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Carbono-14 não é único método de datação

A datação de objetos arqueológicos é um processo interdisciplinar, envolvendo física, química e biologia. Todos os métodos para se inferir a idade de um artefato ou de fósseis são baseados no estudo das alterações químicas e físicas que acontecem lentamente ao longo do tempo com o material de que o objeto é feito. Conhecendo-se a natureza das alterações e determinando-se o quanto o material já foi degradado, pode-se, em muitos casos, inferir há quanto tempo o objeto está exposto a essas degradações.

Carbono-14
Diferentes materiais e idades exigem diferentes métodos. O método mais conhecido é o do carbono-14. O carbono-14 é um tipo (um "isótopo") de carbono dotado de uma fraca radioatividade, que existe na Terra em quantidade muito pequena. Ele é produzido na atmosfera pelos raios cósmicos, que interagem com o nitrogênio e transformam alguns de seus átomos em carbono-14. Enquanto o carbono-14 é produzido, ele se transforma espontaneamente de volta no nitrogênio, num processo conhecido como decaimento radioativo. Assim, a concentração de carbono-14 na atmosfera mantém-se mais ou menos estável.

O método do carbono-14 usa o fato de que os organismos vivos, como respiram o ar atmosférico, acabam entrando também nesse equilíbrio e a concentração de carbono-14 na matéria viva é também estável. Porém, quando um organismo morre, a troca com a atmosfera deixa de acontecer e o equilíbrio é rompido: o carbono-14 começa a decair, mas não é reposto. Pode-se dizer que foi acionado um relógio radioativo, pois a velocidade com que o carbono-14 decai é bem conhecida. Em 5.730 anos, metade do carbono-14 já decaiu em nitrogênio; em mais 5.730 anos, metade do que restou decai; e assim por diante. Desta forma, se a concentração de carbono-14 em uma amostra de osso é um quarto da esperada, pode-se dizer que o animal dono daquele osso morreu há cerca de 15.460 anos.

Pode-se usar a técnica do carbono-14 desde que a amostra contenha carbono: objetos de madeira, carvão, ossos, tintas que derivam de plantas etc. Essa técnica é capaz de datar objetos com até 50 mil anos. A partir disso, a radiação remanescente do carbono-14 torna-se muito baixa para poder ser detectada com precisão suficiente. Abaixo de 300 anos, por outro lado, a diminuição do carbono-14 pelo decaimento é muito pequena, e também não é possível determinar a variação na sua concentração.

Termoluminescência
Para se determinar a idade de objetos com mais de 50 mil anos ou cuja idade não tenha relação com compostos orgânicos (como vasos de cerâmica), usam-se outros métodos. Uma técnica bem mais barata que a do carbono-14 e que vem sendo cada vez mais usada no mundo todo é a da termoluminescência (TL). Esse método mede os pequeninos defeitos que aparecem no material de que é feita a amostra, decorrentes da radiação a que ele está submetido: radiação cósmica, radiação do ambiente ao redor da amostra ou do próprio material de que ela é feita. Quando a radiação reage com a amostra, são liberados alguns elétrons das suas moléculas. Alguns desses elétrons são aprisionados em defeitos no material da amostra. Algumas moléculas, portanto, não recebem seus elétrons de volta e ficam ionizadas (carregadas eletricamente).

À medida que o tempo passa, mais e mais elétrons vão ficando aprisionados. Quando a amostra é aquecida, a energia térmica fornecida aos elétrons é suficiente para eles se libertarem e se recombinarem com as moléculas ionizadas, restituindo a situação original. Nesse processo de recombinação, é emitida energia luminosa, que constitui a termoluminescência.

O que se faz no laboratório é aquecer a amostra até que a termoluminescência seja liberada. A intensidade da termoluminescência indica o tempo transcorrido desde a última vez em que a amostra sofreu aquecimento. No caso de uma cerâmica, ela era aquecida durante sua fabricação, para a lapidação ficar mais fácil. Assim, a intensidade da termoluminescência fornece o tempo transcorrido desde que ela foi aquecida pela última vez. Com isso, pode-se datar objetos de até 1 milhão de anos, com precisão de até 10%.

Esse método foi introduzido no Brasil no final da década de 60 por Shigueo Watanabe, do Instituto de Física da USP. Sua equipe fez um estudo sobre fragmentos de vasos e urnas funerárias encontradas no interior do estado de São Paulo. Sua pesquisa estava inserida no Projeto Paranapanema, idealizado em 1968 pela arqueóloga Luciana Pallestini, cujo objetivo atualmente é o estudo do cenário da ocupação humana na bacia do Rio Paranapanema (São Paulo e Paraná), em nível físico, biológico e sócio-econômico.

Um dos grupos brasileiros que trabalham com esse método está na Universidade Federal de Sergipe (UFS), onde foram datados objetos arqueológicos salvos da inundação da usina hidrelétrica de Xingó, em Sergipe. Esses objetos - peças cerâmicas e até esqueletos inteiros, encontrados em cemitérios - começaram a ser coletados em 1990 e foram datados inicialmente por carbono-14, na França. A partir de 1994, começaram a ser feitas as datações por termoluminescência na UFS. Foram encontrados artefatos com de 2000 a quase 9000 anos enterrados em diferentes camadas. Segundo José Fernandes de Lima, hoje reitor da UFS, isso "significa que tivemos ali uma habitação por um período muito grande; descontinuada, mas sempre existindo".

