REVISTA ELETRÔNICA DE JORNALISMO CIENTÍFICO
Resenhas
Entre casos e acasos
Físico explica de maneira bastante descontraída como usar a matemática para detectar os efeitos da aleatoriedade em nossas vidas
Por Daniela Ingui
10/11/2012

Lidamos com números todos os dias. Ao abrir os jornais, l� estão eles nos informando a temperatura do dia, o percentual de chance do candidato do partido de esquerda ganhar a eleição ou o quanto a renda de cada brasileiro aumentou de um ano para o outro. Em nosso trabalho, podemos estimar o prazo para a conclusão de um projeto, avaliar o desempenho de determinado funcionário ou simplesmente contar quantos dias faltam para cair o próximo salário. Todas essas situações nos mostram como a matemática est� presente em nosso dia a dia. Mas ser� que estamos usando-a da melhor forma? De acordo com o físico norte-americano Leonard Mlodinow, que leciona sobre teorias da aleatoriedade no Instituto de Tecnologia da Califórnia, não. Em seu livro O andar do bêbado: como o acaso determina nossas vidas, traduzido para o português por Diego Alfaro e publicado pela editora Zahar, ele nos mostra como podemos evitar conclusões equivocadas ao lidarmos com eventos aleatórios.

A princípio, um livro que trata de probabilidade e estatística pode parecer restrito a matemáticos e profissionais afins, mas este não � o caso. A leitura � bastante fluída, mesmo àqueles pouco versados no assunto, o que se deve ao modo bastante divertido com que Mlodinow traça relações entre a teoria matemática e situações corriqueiras. Contudo, o leitor não pode ser passivo; ele � convidado constantemente a aplicar as leis probabilísticas em sua vida. Assim, ter um bloco de anotações em mãos pode ser bastante útil para participar da solução dos problemas levantados pelo autor a cada capítulo. Àqueles que temem a matemática, uma boa notícia: as respostas envolverão muito mais lógica do que cálculos propriamente ditos. E conforme se avança na narrativa, mais clara fica a relação com o andar do bêbado, metáfora utilizada para fazer alusão ao movimento aleatório de uma pessoa alcoolizada.

O primeiro capítulo � “Olhando pela lente da aleatoriedade� � explica que o nosso cérebro est� condicionado a buscar padrões para qualquer acontecimento cotidiano. � por isso que, quando nosso time começa a perder, logo atribuímos a culpa das derrotas sucessivas ao novo técnico contratado e passamos, então, a torcer por sua demissão. S� que, ao contrário do senso comum, uma análise matemática de todos os grandes esportes apontou que essas demissões não costumam provocar melhora significativa no desempenho da equipe. Como explicar o fracasso nesses casos? De acordo com Mlodinow, trata-se apenas de uma variação aleatória dentro do espectro de desempenhos possíveis daquele time em particular. A fase ruim seria, portanto, s� uma fase de azar (o que, muitas vezes, j� � suficiente para selar o destino do técnico azarão). Para evitar decisões precipitadas como essa, s� conhecendo um pouco sobre estatística, ramo da matemática que nos permite inferir probabilidades com base nos dados observados.

Do mesmo modo que o desempenho de uma equipe de futebol, Mlodinow afirma que a maioria das características biológicas e/ou dos índices socioeconômicos apresentam uma distribuição normal, ou seja, um espectro de variação em que grande parte dos dados se situa próximo � média e apenas alguns deles se situam em um dos dois extremos. Assim, podemos dizer que embora o Neymar tenha média de um gol por partida, � possível que em alguns jogos ele não faça nenhum gol, enquanto em outros ele faça dois ou at� três gols. A sua performance ser�, excluindo fatores como lesões, estado emocional, entrosamento com a equipe etc., resultado da variação aleatória dentro do que permitem suas habilidades. Logo, se ele jogar muito pior do que a sua média em uma dada partida, � esperado que, na próxima, seu desempenho “aparentemente melhore�. Isso � o que o autor chama de regressão � média, fenômeno que reflete a atuação do acaso e não, por exemplo, os possíveis efeitos das broncas dadas pelo seu treinador. O mesmo vale quando gritamos com alguém que est� aprendendo a dirigir ou brigamos com nosso filho quando tira uma nota baixa na escola. A verdadeira melhora de habilidade s� pode ser verificada a longo prazo, quando esse espectro de desempenhos sofre um ligeiro deslocamento.

Voc� pode estar pensando que nada, então, pode ser previsto se todas as nossas ações sofrem influência do acaso. Entretanto, como sugere o oitavo capítulo, h� “ordem no caos�. Apesar do destino de cada pessoa ser, de um modo geral imprevisível, � possível enxergar um padrão a partir de um grupo de pessoas atuando aleatoriamente. Esse padrão, ao contrário do que costumamos fazer, não � normalmente detectado quando analisamos um conjunto pequeno de dados. � por isso que um medicamento s� � liberado quanto o teste de sua eficácia envolve, digamos, mil pessoas e não dez. Mesmo que a taxa de melhora dos pacientes testados seja de 30% em ambas as situações, qualquer um sabe que o seu significado não � equivalente. A ideia sobre como o espaço amostral pode influenciar uma análise estatística � apresentada no terceiro capítulo � “Encontrando o caminho em meio a um espaço de possibilidades� � para ser aprofundada no quinto � “As conflitantes leis dos grandes e dos pequenos números�.

