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Reportagem
Gestores e instituições de CT&I reivindicam legislação específica para a área
Por Vanessa Fagundes
10/06/2011
Instrumentos variados, às vezes conflitantes e pouco específicos. De acordo com os gestores da área de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), encontrar o caminho correto por entre o emaranhado de leis, normas e decretos que regulam as atividades da área se tornou uma tarefa difícil e arriscada. Isso porque os instrumentos utilizados para o controle e fiscalização não levam em conta as peculiaridades do trabalho científico, e o resultado são prestações de contas glosadas, multas e autuações.

“Hoje, a questão legal é o maior problema para quem trabalha com CT&I no nível federal e também dos estados”, resume o presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), Mario Neto Borges. A fim de debater o tema, o Confap e o Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de CT&I (Consecti) se reuniram em Belo Horizonte (MG) nos dias 30 e 31 de maio. O objetivo do encontro foi apontar os principais problemas do arcabouço legal vigente e dar início à preparação de uma proposta de revisão que será enviada ao Congresso Nacional.

“Se o Brasil não enfrentar essa questão agora, não vai conseguir acompanhar o ritmo de outros países emergentes, como China e Índia”, aponta o secretário de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia do Estado do Pará, Alex Fiúza de Mello. “As leis que regem a área são ortodoxas e inflexíveis. Quando trabalhamos com ciência, lidamos com o imprevisível. Ao longo da pesquisa, é possível descobrir que um material é mais apropriado do que o inicialmente previsto, ou inventa-se um equipamento melhor que o anterior. Nosso arcabouço jurídico não aceita isso, é inflexível e inadequado para a gestão da CT&I”.

A Lei nº 8.666, de 21/6/1993, conhecida como a Lei de Licitações, é o principal alvo das críticas. Ela institui normas para licitações e contratos da administração pública direta e indireta. Como a maioria das instituições do sistema nacional de CT&I são pessoas jurídicas pertencentes a essa esfera, devem realizar contratações de serviços e compras com base em suas regras. E aí começam os problemas.

A compra por meio de licitação tem como objetivo estimular a concorrência entre vários fornecedores. Mas é comum na atividade científica que equipamentos ou materiais imprescindíveis para um trabalho contem com um único fornecedor. Nesse caso, é feita uma dispensa de licitação, ato visto com desconfiança pelos órgãos reguladores. A lei também não admite contrações avulsas para atividades de notório conhecimento nem compras de caráter urgente para situações de grande excepcionalidade.

Outro problema diz respeito aos contratos que, de acordo com a regra geral, devem ter prazo e valor fixos. No entanto, como argumentam os gestores, ciência é uma atividade dinâmica, cujos resultados não podem ser completamente previstos. “A Lei 8.666 trata ciência e tecnologia como se fossem obra pública, uma ponte, hospital ou rodovia”, critica o presidente do Confap. Para ele, não faz sentido utilizar a mesma lei que regula a construção de estradas para fiscalizar os gastos com ciência.

Biodiversidade

As atuais disposições sobre o acesso à biodiversidade para pesquisas científicas e tecnológicas também são motivo de reclamação. Para os cientistas que atuam na área, a legislação atual é bastante restritiva e impõe uma série de exigências para a coleta do material biológico que prejudicam o trabalho. Para a presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Maranhão (Fapema), Rosane Nassar Meireles Guerra, a legislação exagera nesse ponto. “Claro, entendemos que o objetivo é proteger da biopirataria, mas também é preciso ter sensibilidade. Por exemplo, muitos de nós trabalhamos com produtos naturais obtidos de horto, não são coletados em reservas ou áreas de preservação. Ainda assim, precisamos cumprir os mesmos requisitos para realizar nossas pesquisas”.

Um grande entrave, em sua opinião, surge quando tratamos da transferência de tecnologia para empresas. Ela explica que, no Brasil, ao contrário do que acontece nos EUA ou no Japão, não é possível proteger extratos ou atividades biológicas de extratos que ainda não foram descritos por outros pesquisadores. E isso dificulta o investimento de empresas para produção de determinados produtos em escala industrial. “Eu tenho cinco patentes de produtos naturais, mas eles não podem conter nada da biodiversidade porque senão o empresário não consegue proteger e produzir”.

No que se refere à relação academia-indústria, a crítica é que a legislação atual dificulta a inovação e inibe parcerias. Mesmo a Lei de Inovação, criada com esse objetivo, encontrou barreiras para a efetiva utilização em questões como a dedicação exclusiva e possibilidades de financiamento. Os membros dos dois conselhos também chamam atenção para a necessidade de treinamento dos agentes dos órgãos de controle, para que eles entendam como funciona a área de CT&I e apliquem as leis de acordo com essa realidade. Angela Brusamarello, representante do Tribunal de Contas da União (TCU), acompanhou o debate em Belo Horizonte. Segundo ela, o órgão está atento a essas demandas e já é possível identificar uma mudança de postura, com avaliações que se concentram mais no desempenho e nos resultados alcançados.

Proposta

Um grupo de trabalho formado por procuradores e assessores jurídicos de todos os estados participou das discussões e, com base nas demandas apresentadas durante os dois dias de reunião, elaborou uma proposta para um novo arcabouço legal. Além dos temas já mencionados, o documento também sugere maior facilidade para as importações de insumos, criação de um manual de prestação de contas unificado e maior flexibilidade para a cessão, transferência e doação de bens. Após o tratamento jurídico adequado, essa minuta será entregue aos coordenadores das comissões de ciência e tecnologia da Câmara e do Senado.

Presente no evento, o deputado federal Sibá Machado, integrante da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), se disse solidário ao pleito. Ele compartilha a crença de que os arcabouços legais estão defasados para atender às especificidades do mercado de novas tecnologias. Na agenda proposta, o documento elaborado pelo grupo de procuradores deverá ser apresentado no início de agosto para análise nas comissões de C&T das duas casas. Segundo o deputado federal, se houver consenso, seria possível propor uma medida provisória.

A expectativa é que, com uma legislação nova e específica, esse nó seja desatado. Como conclui Mario Neto Borges, “aprendemos que não adianta só reclamar da legislação, é preciso apontar soluções. E que não devemos tratar do assunto só no âmbito do executivo, precisamos envolver esses dois outros elementos na discussão, que é o legislativo e os órgãos de controle. Dessa forma, o tema ganha a importância que merece”.


4ª CNCTI

O aperfeiçoamento da legislação brasileira para a área de Ciência, Tecnologia e Inovação é uma demanda de várias entidades ligadas à área. Além do Consecti e do Confap, outras entidades se debruçam sobre o tema, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Universidade Estadual de São Paulo (USP). As duas primeiras elaboraram um documento que serviu como base para as discussões do tema durante a 4º Conferência Nacional de CT&I, realizada em maio do ano passado, em Brasília (DF). Na ocasião, as sugestões apresentadas durante palestras e mesas-redondas se transformaram em recomendações que apontam, sobretudo, para a necessidade de fortalecer a interlocução e a interação com os órgãos de controle. As contribuições estão disponíveis no Livro Azul, publicação que traz consolidadas as propostas e os desafios para a política nacional de CT&I. Ele está disponível para download em: http://www.cgee.org.br/publicacoes/livroazul.php