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Reportagem
Mensagem subliminar: paranóia ou ciência?
Por Daniela Klebis
10/03/2006

O estudo das mensagens subliminares, aqueles estímulos imperceptíveis captados pelo subconsciente, é ainda um campo a ser melhor explorado pela ciência. Embora seja freqüentemente tema central de teorias conspiratórias sobre manipulação das mentes, as pesquisas científicas realizadas até hoje não foram suficientes para comprovar se elas podem ou não controlar inadvertidamente nossas emoções e atitudes. As opiniões sobre seus efeitos são as mais controversas e muitas das teorias criadas se apóiam, forçadamente, em conceitos da psicologia e da semiótica.

“Tudo o que foi pesquisado até hoje está aquém da linguagem científica. É um campo ainda virgem, mesmo para quem escreve sobre ele”, ressalta a semioticista Lúcia Skromov, que critica a apropriação indevida da semiótica para corroborar as teorias da mensagem subliminar. “A semiótica é a ciência da interpretação. Estabelece como a linguagem se produz através dos signos. Se existe uma mensagem subliminar, é porque existe uma linguagem, que precisa ser descoberta. A semiótica ainda não se dedicou a descobrir a linguagem subliminar”.

É muito comum encontrarmos conceitos semióticos equivocadamente empregados nas análises de mensagens subliminares, em especial nos estudos sobre as propagandas. Nessas análises, fala-se muito da utilização das cores para influenciar certas atitudes, de sons que lembram as batidas do coração, de imagens que remetem a símbolos eróticos, sugerindo a utilização do valor simbólico dos objetos na publicidade para manipular subliminarmente. Isso teria origem em uma teoria desenvolvida em 1919 pelo psiquiatra Otto Poetzle, segundo a qual o sinal subliminar reforça um desejo já existente, como as sugestões pós-hipnóticas – se a pessoa não conhece, nunca viu ou nunca experimentou determinada coisa o estímulo não teria força para aflorar ao consciente.

A característica básica do signo é a de poder representar coisas ou objetos. Segundo a teoria semiótica, para captar a linguagem produzida pela mensagem é preciso conhecer um repertório de signos. Mas, na mensagem subliminar, nem sempre é possível entender esses signos. “Paulo Freire dizia que para alfabetizar uma pessoa é necessário entrar no universo dela. Você não presta atenção em uma coisa que não te diz nada”, comenta Skromov.

A percepção humana é definida como o processo em organizar e interpretar dados sensoriais recebidos para que o organismo possa interagir com o meio que o cerca. Nesse sentido, qualquer estímulo é capaz de produzir mudanças, ações, comportamentos. “Se pensarmos nessa linha, podemos dizer que a mensagem subliminar, apesar de não acontecer nos limites da consciência, produz efeitos na atividade psíquica ou mental”, afirma a psicóloga Paula Teixeira Fernandes.

Francisco Fialho, psicólogo cognitivista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), conta que aquilo que percebemos, consciente ou inconscientemente, tem mais a ver com nossas necessidades, expectativas, valores, motivações, objetivos, interpretações do que com o ambiente em si, ou seja, o subliminar será eficiente ou não dependendo da importância da mensagem para o inconsciente do receptor. E, nessa definição, ele inclui mensagens mascaradas ou camufladas pelo emissor, mensagens produzidas com saturação de informações, comunicações indiretas e aceitas de maneira inadvertida ou mesmo mensagens captadas a partir de uma atividade de grande excitação emotiva por parte do receptor. “De certa forma, tudo acontece de forma subliminar”.

O experimento que apontou pela primeira vez que esse tipo de comunicação pode exercer algum poder manipulador sobre as pessoas foi realizado há quase cinqüenta anos e, curiosamente, ainda não se conhece outra experiência com resultado semelhante: em 1959, o publicitário norte-americano Jim Vicary utilizou um taquicoscópio (um tipo de projetor de slides que funciona em velocidade acelerada) durante uma seção de cinema para projetar um slide com a frase “Drink Coke” (beba Coca) por frações de segundos sobre a tela de um filme, o que estimulou a venda da bebida entre as pessoas daquela sala.

Fialho coordenou algumas pesquisas sobre a recepção das mensagens subliminares, reproduzindo a experiência de Vicary. “Os poucos (e pobres) experimentos que realizamos consistiram em repetir exemplos citados na literatura como induzir o desejo de beber coca-cola ou de aumentar a susceptibilidade a uma determinada palavra e fracassaram”. Ele ressalva, porém, que esses estudos não seguiram rigorosamente métodos científicos, por isso os resultados negativos também não podem ser considerados conclusivos.

