REVISTA ELETRÔNICA DE JORNALISMO CIENTÍFICO
Resenhas
O perfume - história de um assassino
Clássico de Patrick Süskind conta a história de perfumista que busca o aroma perfeito na pureza de jovens que assassina.
Wanda Jorge
10/09/2007

A composição dos cheiros que forma a identidade da Paris do século XVIII é a viagem extraordinária em que o escritor alemão Patrick Süskind nos transporta em seu livro O perfume - história de um assassino. O título do livro sugere se tratar de uma história de mistério, quase policial, de um assassino serial que usa o perfume para atrair suas vítimas. Nada mais enganoso. O personagem central, Jean-Louis Grenouille, é um ser altamente sensível aos cheiros putrefatos que emanavam da capital francesa. A primeira sensação de odor que conhece é a iminência da morte: foi expulso do ventre materno em meio a tripas de peixe e sobreviveu à execução da mãe, como infanticida.

O livro conta a estranha história desse personagem que, ao sentir, identificar e fragmentar todos os odores ao seu redor, se apercebe de não ter cheiro nenhum. Ele busca incessantemente construir um cheiro para si, uma identidade pelo olfato e para seu olfato, que seja a síntese da vida. Que só encontra na morte, na retirada do odor da pureza das jovens virgens idílicas que encontra.

Grenouille passa desapercebido por onde circula, e sua trajetória inclui as cidades francesas de Auvergne, Montpellier, Grasse, e novamente Paris. Mas causa estranhamento e repulsa aos que se aproximam de si, desde a convivência inicial da ama de leite e até sucessivos patrões que terá no desenvolvimento de seu ofício de perfumista. Ao descobrir o mundo alquímico dos aromas, Grenouille toma consciência que seu olfato, excepcionalmente apurado para todos os cheiros daquele mundo, pode ser transformador e traz um poder imanente. O narrador, uma voz exterior à época, atribui à consciência gradual de seu poder, algumas constatações do personagem em sua vivência como pária social: “o poder da convicção do aroma!! O aroma é o irmão da respiração!” De forma descritiva e fascinante, o escritor acompanha o desenvolvimento pessoal do personagem, após longo período vivendo no alto de uma montanha, incrustado numa caverna onde se viu livre de todos os odores do convívio humano. Para Grenouille, os cheiros humanos eram o da dor, da infelicidade, do nojo e do ódio.

O trabalho de reconstituição histórica de Süskind consegue captar plenamente os ambientes da época, tal como as mentalidades. Ao contar os caminhos trilhados pelo personagem para se especializar no ofício de perfumista, uma extensa e detalhada descrição dos processos químicos de produção dos cheiros, da transformação das fontes da natureza, de flores, óleos, madeira, assim como a alquimia dos excrementos e dos fluidos ocupa a maior parte da narrativa. É um trabalho de historiador, com a capacidade de exalar os lodos e os excrementos dos becos, que permite envolver o leitor nas fumaças das efusões, dos alambiques, e sentir a temperatura dos líquidos misturados. Essa arte é transformadora para o personagem: permite-lhe emergir do meio de odores nauseabundos dos mercados de rua, para a busca do perfume supremo. É com ele que deve se impregnar de algum cheiro, do aroma que lhe permitirá transitar no mundo dos humanos, com o poder que sua obra lhe conferirá. É na busca do Belo que se transforma no assassino do título, do ladrão do cheiro da beleza virgem, emuladora dos sentidos animais nos humanos com quem convive. O cheiro do humano o enoja, “o mundo que se parecia com o mundo de sua alma era o de odores da noite desnuda”.

Mas esse olfato apurado é sua única fonte de alegria. Como um animal, direciona seu nariz para a percepção dos odores mais imperceptíveis. A capacidade de identificá-los à distância, e armazená-los em sua memória, é uma arma de sobrevivência, é a sua forma de percepção do mundo. O sucesso que obtém ao manipular os odores descortina, ao mesmo tempo, a alma humana. Como alguém sem cheiro próprio, com a identidade invisibilizada num mundo de fortes odores, transita pela ambição, pela luxúria, pela miséria humana, sem se perturbar pelos sentidos do mundo.

Ao contrapor um personagem ignorado por seus semelhantes, que causa de horror a indiferença, o autor consegue retratar as paixões básicas que movem a humanidade: o erotismo, o poder, a necessidade de afirmação e a procura de si próprio. Ele encarna a pureza das intenções destituídas de qualquer tipo de moralidade. O confronto da vida mesquinhas de grande parte das pessoas que convivem com o personagem central, é um contraste inquietante com a perspectiva de monstro, retratada no título.

Em uma vida curta (1738-1767), com vários acidentes e doenças, com dores físicas insuportáveis ao humano, mas que, a ele, parecem tocar apenas na superfície, trabalha como aprendiz de curtidor de peles e depois como aprendiz de perfumista. Seu excepcional talento por manipular os cheiros do mundo o transforma num gênio da produção de perfumes, sucesso sempre capturado por seus patrões.

O encontro com uma jovem de quem aspira um aroma nunca antes percebido se transforma numa busca da síntese da perfeição, do cheiro que queria exalar de seu próprio corpo. O protagonista acaba por se transformar no assassino de 26 virgens belas, de cujos corpos Grenouille irá capturar o perfume vital.

Para o cinema

Com esta obra, o autor, desconhecido até 1985, ano da primeira publicação do livro, emergiu para a fama: o livro vendeu milhões de exemplares, desempenho que até hoje, 22 anos após seu lançamento só faz aumentar. É o primeiro romance publicado por Süskind, nascido na Baviera, que até então escrevera uma única peça de teatro. A obra foi traduzida em 42 línguas e, em 2006, foi transposto para o cinema pelo diretor Tom Tykwer (o mesmo de Corra, Lola, corra!). O filme teve no elenco celebridades como Dustin Hoffman e Alan Rickman. O protagonista foi interpretado pelo jovem Ben Whishaw.


O perfume - história de um assassino
Patrick Süskind
Editora: RCB
256
páginas
1990