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Seminário discute falta de protagonismo da mulher nos partos hospitalares
Por Luciana Palharini
30/10/2009

Num país onde 40% dos partos são cesarianas e, desse total, a maioria desnecessárias, falar em parto sem anestesia e sem intervenção médica parece uma insanidade. Mas há um número cada vez mais crescente de mulheres que não se interessam pela promessa do parto “prático e indolor” e buscam vivenciar o nascimento de seus filhos da forma mais natural possível. O seminário “A redescoberta do prazer de dar à luz e um novo modelo de assistência obstétrica” trouxe a discussão sobre a atual falta de protagonismo da mulher nos partos hospitalares e as intervenções médicas desnecessárias. O evento, em defesa da humanização do parto, aconteceu em outubro, na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp.

Para os adeptos do “parto humanizado”, conceito utilizado para definir o atendimento que respeita o ritmo natural do nascimento e recusa o uso de certos procedimentos médicos de rotina, a cesárea e o parto normal hospitalar aproximam-se por exercerem o mesmo modo de assistência ao parto: ambos colocam a mulher em uma atitude passiva. Ficar presa a uma maca durante o trabalho de parto, ser impedida de comer, beber líquidos, tomar ocitocina sintética (hormônio que intensifica as contrações uterinas) e receber anestesia sem opção de escolha são alguns dos procedimentos que fazem parte do “pacote” utilizado para receber qualquer mulher que esteja em trabalho de parto nas instituições hospitalares. Embora anunciados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como ineficazes ou, até mesmo, prejudiciais, tais procedimentos fazem parte do protocolo obstétrico na maioria dos hospitais.

Para o professor da Escola Paulista de Medicina da Unifesp, Jorge Kuhn, um dos convidados para a mesa de debates do evento, é a questão do “protagonismo da mulher” que está em jogo. As escolhas da mulher em relação a seu parto e a preparação para que esse protagonismo aconteça têm que aparecer “já durante a gestação, no pré-natal”. Para ele, isso implica em responsabilidades e, para tanto, é preciso que a mulher esteja bem informada, o que não acontece na maioria dos atendimentos médicos, que já iniciam uma relação médico-paciente de maneira passiva para o segundo. O médico da Unifesp, conhecido por tentar “humanizar” até mesmo os partos cesárea, diz receber entre suas pacientes mulheres que já passaram pela experiência do parto, mas que não tiveram protagonismo. “Quase 100% delas, estão em busca do parto normal e sem anestesia”, afirma ele.

A posição (horizontal) em que a mulher é colocada no trabalho de parto já é por si só um elemento que a coloca em uma postura passiva, já que a falta de liberdade de movimentos traz um desconforto significativo, limitando seu repertório de atuação. Junte-se a isso o fato da aplicação de anestesia ser hoje um procedimento padrão, realizado até mesmo sem que a parturiente seja consultada. Sem controle sobre seu corpo, a mulher deixa de ser a protagonista desse momento e passa a receber do médico-obstetra os comandos que deve executar para que seu bebê venha ao mundo.

Segundo o médico Hugo Sabatino, da FCM/ Unicamp, também um dos convidados do evento, duas questões contribuíram para que o protagonismo fosse transferido da mulher para o profissional responsável pelo parto: as mudanças do nascimento do domicílio para o hospital e da posição vertical para a horizontal. Isso ocorreu a partir do século XVII sob a influência do médico francês François Mauriceau. No decorrer da progressiva “medicalização do parto”, a posição horizontal estabeleceu-se definitivamente por “facilitar o trabalho do profissional para extrair a criança, sem levar em conta o desconforto causado à mulher pela posição”. Essa historicidade, segundo Sabatino, quase não é difundida nos cursos de medicina, o que poderia explicar a falta de interesse dos obstetras pelo assunto.

O tom do seminário foi, portanto, o de questionar a condução do nascimento nos partos hospitalares, que transforma um momento que era para ser especial para a mãe em uma série de procedimentos médicos que excluem a participação ativa da mulher e da família, em nome de uma maior segurança para mãe e bebê. Os debatedores questionaram essa justificativa da segurança, já que esses procedimentos são realizados em todas as mulheres e não apenas nos chamados “grupos de risco”. O resultado disso vai desde posições e procedimentos que desconsideram o desconforto da parturiente até a realização de partos cesárea desnecessários.

Entre os 180 participantes do evento, estavam presentes muitos enfermeiros e estudantes de enfermagem, fisioterapeutas, doulas - profissionais cujo ofício é apoiar a gestante física e psicologicamente durante o parto- , psicólogos, gestantes, mamães com seus bebês, mas apenas três médicos.

Depoimentos, como o de Roselene Nogueira, outra convidada da mesa de debates, também fizeram parte da programação. Com a experiência de três partos normais, ela contou que, apesar de achar incômodo e penoso, nunca questionou os métodos de condução do trabalho de parto. “Eu achava que fazia parte, afinal era um trabalho profissional”, revelou. “Foi como se eu tivesse passado sem alma pelos meus partos”, concluiu. Quando ela descobriu o movimento pela “humanização do parto”, tornou-se ativista da causa. Hoje, é uma das colaboradoras da rede "Parto do Princípio", que, segundo o site da organização, é formada por mulheres engajadas na luta pela “retomada do protagonismo de seus processos de gestação, parto e pós-parto”.

O evento teve, em sua abertura, a exibição do documentário “Parto Orgásmico”, de Debra Pascali-Bonaro, e foi encerrado com a exposição fotográfica “Parto com prazer”, do fotojornalista Marcelo Min.