O  brasileiro se interessa por política? Essa foi a primeira pergunta  feita para o professor de ciência política da Universidade Estadual  de Maringá e do programa de pós-graduação da Universidade Federal  do Paraná, Ednaldo Aparecido Ribeiro, que delineou o brasileiro como  ‘pouco interessado’: “Dados do Latin  American Public Opinion Project 2014 indicam  que mais de 60% dos brasileiros  manifestam ‘baixo’ ou ‘nenhum’ interesse por política”,  aponta. Segundo ele, no contexto latino-americano, estamos na média,  mas a situação é distinta quando o Brasil é comparado com nações  de democracia mais antiga. “Na Alemanha, por exemplo, ‘os  interessados’ e ‘muito interessados’ somam 62%, de acordo com  dados levantados pela World  Values Survey de  2014”,  complementa. 
  Outra  questão suscitada no tema é sobre o engajamento: a confiança  – ou a falta dela – nas instituições democráticas  influenciaria o envolvimento político dos brasileiros? Se  considerada a participação política relacionada às instituições  tradicionais da democracia representativa, como eleições, partidos  políticos e sindicatos, a desconfiança pode, sim, gerar  desmobilização, como descreve Ribeiro. Por outro lado, se for  considerado o que os cientistas políticos chamam de “novas formas  de expressão política”, a exemplo de protestos, boicotes,  manifestações e atividades voltadas para demandas específicas de  grupos, a desconfiança pode ter efeito inverso – ou seja, é capaz  de fomentar o ativismo: “A desconfiança, em si não é,  necessariamente, algo negativo. O problema é quando desconfiança e  descontentamento ocorrem em contextos como o nosso, no qual a recente  experiência com a democracia pode ainda não ter solidificado uma  cultura política efetivamente democrática. Nesses casos, o  desencanto pode abrir portas para a aceitação de soluções  radicais incompatíveis com a própria democracia”, alerta.  
 As  novas formas de expressão política têm sido objeto de investigação  também por pesquisadores do Observatório  das Metrópoles,  coordenada pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e  Regional da UFRJ, que tem observado a formação de uma cultura  política específica, influenciada pelo modo de vida nas cidades,  por meio da associação conceitual da chamada Nova Cultura Política  (NCP). De acordo com Nelson Rojas de Carvalho, professor do Programa  de Pós-graduação em Ciências Sociais da UFRRJ e pesquisador do  Observatório, trata-se de uma abordagem que associa a cidadania  contemporânea a valores da pós-modernidade: “Os grandes  conglomerados urbanos são cenários favoráveis ao individualismo, e  as formas de engajamento político, de expressão, estão  relacionadas a ele”, explica.  
 Aqui,  destacam-se, segundo ele, as formas de automobilização – tais  como assinar petições pela internet e elaboração de manifestos –  em contraposição ao engajamento em organizações como os partidos  e os sindicatos, a quem ele denomina de piramidais. Não apenas a  forma de mobilização mudou, como as temáticas políticas não  estão mais ligadas a temas materialistas, como reivindicações  salariais e outros temas laborais, mas a questões ambientais,  raciais, de gênero, pela paz mundial etc. “Na verdade, há, nas  metrópoles, duas gramáticas políticas. Uma que se manifesta no  núcleo e outra na periferia. Nem em uma, nem na outra, as temáticas  urgentes da metrópole aparecem. Quem mora no núcleo das metrópoles  do Rio de Janeiro, por exemplo, não se mobiliza por questões  voltadas ao saneamento básico ou à melhoria da mobilidade, já que  essas temáticas não interessam. Mas a periferia também não se  mobiliza, apesar da escassez e da “falta de cidade”. Isso porque  verificamos que, nas áreas mais pobres da cidade, vigoram as grandes  máquinas de clientela, que ainda têm forte influência sobre o voto  de seus habitantes".  
 Cultura  política na juventude 
 Votar  e militar em partidos políticos são comportamentos cada vez menos  observados nos jovens, de acordo com estudos sobre ativismo político  no Brasil, mas as interpretações sobre a causa dessa postura muda  de acordo com a abordagem das pesquisas, que apontam desde apatia  juvenil em relação às atividades de caráter comunitário e  associativo até perspectivas que enfocam a transformação do modelo  de cidadania adotado pelos jovens, como enfatiza Ednaldo Ribeiro em artigo escrito, no início deste ano, em coautoria com o doutorando Lucas  Okado, da Universidade Federal do Paraná. “Todos estes estudos  demonstram a constituição de distintos padrões de envolvimento  político entre jovens e adultos nos últimos anos. Ainda que  baseados em premissas e conclusões diferentes, estes autores afirmam  que os jovens se afastaram da participação convencional, ou seja,  daquela ligada aos canais políticos institucionais, como o voto, o  envolvimento em campanhas eleitorais e o ativismo partidário”,  escrevem. 
