A palestra de abertura do fórum “Células-tronco: ficção,
realidade e ética”, apresentada por Austin Smith, diretor do Centro de
Investigação em Células-Tronco, da Wellcome Trust Centre for Stem Cells
Research, de Cambridge, Inglaterra, no último dia 11 no Centro Brasileiro
Britânico, em São Paulo, começou com dois slides curiosos. O primeiro trazia
uma foto do comandante inglês Nelson, que liderou a batalha de Trafalgar e
derrotou as tropas de Napoleão em 1805; e o segundo mostrava a pata de uma
salamandra em regeneração após ter sido amputada. Segundo o palestrante, a foto
do almirante era uma homenagem ao seu país. No entanto, o detalhe apontado por
ele - o braço mutilado que herdou da batalha - ilustrava o desejo humano de
alcançar a regeneração, algo de que as salamandras são capazes. “Este é um
sonho a respeito das células-tronco”, comentou, referindo-se à ficção gerada em
torno do assunto e presente no título do fórum.
O evento fez parte do Encontro Internacional sobre Células
Tronco, realizado entre os dias 11 e 18 numa parceria do British Counsil com o
Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo (USP). Assistidos por uma platéia composta
principalmente por médicos e pesquisadores, mas que também contava com muitos
estudantes e pessoas interessadas pelo assunto, os pesquisadores deram uma
visão geral sobre os avanços, as ficções e as questões éticas em torno das
pesquisas com células-tronco.
Informação e divulgação
Apesar dos diversos resultados positivos obtidos por
pesquisadores do mundo todo, os palestrantes foram enfáticos ao falar sobre as
limitações da utilização dessas células como armas terapêuticas em pacientes. E
foi consenso o tom de ceticismo em relação às aplicações terapêuticas em um
curto espaço de tempo. Segundo Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos
do Genoma Humano da USP, dois ensaios terapêuticos com células-tronco que
começarão neste ano - um nos Estados Unidos com lesões de medula e outro na
Inglaterra com pessoas que sofreram derrame - irão trazer muita informação e
permitir que etapas sejam puladas em estudos futuros.
No Reino Unido, onde as pesquisas com células-tronco
embrionárias são permitidas desde 2000, o documento responsável por tal
regulamentação data de 1990 e vem sendo adaptado ao longo dos anos, de acordo
com as demandas advindas de avanços científicos. Segundo Robin L. Badge,
diretor da divisão de biologia da célula-tronco e genética do desenvolvimento
do National Institute for Medical Research do Reino Unido, questões históricas
e o apoio popular contribuem para a prática de uma “abordagem regulatória para
as pesquisas com células-tronco no Reino Unido em detrimento de leis altamente
restritivas, como no caso da Alemanha”.
No Brasil, a participação da opinião pública também foi
decisiva na aprovação da Lei de Biossegurança, que permite as pesquisas com
células tronco embrionárias. “Eu sempre defendi a participação da opinião
pública em debates sobre temas científicos e defendo cada vez mais. Acho que a
opinião pública tem que participar desses avanços, tem que se discutir, porque
existe muita desinformação e informações erradas a respeito de pesquisas com
células tronco”, declara Zatz.
A iniciativa de fazer uma edição do Encontro no Brasil
surgiu em 2007, a partir do curso realizado no Chile, do qual participaram os
pesquisadores e realizadores do evento no Brasil, José Xavier Neto e Deborah
Schechtman, do InCor. Segundo Xavier,“a idéia era desmistificar um pouco o assunto
de células tronco e ter uma discussão muito franca sobre o potencial, o que a
gente tem hoje e quais são os limites das pesquisas com células tronco. A
gente queria ... expor o público em geral às pessoas que entendem do assunto
e são da área”.
Pluripotência
Além dos mitos e das questões éticas envolvidas em torno das
células-tronco, os cientistas também debateram sobre novidades na área. A
principal delas, e que foi discutida com entusiasmo pelos palestrantes e
público é a possibilidade de induzir células adultas a se tornarem
células-tronco pluripotentes, ou seja, que podem se diferenciar em diversos
outros tipos celulares. As chamadas IPSC (induced pluripotent stem cells) são
linhagens celulares conseguidas por meio da inserção de quatro genes relacionados
com a diferenciação na célula e vêm sendo desenvolvidas em diversos lugares do
mundo, inclusive no Brasil. Para Smith, tais células não substituirão as
células-tronco embrionárias nas pesquisas. “Ainda é necessário trabalhar com
ambas, para fins de comparação”, comenta.
O desenvolvimento de linhagens celulares, a partir de
células de uma pessoa que tem alguma doença genética, permitirá o teste de
diversos tipos de medicamentos e possibilitará o entendimento dos diferentes
quadros clínicos manifestados por pacientes que apresentam uma mesma mutação.