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Entrevistado por Carolina Cantarino. Foto: Eduardo César/Pesquisa Fapesp
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Artigo
O espetáculo midiatizado
Por Vera Regina Toledo Camargo
10/08/2006
A parceria entre o futebol e os meios de comunicação no Brasil é muito antiga. As primeiras notícias foram divulgadas no Jornal do Comércio de São Paulo, na edição de 17 de outubro de 1901, e tinham um caráter bastante elitista, assim como o próprio futebol praticado na época. Eram poucos os que tinham acesso às informações. O custo dos jornais era elevado e a população tinha dificuldades para compreender a mensagem que traziam, por falta de instrução ou porque os termos esportivos na época faziam referência às línguas estrangeiras, mais especificamente à língua inglesa, como corner ou penalty, tão usuais. O futebol era praticado somente pela elite da sociedade que tinha acesso à prática esportiva nos clubes ou escolas. Embora hoje o futebol seja o esporte mais explorado pela mídia, em 1894, quando foi trazido para o Brasil por Charles Miller, não foi muito valorizado pela imprensa brasileira.

A primeira partida foi transmitida oficialmente pelo rádio em novembro de 1927. Mas o fenômeno da massificação no futebol aconteceu, efetivamente, com a colaboração da mídia radiofônica, por volta dos anos 40 e 50. Esse artefato de comunicação possibilitou a criação de um universo muito interessante em relação ao futebol. Muitas gírias e jargões do jornalismo esportivo ascenderam a partir dessa época, porque o radialista esportivo tinha a função básica de criar a imagem da disputa para aqueles que estavam distantes dos jogos. Também no campo estava presente, uma vez que os torcedores levavam o radinho de pilha aos estádios para acompanhar as narrações.

Outra transformação importante desencadeada pelo futebol midiático, que repercutiu na sociedade e que merece destaque, data dos anos 50 e 60, com o surgimento da mídia audiovisual, que trouxe as imagens dos jogos, mas as narrações continuavam iguais às do meio radiofônico. A primeira reportagem filmada para a televisão ocorreu em 15 de outubro de 1950, no jogo entre Palmeiras e São Paulo, diretamente do estádio do Pacaembu em São Paulo.

Nesse cenário surge outro elemento importante, que desde seu surgimento deixou tentáculos, que são os aspectos mercadológicos, na figura do patrocinador e do marketing esportivo, alterando dessa maneira o comportamento e a cultura da sociedade futebolística.

Não podemos esquecer que os anos 90 também contribuíram para a divulgação das informações esportivas, através da internet. Todo esse panorama histórico tem o objetivo de resgatar a trajetória do “esporte-rei” veiculado pela mídia.

As relações do futebol com a sociedade passam por transformações importantes promovidas pelos meios de comunicação. O esporte foi assimilado pelas massas, e é apreciado como espetáculo por meio das imagens veiculadas pela televisão, num fenômeno produzido com as mais altas tecnologias, incorporando beleza ao gesto técnico, buscando a imagem mais que espetacular. Tornou-se também um grande negócio, em termos econômicos e ideológicos. Dessa forma, ao estabelecer relações mercadológicas e promover a espetacularização das imagens, ganha características de um show de entretenimento.

Outro aspecto que merece destaque é proporcionado pelas ações da indústria cultural que, ao veicular o futebol, acentua o fenômeno da identificação entre os que praticam e os que observam. Os torcedores gritam de alegria, suspiram e silenciam com uma certa unanimidade, parecem ser conduzidos por um maestro de orquestra. Grande parte dessas características deve-se à televisão, porque esta, ao veicular essas imagens, as espetaculariza. É um ingrediente fundamental ao esporte, pois mostra e incentiva toda a emoção na partida, do vitorioso ao vencido. Nesse contexto, também é enfatizada a atuação das torcidas, nas arquibancadas. As expressões, gritos e até o silêncio traduzem a emoção do espetáculo. Os fenômenos midialógicos relacionados com o futebol nos mostram o poder dessa indústria cultural que consegue até mesmo manipular as regras dos jogos, para veicular seus valores, crenças e ideologias, buscando a audiência e os lucros, como elementos de sustentação.