 Ribeiro  acrescenta que, embora os jovens tenham se mostrado menos ativos que  adultos em formas convencionais de engajamento, eles estão mais  atuantes em modalidades de contestação, tais como passeatas ou  bloqueios de tráfego: “A explicação que elaboramos para essas  diferenças passam pelas condições e restrições que cada etapa da  vida impõe aos sujeitos. As modalidades tradicionais demandam  recursos materiais e sociais que os jovens possuem em menor  quantidade, enquanto as não convencionais exigem outros recursos  mais abundantes nessa fase da vida, como o tempo”. Os protestos de  2013 confirmam essa tese do engajamento espontâneo da juventude, o  que traz, na opinião do pesquisador, desafios para as formas  tradicionais de organização política: “Os partidos políticos,  por exemplo, precisam desenvolver estratégias de recrutamento dessas  camadas jovens se quiserem reverter a tendência atual de  envelhecimento dos seus quadros internos”, problematiza. 
 Ao  colocar em pauta a formação política da juventude por meio de  processo educacional, outra problemática apresentada pela socióloga  e mestre em Educação pela Unifesp, Cristiane Santos Barbosa, que  leciona na Universidade Sumaré, em São Paulo, é a infantilização  da educação dos jovens. Embora se possa votar a partir dos 16 anos,  os jovens dessa faixa etária ainda estão a meio caminho de sua  formação intelectual, e some-se a isso a falta de formação dos  professores para trabalhar com a juventude: “Tanto em escolas  privadas, como em públicas, os alunos são tratados como crianças,  o que faz esses jovens terem dificuldade de tomar decisões  sozinhos”, alerta a educadora.  
 Ao  tratar da cultura política da juventude, Barbosa faz também uma  ressalva com relação aos estratos sociais abordados. A necessidade  de trabalhar para complementar a renda familiar e a inserção em  escolas de baixa qualidade são fatores que atuam como impeditivos  para uma maior atuação política da juventude de baixa renda. 
 Cursinhos  sociais: uma possibilidade de ingresso à formação 
 Se  a escola falha no objetivo de permitir uma melhor formação  política, os cursinhos sociais se destacam como espaços  alternativos voltados não apenas para a preparação da população  de baixa renda para o vestibular, mas também, segundo a Frente  de Cursinhos Comunitários e Populares de São Paulo,  para a “formação de cidadãs e cidadãos críticos, a atuação  política para transformação da sociedade e de suas comunidades,  bem como o combate aos sistemas de dominação racistas, machistas e  transhomofóbicos”. 
 Segundo  levantamento feito pela rede, somente na região metropolitana de São  Paulo existem mais de 60 cursinhos comunitários, populares e  alternativos, a maioria gratuita. O Núcleo  da Consciência Negra (NCN),  localizado na USP, oferece um deles, ainda que não seja oficialmente  reconhecido pela universidade. O coordenador André Martelini  salienta que o aluno ingressante entende que o ensino superior é uma  forma de melhorar de vida. Por outro lado, como ressalta Caio Alves, doutorando em Educação pela USP e professor do Centro Universitário Senac, em São Paulo, o cursinho do NCN, além de favorecer a entrada de seus alunos na  universidade, é um espaço de formação política para futuros  líderes de movimentos sociais, já que muitas das políticas  públicas formuladas para negros, mulheres e minorias surgiram depois  que pessoas ligadas a esses movimentos sociais passaram a ter cargos  políticos de destaque.  
 Em  termos de contribuição para a cultura política dos alunos,  Martelini ressalta que é nítida a transformação do aluno ao longo  ao ano. O conteúdo das aulas também costuma receber temas  políticos, como ressalta o coordenador, que leciona biologia na  instituição desde 2012: “Na aula sobre método científico,  comentei sobre como a economia, a política e a religião influenciam  no dinheiro destinado às pesquisas. Citei o caso da Aids e da  malária, doenças que matam quase o mesmo número de pessoas por  ano, mas que tem recebido menos recursos, o que a faz ser uma doença  negligenciada”.  
 Temas  políticos também são inseridos em aulas das ciências exatas, como  exemplifica a professora de matemática do NCN, Jéssica Alves:  “Quando trato da igualdade na equação de equilíbrio, posso  brincar um pouco com igualdade, como se fosse um exemplo aleatório.  Já usei este exemplo em aula: quando a mulher luta pela igualdade  salarial, ela quer salário igual, nem maior, nem menor, senão seria  desigualdade”.  
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