� claro que o modo mais confiável de determinar se um medicamento funciona ou não seria test�-lo em todas as pessoas portadoras da doença que ele se propõe a tratar. Como isso � impossível de se fazer na prática, precisamos escolher um grupo de pessoas e “torcer� para que os resultados observados nelas reflitam as probabilidades disso acontecer em qualquer indivíduo na população. Difícil talvez seja determinar o tamanho mínimo da amostra para que os resultados se aproximem ao máximo da realidade, embora se acredite que uma amostra em torno de mil indivíduos costume produzir erros inferiores a 5%. Mais difícil ainda � delinear como deve ser feita essa amostragem, uma vez que a população não � homogênea (e talvez por isso tenha sido bastante oportuno a Mlodinow sequer tocar nesse assunto).

Uma forma bastante interessante de avaliarmos como o padrão detectado em uma análise estatística bate com o “verdadeiro� � o caso de uma eleição, quando a intenção de votos � medida com base em entrevistas realizadas com um grupo de mil a duas mil pessoas. Na eleição para prefeito de São Paulo, por exemplo, o Datafolha publicou no dia 27/10 que Fernando Haddad (PT) detinha 58% das intenções de votos válidos contra 42% do candidato Jos� Serra (PSDB). A pesquisa tinha margem de erro de 2%, o que significa que cada um desses valores podia variar 2% para baixo ou para cima . No dia 28/10, pudemos verificar o resultado de fato: 55,57% para Haddad e 44,43% para Serra, resultado praticamente dentro da margem de erro do Datafolha, o que prova que a estatística pode mesmo nos ajudar a detectar esses padrões coletivos.

Outro ponto bastante interessante que o livro mostra � que nem sempre a probabilidade de um evento � independente de outro. Assim, quase todo mundo concorda que a chance de uma pessoa bater o carro quando est� alcoolizada � muito maior do que quando est� sóbria. A probabilidade condicional � um dos assuntos do sexto capítulo � “Falsos positivos e verdadeiras falácias�. A partir dele, podemos perceber que as estimativas iniciais podem ser ajustadas com o acréscimo de informações, o que aumenta a previsibilidade de nossos modelos. Isso � o que fazem, por exemplo, as companhias de seguro quando dão descontos aos “bons motoristas�: elas estão apenas utilizando os dados recém adquiridos a respeito daquele motorista, segundo os quais sua chance de acionar o seguro não � tão alta quanto o estimado no início.

O mesmo capítulo trata, como o próprio nome diz, dos falsos positivos, isto �, dos erros inerentes de um exame diagnóstico, como o do HIV (vírus da Aids). O próprio autor, certa vez, ouviu de seu médico de que ele tinha 99,9% de chance de estar com Aids, uma vez que a probabilidade de seu exame de HIV ter gerado um falso resultado positivo era de apenas uma em mil. Contudo, reanalisando algumas estatísticas, Mlodinow chegou � conclusão de que apenas um de cada 11 pacientes que tiveram exames positivos era, de fato, um portador do HIV dentre o grupo de americanos brancos, heterossexuais e não usuários de drogas, o que reduzia suas chances drasticamente. De fato, ele não tinha Aids, mas o episódio serve para nos mostrar que � sempre bom ficar atento às taxas de erros dos exames médicos, bem como ao grupo de risco a que pertencemos, ao analisar uma probabilidade condicional.

A margem de erro de pesquisas eleitorais, exames médicos ou do desempenho de atletas nos faz pensar o quanto a ciência, e por consequência a matemática, � imprecisa, embora tenhamos a impressão de que os números conferem maior exatidão do que as palavras. A própria medição depende de um sujeito, que carrega consigo toda a sua subjetividade. Medir, como mostra o sétimo capítulo � “A medição e a lei dos erros� �, implica em variação, que ser� tanto maior quanto mais subjetivos forem os dados aferidos. Por isso, não � de se surpreender que um mesmo professor possa dar notas diferentes para uma mesma prova, por exemplo. � por isso também que os cientistas não costumam elaborar suas conclusões com base em uma única medição; � preciso calcular a média, o desvio padrão, enfim, avaliar como � a distribuição de seus dados.

Mesmo assim, acreditamos nos números e buscamos neles uma certeza que não � mais compatível com a lógica probabilística da ciência contemporânea. Entender como o aleatório est� presente em nossas vidas � perceber que nem sempre conseguiremos determinar um padrão para o nosso “andar de bêbado�; � usar as ferramentas probabilísticas para inferir possibilidades mais gerais, com base em um número maior de evidências, sem esquecer das limitações quanto � capacidade preditiva dos padrões gerados. S� assim seremos capazes de perceber que o sucesso � resultado muito mais de nossa persistência do que de algum talento nato. Afinal, por mais que uma moeda esteja viciada em cara, uma hora ela pode dar coroa, não � mesmo? � s� continuar jogando e aproveitar as oportunidades (e desenvolver as habilidades) que aparecerem pela nossa frente. Boa sorte!

O andar do bêbado: como o acaso determina nossas vidas
Leonard Mlodinow
Editora Zahar, 2009 (261 p.)