Dentre tantas alterações importantes ocorridas na nossa sociedade durante o século XX, podemos compreender o futebol também como mercadoria de consumo. Até os anos 70, os recursos envolvidos com os clubes de futebol brasileiros eram formados por três fontes principais:

  • A arrecadação das bilheterias dos jogos;
  • A receita vinda do quadro social;
  • A venda do passe de jogadores.

Esse cenário ampliou-se muito nestes últimos anos. Os empresários descobriram que o marketing poderia ajudar o futebol, que estava em declínio, assim como os negócios nos clubes e nas transmissões esportivas. Com o desenvolvimento tecnológico dos equipamentos midiáticos e o aumento dos investimentos nas transmissões dos eventos esportivos, houve uma melhora substancial na qualidade das imagens geradas e na receita dos clubes. As novas tecnologias e a colocação de câmeras de vídeo em pontos estratégicos, assim como a utilização de recursos gráficos e digitais, garantem o melhor ângulo de cada lance dos jogos, possibilitando uma edição mais competente, permitindo também diminuir as dúvidas dos lances incertos. Além disso, existe uma competição acirrada fora dos gramados entre as emissoras de televisão, pela conquista da audiência, dos anunciantes, e dos patrocinadores. O telespectador também é envolvido, pois sofre diretamente a influência dessas ações e reproduz as falas dos narradores e comentaristas.

Mas, afinal, o futebol midiatizado é informação ou espetáculo?

A espetacularização da informação já foi detectada por inúmeros autores da área comunicacional, entre eles Adorno, Barthes e Baudrillard. Acrescento a esta informação os estudos de Tubino, Bracht, Carvalho, Betti e Camargo. A espetacularização das informações é encontrada em algumas situações importantes como, por exemplo, nos programas populares que atingem grandes índices de audiência com temáticas que enfatizam anormalidades físicas ou conflitos existentes entre os casais e famílias. Essas situações de sensacionalismo e emoção, através da imagem, também ocorrem nos esportes. Mais recentemente, notamos que cenas esportivas aparecem como espetaculares em imagens sensacionalistas. Não podemos deixar de citar as cenas de violência e morte nos estádios de futebol, dentro e fora dos gramados, enquadradas em detalhes pelas câmeras de televisão. Imagens que entram nas casas das pessoas sem pedir licença, e que trazem retorno financeiro e de aumento de audiência. Em contrapartida, o jornalismo mais sóbrio e investigativo acaba perdendo espaço.

Nesse novo cenário midiático verificamos algumas tendências: nas mídias impressas, em relação aos padrões de jornalismo da mídia televisiva, a atitude sensacionalista foi desencadeada pela concorrência com a televisão, visando sobreviver. A mídia impressa está buscando ser mais interpretativa e menos descritiva, trabalhando com textos que refletem as ações dos fatos. Algumas matérias veiculadas no rádio fogem, muitas vezes, dos padrões básicos de comunicação. Encontramos, nesse meio, a necessidade de produzir informações que remetam à publicidade e à promoção da audiência e, desse modo, os aspectos jornalísticos mais relevantes são menosprezados. No universo interativo da web encontramos um cenário perfeito para novas possibilidades de comunicação, pois permite desde a leitura e compreensão superficial de um determinado assunto, a buscas mais profundas e elaboradas. Dessa forma, somente com o conjunto de mídias o futebol poderá ser bem retratado em sua essência.

Concluindo, sugerimos aos profissionais que atuam na área da comunicação esportiva a necessidade de conhecerem a filosofia, a cultura e o significado antropológico do futebol para a sociedade. Falta, e muito, oferecer, através da informação educacional sobre o esporte, perspectivas de uma vida mais saudável. Seria importante também proporcionar uma informação mais cultural sobre o futebol e suas relações com a sociedade.

Ao realizar um estudo comparativo sobre as narrações e descrições das competições, nas diferentes épocas, compreendemos que antigamente essas eram mais brilhantes, criativas e poéticas. Hoje, os comunicadores buscam transmitir as informações, criando uma terminologia própria, gírias e jargões, querendo diferenciar-se do outro colega. Seria importante uma maior separação entre jornalismo e publicidade nos veículos de comunicação proporcionando mais independência e a possibilidade de permitir que o público tenha seu próprio juízo a respeito dos limites do espetáculo e da informação.


Vera Regina Toledo Camargo é doutora em comunicação e pesquisadora do Labjor/Unicamp.