Uma outra experiência com método semelhante foi realizada em 1990 pelo comunicador e autor do livro Propaganda subliminar multimídia, Flávio Calazans. Nesse estudo, foram inseridas mensagens subliminares em rede Videotexto (antecessora da internet) para aumentar a interatividade e conseguiu um aumento de 550% nos acessos. Segundo ele, essa experiência indica que os efeitos de estimulação subliminar não são insignificantes e que a mensagem subliminar afeta, sim, as pessoas sem que elas percebam conscientemente. O pesquisador, no entanto, não realizou estudos que aprofundem o entendimento sobre a recepção dessas mensagens – o que dificulta compreender a influência sobre as escolhas e atitudes das pessoas. De acordo com ele, as mensagens subliminares não atuam sozinhas, sua eficiência depende de inúmeras variáveis – a mídia em que foram veiculadas, o tipo de produto, influências do tempo, do momento histórico, culturais –, “difíceis de serem isoladas ao máximo para pesquisar o tema”.

Calazans defende que quanto maior for a quantidade de informação e menor o tempo de exposição, maior é a probabilidade de captarmos as mensagens subliminarmente. O que nos leva a pensar que, se vivemos num mundo saturado de informações, a probabilidade de sermos afetados inconscientemente pelas mensagens é muito grande. “Essas mensagens nos são enviadas dissimuladamente e vão influenciar nossas escolhas, atitudes, motivar tomadas de decisões posteriores”, aponta. Os exemplos com que o pesquisador ilustra sua teoria vão pouco além da clássica experiência de Vicary. Suas análises concentram-se no estudo de casos como os ícones escondidos em propagandas comerciais, os flashes que provocaram convulsões em crianças que assistiam ao desenho japonês Pokémon, os fotogramas de uma mulher com seios nus inseridos no desenho “Bernardo e Bianca” e a inserção do frame com a palavra “Rats” (ratos, em inglês) por 1/30 de segundo na propaganda de então candidato George W. Bush, ao criticar o programa proposto pelo seu oponente, Al Gore.

Pseudo-subliminar

Para o lingüista Milton José de Almeida as imagens em cinema ou em outro meio afetam as pessoas de inúmeras maneiras, sejam mostradas durante um longo período ou em uma fração de segundo, mas isso nada tem a ver com a idéia de uma comunicação subliminar. “O fato das pessoas não se darem conta, ou não pensarem nisso, não quer dizer que estejam em outro lugar, ou em algum lugar 'subliminar', ou inconscientes”. Coordenador do Laboratório de Estudos Audiovisuais (Olho) da Faculdade de Educação da Unicamp, Almeida argumenta que a manipulação subliminar não passa de uma paranóia alimentada nos anos de terror latente da guerra fria. “As tais mensagens subliminares foram uma espécie de curiosidade de muitos anos atrás, no clima da guerra fria, americanos contra russos, capitalismo versus comunismo, por isso você percebe algo conspiratório. Algo como essas curiosidades científicas, misturadas com parapsicologia. Algo parecido com disco voador”, comenta.

No início de março, a rede de lanchonetes Kentucky Fried Chicken, a KFC, lançou um comercial com mensagem subliminar nos Estados Unidos anunciando que o cliente que descobrir o código escondido terá direito a um lanche de graça em qualquer loja da rede. O vídeo, o primeiro veiculado pela televisão norte-americana que assumidamente exibe esse tipo de mensagem, já gerou polêmicas e a rede ABC, que pertence à Walt Disney, barrou a exibição da propaganda. A rede alega que as regras da Comissão Federal de Comunicações (FCC), órgão que regulamenta o setor nos EUA proíbem a transmissão de qualquer informação que não seja decifrável imediatamente pelo espectador. Em resposta, a KFC argumenta que a propaganda "não tem mensagens capazes de transformar as pessoas em zumbis comedores de sanduíche". A polêmica não vai acabar por aí. Ainda não sabemos como as mensagens subliminares atingem as pessoas, ou se sequer atingem mesmo. Os estudos sobre sua influência nas profundezas do nosso inconsciente ainda não saíram da superfície.

 

Para saber mais:

The subliminal persuasion controversy: Reality, Enduring Fable, and Polonius’s Weasel. Laura A. Brannon e Timothy C. Brook .

Televisão subliminar – Socializando através de Comunicações Despercebidas. Joan Ferrés. Ed. ArtMed