nenhuma interação de fato entre si.  Já a pluridisciplinaridade pressupõe que duas ou mais disciplinas interajam mas,  em geral, no interior de uma mesma área do conhecimento. Neste caso, predomina  a troca de conceitos, modelos e métodos, transferidos de uma disciplina para a  outra. 
Foi em  1970,  em Nice (França),  que o estudioso de psicologia Jean Piaget divulgou pela primeira vez o termo  transdisciplinaridade, no I Seminário Internacional sobre Pluri e  Interdisciplinaridade, organizado pelo Centro de Pesquisa e Inovação do Ensino  (Ceri) e patrocinado pelo Ministério da Educação da França e pela Organização  para a 
  Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). 
Em  1994, foi realizado em Arrábida (Portugal) o primeiro Congresso Mundial sobre  Transdisciplinaridade, com apoio da Organização das Nações Unidas para a Educação,  a Ciência e a Cultura (Unesco). Nesse encontro foi produzida a Carta da Transdisciplinaridade redigida por um comitê formado  pelo físico romeno Basarab Nicolescu, o filósofo francês Edgar Morin e o  artista plástico e escritor português Lima de Freitas. Desde então é crescente a  discussão sobre o assunto. 
De  onde viemos para onde vamos 
Contemporaneamente é aceita a ideia  de que o conhecimento científico data de quase quatrocentos anos, tendo surgido  no século XVII com a chamada revolução galileana, responsável por mudanças  significativas no modo de pensar, com a gradativa substituição de uma visão de  mundo centrada nas doutrinas teológicas e religiosas pelo estudo sistemático da  natureza. Isso não significa que antes não houvesse um conhecimento rigoroso  pois, desde o século VI a. C., na Grécia Antiga, os sábios buscavam um  conhecimento que se distinguisse do mito e do saber comum. 
No pensamento grego, ciência e  filosofia achavam-se ainda de certa forma vinculadas e só vieram a se separar a  partir da Idade Moderna, buscando cada uma delas seu próprio caminho. A ciência  moderna nasce ao determinar seu objeto específico de investigação e ao criar um  método confiável pelo qual será feito o controle desse conhecimento. É quando  cada ciência se torna uma ciência particular, no sentido de delimitar um campo  de pesquisa e procedimentos específicos. Através do modo como as ciências são  divididas hoje – em disciplinas particulares –, o conhecimento produzido privilegia  setores distintos da realidade, acreditando-se poder compreender o todo a  partir da decomposição das partes.  
Américo Sommerman, da UFBA,  explica que a educação e a pesquisa disciplinares só se instituíram, de fato, no  século XIX, dentre outros fatores, em decorrência também da especialização  crescente do trabalho na civilização industrial em construção. Foi no  século XIV que as ciências “técnicas”, até então chamadas de artes, passam a  ser chamadas disciplinas, “para destacar que a aprendizagem exige a submissão a  uma ‘disciplina’, submissão às regras práticas da vida do cidadão e às regras  técnicas de cada ciência”, destaca. 
Cada disciplina nasce e se  organiza, primeiro, ao redor de uma problemática, agrupando um conjunto de  questões ou problemas teóricos e práticos que emergem em práticas novas ou  antigas, e depois cria um conjunto de modelos e conceitos capaz de dar conta da  inteligibilidade do seu objeto de estudo. De acordo com Sommerman, com o passar  do tempo a disciplina pode envelhecer, caso não se renove com conceitos  forjados a partir dos seus modelos de base ou emprestados de outras disciplinas.  Portanto, para ele há uma tendência de a disciplina se abrir ao longo de tempo,  aproximando-se das fronteiras de outras disciplinas, estabelecendo diálogos,  fazendo intercâmbio de métodos, modelos e conceitos e, por vezes, criando novas  disciplinas. 
  Complexidade  e integração do conhecimento no século XXI
  
   
  No que diz respeito a  transformações recentes no mundo da pesquisa científica, podemos verificar a  emergência da noção de complexidade, que tem Edgar Morin como uma das grandes  referências. 
Em seus livros, Morin defende que  a ciência moderna ou clássica, buscando uma autonomia em relação às explicações  religiosas medievais, acabou por separar-se em vez de apenas distinguir-se da  filosofia, do senso comum, das artes e da política. É quando a ciência de base  quantitativa se destaca em relação às diversas formas de conhecimento. A  ascensão desse tipo de conhecimento se consolida, inclusive, porque está  vinculada a interesses das classes emergentes com as transformações em curso na  Europa dos séculos XVIII e XIX.  
O mundo capitalista tal qual o  conhecemos hoje só pode ser organizado a partir do conhecimento estatístico, do  controle quantitativo da economia, dos territórios e das populações. Toda a  industrialização serviu-se fortemente dos aspectos quantificáveis das ciências  naturais na geração de tecnologias, a ponto de ter contribuído decisivamente  para o surgimento da tecnociência, uma forma de conhecimento científico  dirigido por critérios tecnológicos. 
Atualmente, observa-se a  emergência do chamado pensamento complexo ou paradigma da complexidade, base  para a ideia de transdisciplinaridade. Esse tipo de pensamento visa associar  sem fundir, distinguindo sem separar as diversas disciplinas e formas de  ciência, assim como as diversas formas de conhecimento. O pensamento complexo  não se limita, no entanto, ao âmbito acadêmico: transborda para os diversos  setores das sociedades. E com isso questiona as formas de pensamento  unilateral, dogmático, quantitativo ou instrumental. Esse movimento científico  tem tido uma série de consequências não só tecnológicas, mas também filosóficas. 
 Para saber mais sobre a questão de  integração de saberes e educação no Brasil: 
  Demo, Pedro. Complexidade e aprendizagem: a dinâmica não linear do conhecimento.  São Paulo: Atlas, 2002. 
Fazenda, Ivani Catarina Arantes. Integração e interdisciplinaridade no ensino  brasileiro. São Paulo: Loyola, 2011. 
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