“O construtivismo não é um método, é um conceito”, afirma Silvia de
Mattos Gasparian Colello, do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre
Alfabetização e Letramento (GEAL), da USP, acerca da polêmica sobre a
melhor orientação para a alfabetização no país. O debate, reacendido
este ano - depois que Fernando Haddad, Ministro da Educação, propôs a
revisão dos Parâmetros Curriculares da Língua Portuguesa (PCN)-, tem se
acirrado entre os defensores dos atuais parâmetros, embasados por
ideais construtivistas, e os pregadores do método fônico de
alfabetização. Para Silvia Colello, que faz parte do primeiro grupo, o
problema da educação no Brasil não pode ser resolvido com métodos
infalíveis e a língua escrita não pode ser concebida apenas como um
código. Assim como o construtivismo, a alfabetização deve ser vista de
maneira mais ampla e complexa, como um “sistema de implementação da
linguagem”, diz a pesquisadora.
No método fônico, a alfabetização se dá através da
associação entre símbolo e som. Para que a criança se torne capaz de
decifrar milhares de palavras, ela
aprende a reconhecer o som de cada letra. De outra forma, ela teria que
memorizar visualmente todo o léxico, algo ineficiente do ponto de vista
dos defensores do método fônico. O método parte da regra para a exceção.
Por outro lado, a orientação construtivista apóia-se na
familiarização das crianças com textos inteiros e condizentes com a
realidade dos alunos (como o nome de cada
um, por exemplo). Diferentemente do reconhecimento de frases
descontextualizadas como “Ivo viu a uva”, a alfabetização não implica
apenas decifrar um código. Para alfabetizar, a criança deve ser levada
a participar da linguagem escrita. Para isso, é necessário um
diagnóstico prévio que aponte qual é a relação do sujeito com o texto.
Assim, podem-se definir estratégias e exercícios que façam o aluno ler
e escrever.
Para Sílvia Colello, os PCN não devem subestimar as
crianças e nem reduzir o ensino àquela relação unívoca em que o
professor ensina e o aluno silencia. Rodeadas por
estímulos visuais e sonoros, televisões, computadores e videogames,
seria equivocado crer que elas se interessariam e se reconheceriam
verbalmente com frases
como “o boi bebe e baba”.
Segundo a professora, é interessante notar que os
defensores do método fônico no Brasil são psicólogos, em sua maioria.
“Eles não lidam com a língua enquanto
sistema em implementação. Eles estão preocupados em encontrar uma
metodologia que seja objetiva e controlada, para ensinar a ler e a
escrever. Mas só isso não é
suficiente hoje em dia”, afirma. De acordo com Colello, pode-se até
ensinar a criança a ler e a escrever, mas se anulará o gosto que ela
poderia vir a ter pela leitura.
O grande argumento contra os parâmetros construtivistas
é o péssimo desempenho do Brasil em diversas avaliações nacionais e
internacionais, como no Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb) e
em avaliações da OCDE (Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico) e da Unesco (Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura) desde que o conceito foi
incorporado nos PCNs, em 1996.
Ao reiterar que o construtivismo não é um método, mas
um conceito por trás dos pressupostos da alfabetização, Silvia Colello
alfineta: "Não sou ingênua a ponto de dizer que o construtivismo vai
salvar a educação brasileira. Mas, parece que muitas pessoas o
interpretaram assim: ’Ah, que bom! Chegou um novo método salvador!’"
Para ela, o problema do ensino no Brasil tem muitas determinações,
entre elas a falta de investimento em formação dos professores. Além
disso, a pesquisadora afirma que o construtivismo não entrou
efetivamente na grande maioria das escolas, apesar de todas se dizerem
construtivistas.
Já os defensores do método fônico, ao contrário,
acreditam que o problema da alfabetização no Brasil é justamente o uso
do "método" construtivista, e nessa avaliação, desconsideram o contexto
econômico e social do país.
Em entrevista à Folha de São Paulo, falando sobre a
péssima posição do Brasil em nível de leitura entre 32 países, Fernando
Capovilla, do Departamento de Psicologia Experimental da USP, explicita
sua desconsideração à degradação social como um dos fatores de piora do
ensino: "Há quem atribua o mau resultado ao subdesenvolvimento, à
violência urbana, blábláblá. Bobagem”. Fernando Capovilla, por e-mail,
afirmou que os PCNs em alfabetização são estritamente cumpridos por
parte dos professores e são rigidamente fiscalizados pelas secretarias
de educação, ao contrário do que diz Silvia Colello.
Exemplos de atividades
No contrutivismo, que
trabalha com
textos inteiros e reais
Livro
dos Desertos -
A professora propõe um tema: “Vamos estudar o
deserto?” Como os bichos
e as plantas conseguem viver no deserto? Onde estão os
desertos? Todos
estão no mesmo lugar? Eles os alunos vão
trabalhando com resoluções
de problemas. Aí, a professora mostra jornais com
matérias e mapas da
corrida Paris-Dakar, por exemplo. Os alunos são levados a
discutir a
trajetória, os tipos de acidentes que aconteciam no deserto,
como os
competidores se alimentavam, enfim, depois que eles chegam a alguma
conclusão, a professora pede para que escrevam o que eles
aprenderam
sobre o tema. As crianças dizem “Mas eu
não sei escrever, professora!”.
Ela, então, incentiva: “Escreva do jeito que
você sabe! Peça ajuda ao
seu amigo!” “Eu quero escrever que no deserto
não tem chuva.” Sem o
compromisso do certo e do errado, as crianças são
alfabetizadas. Depois
de escritos vários textos (sobre as plantas, os bichos do
deserto,
etc), os trabalhos são compilados em uma espiral, a
criança aprende a
escrever escrevendo o Livro dos Desertos. (por Silvia de Mattos
Gasparian Colello, do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre
Alfabetização
e Letramento da USP)
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No método
fônico, que associa letras a sons
Jogo
de percurso -
Cada criança retira, em sua vez, um pequeno cartaz de uma
caixa de
papelão. No cartaz há uma figura desenhada (pode
ser um animal como
camelo, um veículo como trem, um brinquedo como boneca, e
assim por
diante). A professora pergunta ao grupo qual o nome da figura. No
grupo, uma criança pode saltar à frente
é gritar. “É um camelo!”. As
demais, naturalmente, repetem o nome do animal na figura. A professora
então pergunta quantos sons tem essa palavra e pede para
contarem todos
juntos /c/ /a/ /m/ /e/ /l/ /o/ dizem eles (no método
fônico as crianças
não pronunciam os nomes das letras, mas sim seus sons!).
“Então, vamos
contar quantos sons tem essa palavra?”, estimula a
professora. Enquanto
pronuncia os sons todos de novo, ela vai mostrando os dedos um a um.
Nesse ponto uma criança do grupo (uma qualquer,
já que sempre é
espontâneo e voluntário) salta à frente
e diz: “Tem 6, professora! Tem
6 sonzinhos!”. Isso, diz a professora. E pronuncia, enquanto
conta com
os dedos. “Então, pessoal, quantas casas o
Júnior vai andar?” “Seis
casas!”, gritam todos. (por Fernando César
Capovilla, professor
associado em psicologia experimental humana do Instituto de Psicologia
da USP, via e-mail) |
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