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                            10/12/2015
                             Já  pensou em pedir dinheiro para pessoas desconhecidas financiarem um  projeto que você não consegue tirar do papel? Você daria dinheiro  para uma proposta que vai ao encontro de algo que você acredita?  Sim, não, talvez? Pois saiba que músicos, cineastas, quadrinistas,  gamers, designers, jornalistas, cientistas, empreendedores e  ativistas já movimentaram cerca de R$ 37 milhões para mais de 2 mil  projetos na Catarse, a maior plataforma de financiamento coletivo  (crowdfunding) do Brasil. A área de ciência e tecnologia  está longe de liderar o ranking de intentos mais subsidiados. Perde  para arte, circo, quadrinhos, eventos, gastronomia, jogos e  fotografia. Mas, ainda assim, movimentou R$ 700 mil com 23 projetos  completamente custeados, nos últimos anos quatro anos. A ComCiência entrevistou Diego Reeberg, sócio fundador da plataforma  (https://www.catarse.me) para entender os meandros que envolvem a  conquista do sucesso quando o assunto diz respeito à arte de pedir o  dinheiro alheio.
 Por  que o financiamento coletivo está se tornando um fenômeno social? 
 Para entender financiamento coletivo, precisamos pensar nas pessoas  que precisam dos recursos e nas pessoas que resolvem apoiar. Quando  começamos (com a Catarse), havia uma demanda menor, mas atualmente  apareceram muitas pessoas que têm bons projetos engavetados e não  conseguem tirá-los do papel como gostariam ou precisariam. Mas eu  acho mesmo que o financiamento coletivo está crescendo porque o  maior retorno não é apenas o dinheiro. O maior retorno, quando você  traz um projeto a público, são os relacionamentos: a exposição,  os contatos e a junção de pessoas que querem fazer algo,  colaborando com dinheiro ou não. Mesmo quem contribui com dinheiro  acaba ajudando o projeto de outras maneiras, como divulgação, por  exemplo. Então, eu acho que o crowdfunding é muito menos  algo que visa apenas ao dinheiro e muito mais sobre uma relação de  trocas com o propósito de se aproximar de outras pessoas.  
Há  diferenças entre o que ocorre no Brasil e no mundo? 
Nos  Estados Unidos, por exemplo, as ações atingem um escopo muito  maior. Eles conseguiram evoluir muito o financiamento para ciência e  tecnologia, para o desenvolvimento de pesquisas e novos produtos. No  Brasil, temos alguns casos de sucesso nessa modalidade, mas ainda  estamos começando. Estamos apoiando um movimento que se chama “Dia  de Doar”, em contraposição ao Black Friday. Isso já é forte  fora do Brasil e estimula as pessoas a aderirem a uma “cultura de  doação”, e entenderem que elas podem colaborar e fazer outras  coisas além de comprar algo que não precisam só porque está um  pouco mais barato. O financiamento coletivo tem força porque ele  elimina uma barreira para as pessoas colaborarem de forma simples e  segura. É muito fácil acessar uma página e passar por duas ou três  etapas e contribuir com algo em que você acredita. 
Você  avalia que o financiamento coletivo chega a ser uma saída para as  pesquisas acadêmicas ou científicas que não conseguem avançar por  causa de cortes de recursos de agências tradicionais como Fapesp,  Capes e CNPq? 
Eu  não gostaria de pensar que o financiamento coletivo é a única  saída para essa situação, mas sem dúvida, ele aparece como um  espaço complementar. As pessoas demonstram, por meio de apoios, o  que elas querem ver realizado no mundo. É claro que, dependendo da  especificidade da pesquisa, o financiamento coletivo vai ser um  caminho difícil. Mas isso pode ser resolvido com um plano de  comunicação adequado para fazer as pessoas entenderem porque é  importante doar para aquela proposta. As agências tradicionais devem  olhar para o financiamento coletivo para observar esse novo  comportamento da sociedade e entender também quais são as demandas  sociais reais. Estamos começando a experimentar parcerias na  plataforma. Atualmente, há uma campanha para arrecadar fundos para  uma pesquisa sobre MDMA no tratamento do estresse pós-traumático  (MDMA for PTSD), para a qual metade do dinheiro virá de uma  associação americana, caso os pesquisadores consigam arrecadar a  outra metade na plataforma de financiamento coletivo. São soluções  que se complementam. 
Que  fatores são decisivos para o sucesso de uma campanha de arrecadação  coletiva? Você conseguiria montar um passo a passo para que uma boa  ideia aumente suas chances de atingir a meta de arrecadação? 
Eu  enumeraria três pontos fundamentais. Primeiro, quem está propondo o  projeto tem que ter muito brilho no olho e vontade de fazer o projeto  acontecer. Tem que ser uma prioridade na vida do proponente, pelo  menos durante aquele período em que a campanha está aberta.  Segundo, o plano de comunicação precisa estar muito bem estruturado  desde a fase de planejamento até a execução e fechamento da  campanha. Esse é um dos grandes segredos. Precisa formatar tudo o  que vai ocorrer dia a dia no período em que a campanha estiver no  ar. Bons vídeos, bons textos, boas recompensas são fundamentais.  Tem que dar atenção especial às recompensas, que são as trocas  para incentivar as pessoas a doarem mais. Terceiro, uma sólida rede  de contatos. É quase impossível emplacar um projeto se ninguém te  conhece, você ainda não fez nada, ninguém sabe se você tem ou não  capacidade para realizar o trabalho. A ideia genial e a forma como o  projeto é formatado não garantem, de fato, que os fundos serão  arrecadados. É preciso bem mais que isso. 
