Muitos dos conteúdos disponíveis no ambiente digital não são mais pensados e produzidos de forma detalhada, mas são elaborados para uma leitura rápida e fragmentada nas plataformas. Todo esse processo de simplificação das informações acaba favorecendo um outro fenômeno: o espalhamento de fake news. Nesse caso, não se trata de matérias produzidas por canais de comunicação com o intuito de tratar de determinados temas, mas de mentiras estrategicamente pensadas para desinformar e dividir.
Por Eduarda A. Moreira
Quando foi a última vez que você leu uma notícia inteira nas páginas de um jornal impresso? Aliás, quando foi a última vez que você leu uma notícia inteira, do título até a última frase, em qualquer formato? A transferência das atividades cotidianas para o ambiente digital não poupou a leitura, e alterou drasticamente a relação entre o público e os textos jornalísticos.
Lidar com a quantidade de informações e a velocidade das atualizações se tornou um dos maiores desafios da era digital. Com a plataformização, os usuários das redes se tornaram cada vez mais inquietos e menos capazes de focar em uma única atividade, enquanto os textos jornalísticos ficaram mais curtos e menos aprofundados.
De acordo com Greciely da Costa, pesquisadora do Laboratório de Estudos Urbanos (Labeurb) da Unicamp, no ambiente digital, os jornais optaram por adaptar suas matérias para a leitura na tela do celular e para cada uma das redes sociais, de acordo com formatos e limites de caracteres. “Tudo isso impacta na maneira como o sujeito se relaciona com aquilo que lê, porque já é oferecido a ele um formato de texto e um certo enquadramento daquela notícia dentro do objeto tecnológico com o qual ele se relaciona”, afirma. “Todo o processo de leitura começa sendo determinado pela plataforma, antes mesmo de chegar ao leitor”.
Para os usuários de redes sociais, as diferenças entre o texto físico e o digital podem passar despercebidas. Para os estudiosos da área, no entanto, algumas características específicas de textos com amplo alcance no ambiente digital determinam a forma como o leitor interage com o conteúdo.
A pesquisadora Cristiane Dias, coordenadora do Labeurb que tem como objeto de pesquisa justamente a linguagem no espaço digital, desenvolveu o conceito de “textualidades seriadas”. De acordo com a autora, essa nova forma de escrita digital se caracteriza por “uma sequência de textualidades dispersas, mas ligadas por um traço comum”, que pode ser linguístico, temático, de formato, por exemplo. A ampla circulação é uma característica central desse tipo de texto, que geralmente é observado na forma de memes, “fios” na rede X e carrosséis no Instagram.
Em seu artigo “O texto plataformizado”, Dias analisa um post do jornal Folha de S. Paulo no Instagram, e afirma que “se um sujeito ler a mesma notícia no site da Folha, sua formulação é outra. O corpo do sentido é outro. No Instagram, ele se configura com uma textualidade que faz série no meio de outras postagens”. Este exemplo explicita o fato de que, para se adequar à linguagem das redes e atingir um público cada vez mais amplo, os veículos de comunicação também adotam a linguagem das “textualidades seriadas”.
Muitos dos conteúdos disponíveis no ambiente digital não são mais pensados e produzidos de forma detalhada, mas são elaborados para uma leitura rápida e fragmentada nas plataformas. “Se eu quiser realmente fazer a leitura mais aprofundada, tenho que sair do Instagram e entrar na página do jornal”, analisa Greciely. Todo esse processo de simplificação das informações acaba favorecendo um outro fenômeno: o espalhamento de fake news. “A mentira é algo mais antigo do que nós. Os boatos sempre existiram. O que aconteceu nos últimos anos é que, de novo, entrou um elemento que modificou a forma de funcionamento desse boato, que é o digital”, explica a pesquisadora, enfatizando que, nesse caso, não se trata de matérias produzidas por canais de comunicação com o intuito de tratar de determinados temas, mas de mentiras estrategicamente pensadas para desinformar e dividir.
Para além de analisar a forma como as notícias são produzidas e difundidas, vale a reflexão sobre quem são esses sujeitos digitais, que consomem uma quantidade enorme de informações, e como eles se relacionam com essa infodemia. “De que sujeito leitor estamos falando? É o que está no ônibus, passando rapidamente pelas notícias do dia, ou no seu horário de folga, rolando o feed, ou ele está fazendo escolhas porque realmente está interessado no tema e quer se aprofundar?”, questiona Greciely.
Nem os jornais nem os leitores são mais os mesmos. A plataformização tomou conta de todas as etapas da comunicação – desde a produção dos textos jornalísticos até sua distribuição e leitura. Estudar esses processos se tornou essencial para compreender as mudanças e se adaptar a essa nova realidade, seja como autor, seja como leitor.
Eduarda A. Moreira é doutora em ciências (USP), especialista em jornalismo científico pelo Labjor (Unicamp) e bolsista Mídia Ciência – Fapesp.