O Laboratório de Preparação e Caracaterização de Materiais foi montado em 1992 por Lima, que trabalha com termoluminescência desde 1985. Para Lima, é necessário, junto com o trabalho de extração arqueológica, ter laboratórios de datação. Assim, "não precisaremos depender de mandar para outros laboratórios, porque (...) [isso] encarece com a demora, gera uma quantidade grande de dependência. Tem uma questão fundamental aí, que é a questão da independência científica".

Luminescência opticamente estimulada, EPR e aminoácidos
O grupo da UFS usou a termoluminescência para datar objetos cerâmicos, mas não as ossadas, pois o método exige que se aqueça o material a até 400 graus, o que destruiria os ossos. Um método semelhante, mas menos destrutivo, é a luminescência opticamente estimulada (LOE ou OSL). Assim como na termoluminescência, nesse método provoca-se a libertação dos mesmos elétrons presos nos defeitos do material, que haviam sido retirados de suas moléculas pela radiação ambiente. A diferença é que nesse caso a libertação não é provocada pelo aquecimento, mas pela exposição à luz. No Brasil, esse método é usado no Laboratório de Vidros e Datação, na Faculdade de Tecnologia de São Paulo, pelo grupo de Sônia Tatumi, que também usa a termoluminescência.

Outro método não-destrutivo é a ressonância paramagnética nuclear (EPR), também chamada ressonância de spin eletrônico (ESR). Apesar de ser menos sensível que a termoluminescência, ele permite a determinação do número de elétrons aprisionados sem precisar libertá-los, como acontece na termoluminescência e na LOE. O método aproveita o fato de que os elétrons aprisionados possuírem um campo magnético ao seu redor. O que é medido é a quantidade desses campos. Permite uma precisão de 10% e a datação de objetos entre 1000 a 1 milhão de anos.

No ano passado, pesquisadores da Universidade de São Paulo e da Fundação Museu do Homem Americano, no Piauí, publicaram na revista Journal of Archaeological Science resultados com estudos com EPR e termoluminescência sobre formação de calcita em pinturas rupestres no Parque da Capivara, no Piauí. Os estudos com EPR foram feitos por Oswaldo Baffa Filho, na USP de Ribeirão Preto. Os resultados indicam que a ocupação humana se deu antes de 35 mil anos atrás, em contradição com as teorias atuais sobre a ocupação do continente americano, que teria começado há apenas 12 mil anos.

Uma datação posterior com carbono-14, feita pelos Marvin Rowe e Karen Steelman, entretanto, indicou uma idade de no máximo 3800 anos. A datação foi publicada na mesma revista em 2003 e foi feita em oxalato de cálcio, uma substância que encontraram na calcita sobre as pinturas rupestres. Os autores dizem que, até que essa controvérsia seja resolvida, as medidas com EPR e termoluminescência não podem ser consideradas conclusivas.

Na técnica da racemização de aminoácidos, é analisada a proporção entre aminoácidos dextrógiros e levógiros. Os aminoácidos são moléculas complexas que constituem as proteínas. Em geral, para cada aminoácido, existem duas versões quase idênticas - a não ser por uma ser a imagem no espelho da outra. Diz-se que são "isômeros ópticos". Um grupo é chamado dextrógiro e o outro levógiro. Ocorre que, nos organismos vivos, apenas aminoácidos dextrógiros aparecem. Entretanto, depois que o organismo morre, reações químicas vão transformando parte dos aminoácidos dextrógiros em levógiros, até chegar a um equilíbrio. Observando a quantidade de aminoácidos levógiros em um fóssil permite inferir há quanto tempo o organismo morreu.

Novos métodos continuam sendo criados. Recentemente, pesquisadores de Israel descobriram uma nova maneira de datar objetos de chumbo, um material muito usado na Antigüidade para fazer pesos, revestimentos, tubos etc. O método, publicado em 28 de julho na revista britânico-alemã New Journal of Physics, consiste na determinação da espessura da camada corrosiva que se desenvolve lentamente sobre o chumbo - quanto maior a idade, maior a espessura. Os cientistas usaram a nova técnica para datar objetos de 750 a 2500 anos encontrados no sítio de Tel-Dor, na costa de Israel, também conhecido pelos seus nomes árabes Tantura ou Khirbet el-Burq. Segundo os cientistas, é o primeiro método que permite a datação direta de artefatos de chumbo.

Muitas vezes diferentes métodos se complementam. Segundo Sônia Tatumi, da Fatec, é importante usar vários métodos para datar o mesmo objeto. O carbono-14 e a termoluminescência, por exemplo, "são métodos em que a teoria física é completamente diferente", explica a pesquisadora. "Se você tem uma idade que bate com os dois métodos, você tem certeza de que esse é o valor."

(RB)

 
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Atualizado em 10/09/2003
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