Na  sua opinião, o que é mais importante, a ideia do projeto em si ou a  credibilidade de quem o propõe? 
A  ideia nunca será importante para todo mundo, mas a credibilidade é  fundamental. Financiamento coletivo funciona com nichos. A  credibilidade é muito importante porque não damos dinheiro a  pessoas que não conhecemos ou que não nos passam segurança de que  realizarão um bom trabalho. É uma cascata. Pessoas apoiam mais  projetos que já foram bastante apoiados. E para ter bastante  contribuição inicial, além de ter uma ideia boa, é preciso ter  uma imagem de credibilidade associada à proposta. 
O  tempo de arrecadação é o mesmo para todos os projetos? Há pistas  sobre atingimento da meta de arrecadação com a campanha em curso? 
Na  Catarse, o tempo é de até 60 dias. Projetos de dois meses que  atingem 30% da meta em quinze dias têm mais probabilidade de atingir  a meta total. Mas estamos lançando um novo modelo em que não é  preciso arrecadar toda a meta e não há prazo para o fechamento da  campanha. Assim, atenderemos perfis diferentes, por exemplo, de  pessoas que executarão o trabalho de qualquer maneira e toda quantia  de dinheiro é bem-vinda ou pessoas que precisam de campanhas muito  mais longas e deixarão o financiamento aberto durante um ano para  receberem doações o tempo todo. Vamos testar. Às vezes as pessoas  acham 60 dias pouco. Mas se você dedicar um longo tempo (alguns  dedicam até um ano) para o planejamento da campanha, o tempo de  captação online pode ser pequeno. O projeto que mais arrecadou no  Catarse, R$ 600 mil, teve um ano de trabalho em planejamento. Em três  dias de captação online, conseguiu o dinheiro que precisava e  extrapolou a meta até a conclusão da campanha. Trata-se do Kit  Estrutural Mola, para engenheiros estudarem o  comportamento das estruturas. 
Você  pode nos falar um pouco sobre o resultado da pesquisa da Catarse que  apresenta resultados sobre os principais apoiadores de projetos de  financiamento coletivo no Brasil? 
Existem  três principais círculos de influência. O primeiro, composto por  amigos e familiares; depois, os amigos dos amigos; e por fim, um  público externo que ainda não conhecia o proponente antes. Essa  rota acaba funcionando para a maioria dos projetos. Se você não  consegue engajar as pessoas mais próximas, dificilmente atrairá as  mais distantes. Outro ponto é: quanto maior a meta, mais o  proponente vai depender da rede externa. E, como eu já falei, a rede  externa apoia na medida em que muitas pessoas já apoiaram. A rede  externa apoia o projeto porque acredita naquela causa e gostaria que  essa proposta passasse a existir no mundo. Aí, de novo, aparece a  habilidade de contar uma boa história para que pessoas externas que  também têm interesse em determinada causa se reconheçam no seu  projeto e o ajudem a realizá-lo. Em geral, o público apoiador é  jovem, de 25 a 35 anos. Para ler a pesquisa na íntegra, basta  acessar http://pesquisa.catarse.me 
Quais  são as sugestões para quem irá utilizar uma ferramenta de  crowdfunding pela primeira vez? Como estabelecer a meta? 
Estude  a plataforma, todos os projetos, e veja como as pessoas estão  fazendo as coisas. É um repositório de inspiração para começar a  desenhar o plano de comunicação, as recompensas, prazos, metas.  Crie um rascunho simples da sua proposta e apresente de maneira mais  estruturada a algumas pessoas. Não coloque seu projeto na plataforma  para testá-lo. Fale com as pessoas antes. Apresente a ideia, teste a  proposta, pergunte se alguém daria dinheiro para o projeto antes de  abrir um financiamento público. Colha muitos feedbacks. Após  essa etapa, desenhe todo o plano de comunicação detalhadamente,  aproveitando o aprendizado dos outros projetos. A meta é o mínimo  necessário para a ideia sair do papel. 
Em  plataformas internacionais como a Indiegogo, 1 em cada 10 projetos  consegue financiamento. Na Kicstarter, 3 em cada 10 conseguem. Por  que a maioria dos projetos não consegue a arrecadação esperada?  Você tem esse percentual da Catarse? 
Na  Catarse, a média é de 5 para 10. Aprovamos a metade. É importante  falar que, embora os cases de sucesso do financiamento  coletivo sejam de grandes projetos, o financiamento coletivo não é  só para os grandes. Alunos de universidade podem usar a modalidade  para viabilizar projetos menores. Gostaria que as pessoas vissem o  financiamento coletivo como uma oportunidade para se conectar com  pessoas e conseguir executar ideias em que acreditam. Dentro disso,  não tem muito o que pode ou não ser feito. Tudo pode ser feito,  desde que existam pessoas que também queiram. A plataforma não é  só para grandes pesquisadores. Estamos torcendo para ver os  estudantes viabilizando projetos que sejam importantes para a sua  formação. O crowndfunding tem se expandido muito fortemente,  mas ainda tem muita gente que não conhece. Queremos ajuda para  escrever essa cultura de financiamento coletivo no Brasil. 
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