Como
se esconder de uma máquina? Adam Harvey
é um artista e tecnólogo americano formado em Telecomunicações
Interativas, na Universidade de Nova York, que tem focalizado essa
questão em seus trabalhos, como forma de instigar a
contra-vigilância e a proteção da privacidade. Os meios que usa
para a problematização desses temas, cada vez mais atuais, vão
desde a visão computacional até o design interativo, com o uso de
computadores que podem ser vestidos (wearable
computing). Um
de seus projetos é chamado CV
Dazzle
(Computer Vision Dazzle)
e, como o próprio nome diz, é destinado a confundir ou cegar os
sistemas de reconhecimento facial. A palavra dazzle faz referência a
um tipo de camuflagem utilizada durante a Primeira Guerra Mundial
pelos navios, com o objetivo de dificultar a identificação do
tamanho e da direção da embarcação pelos radares.Nesse
projeto, o artista monta diferentes combinações de maquiagens,
estilos de cabelo e outras modificações do rosto visando impedir
que os algoritmos identifiquem as principais partes que permitem o
reconhecimento da imagem da face humana, ou seja, a parte entre os
olhos, onde testa e nariz se encontram, e a parte abaixo dos olhos,
onde ficam as olheiras. Neste sentido, a proposta de Harvey, não é
a do uso de um disfarce simplesmente ou de uma máscara (com uso em
público proibido em alguns estados nos EUA). O artista propõe
modificações simples, mas localizadas nessas partes do rosto que as
máquinas reconhecem, de forma que tais mudanças sejam confundidas
com uma nova estética, ou moda.CV
Dazzle, que começou como uma proposta de tese, parte, portanto, da
compreensão de como funcionam os algoritmos de reconhecimento facial
para propor o que o artista chama de ‘anti-rosto’, ou uma face
indetectável, que subverta as características faciais e os padrões
de contraste normalmente esperados pelas máquinas. A construção
desse anti-rosto é obtida a partir de softwares e uma versão
open-source do programa está sendo preparada para que outros
interessados possam participar, de forma colaborativa, como
programadores ou designers.Disseminação
das tecnologias biométricas
Os
programas de reconhecimento facial são parte de um conjunto maior de
tecnologias biométricas, no qual se incluem também a identificação
de pessoas através do mapeamento da retina, da impressão digital e
o reconhecimento de voz, dentre outras. Tais características
corporais vêm sendo proclamadas como únicas em cada corpo humano e,
portanto, como algo que permite a verificação da identidade ou
reconhecimento de uma pessoa.
As
tecnologias biométricas fazem parte de muitos sistemas de vigilância
adotados hoje em dia, como os usados em aeroportos ou mesmo nas ruas,
onde pessoas filmadas por câmeras de segurança podem ter sua face
reconhecida. No site do CV Dazzle, Harvey afirma que o
reconhecimento de faces é a tecnologia biométrica que mais cresce
atualmente. O
reconhecimento facial também está presente em redes sociais, como
Facebook, o qual Harvey utilizou para testar suas propostas. No link
http://vimeo.com/12308527
é possível ver que o sistema automático de reconhecimento do
Facebook não consegue detectar a imagem de um rosto com certa
maquiagem e estilo de cabelo criados por Harvey. O artista faz o
upload
de várias imagens do rosto e o sistema responde com a
impossibilidade de encontrar faces similares. “O CV Dazzle é uma
tecnologia antagônica, pois vai contra a tendência atual da adoção
generalizada de reconhecimento de faces. Muitos estudos atuais provam
que nos dias de hoje é absolutamente possível identificar pessoas
nas ruas, usando uma imagem do rosto e as informações disponíveis
nas redes sociais, como revela uma reportagem da Economist,
de julho deste ano, intitulada Anônimos
nunca mais,
informa Harvey. É
interessante notar que nesta reportagem, o Brasil é citado logo no
segundo parágrafo como exemplo de país onde as tecnologias de
reconhecimento de face passarão a ser cada vez mais usadas, em
especial com a Copa de 2014. De acordo com o texto, nesta ocasião
policiais usarão óculos com mini-câmeras embutidas para tirar
fotos de rostos e comparar com bases de dados de criminosos. Outras
matérias internacionais também têm
citado o crescimento das possibilidades de vigilância e
monitoramento no Brasil a partir dos mega eventos esportivos. Já, em
outros países, o mesmo sistema já é usado para identificar
participantes em protestos contra o governo, por exemplo. Nesse
cenário, as propostas de Harvey adquirem uma concretude que afasta o
que seriam possibilidades apenas ficcionais, tais como as tentativas
de driblar
o reconhecimento das máquinas tematizadas em filmes como Minority
report (2002), ambientado em Nova York no ano de 2054, e inspirado no
conto de Philip K. Dick. Fugir ao reconhecimento das máquinas não é
mais apenas ficção e está nem tão distante de nós.
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