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Artigo
Usando a física para iluminar o funcionamento do cérebro
Por Rickson Coelho Mesquita e
Ricardo Schinaider de Aguiar
10/12/2012

Compreender o funcionamento do cérebro é um dos maiores desafios da ciência atualmente. Apesar de grandes progressos obtidos através de técnicas como ressonância magnética funcional e tomografia por emissão de pósitrons, ainda há muito que não entendemos a respeito do cérebro. O desenvolvimento de uma nova técnica baseada no uso da luz, chamada espectroscopia óptica de difusão, permite a realização de estudos que buscam melhorar a compreensão que temos do cérebro e possui também importantes aplicações clínicas. Suas vantagens são seu preço, pois é relativamente barata quando comparada às demais, e sua praticidade, pois permite estudos ao longo do tempo, monitoramento de pacientes de forma direta, não invasiva e com uma precisão temporal que pode chegar a milésimos de segundo. Além disso, a técnica permite estudos em populações de difícil acesso, como recém-nascidos e crianças, nas quais outras técnicas tradicionais são bastante restritivas. A espectroscopia óptica no infravermelho próximo, ou NIRS (do inglês Near Infra-Red Spectroscopy), é um dos tipos mais conhecidos e utilizados de espectroscopia óptica de difusão.

As primeiras ideias que levaram ao desenvolvimento da NIRS surgiram em 1929, com o pesquisador norte-americano Max Cutler, e na década de 1970, essa técnica já era aplicada em medicina na forma de um oxímetro de pulso. Na década de 1990, estudos visando o monitoramento não invasivo do cérebro utilizando os conceitos da espectroscopia óptica começaram a ser feitos. No Brasil, porém, técnicas ópticas para o estudo do cérebro foram introduzidas apenas em 2007, pelo Grupo de Neurofísica (GNF) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Desde sua criação em 2005, o GNF tem trabalhado no desenvolvimento e na aplicação de técnicas de neuroimagem, sendo pioneiro no país na utilização de técnicas multimodais. Essas técnicas consistem na combinação de diferentes métodos, envolvendo luz, para estudos cerebrais em humanos, a fim de melhor compreender o funcionamento do cérebro sadio e doente.


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Figura 1. Espectro eletromagnético mostrando a região onde se localiza
a faixa do infravermelho próximo, entre 700 e 900 nanômetros, aproximadamente.
Abaixo desta região encontra-se o espectro visível e o ultravioleta, e acima o infravermelho.

As técnicas ópticas de difusão utilizam a luz para estudar o cérebro, através de uma "janela óptica" do espectro eletromagnético. Enquanto a luz no espectro visível é quase totalmente absorvida pela melanina da pele e no infravermelho atravessa a pele e é absorvida significativamente apenas pela água, há uma região intermediária de comprimentos de onda chamada de infravermelho próximo. Nessa "janela óptica", a luz consegue penetrar de alguns milímetros a alguns centímetros no tecido, e é absorvida majoritariamente por moléculas de hemoglobina. Desse modo, ao se posicionar no tecido fontes e sensores de luz nesses comprimentos de onda específicos, pode-se analisar a intensidade de luz detectada e comparar com a intensidade emitida, bem como a defasagem de tempo entre a emissão e a detecção. Como moléculas de hemoglobina são responsáveis pelo transporte de oxigênio no sangue, a técnica permite inferir diversos dados sobre a região de tecido estudada. No cérebro, pode-se monitorar, por exemplo, hemorragias e isquemias, e inferir variações nos níveis de oxigenação do tecido. A espectroscopia óptica permite, portanto, a realização de diversos estudos cerebrais, além de possuir aplicações clínicas.

Estudos funcionais, por exemplo, visam compreender o que acontece no cérebro quando um determinado estímulo é aplicado. Nesses estudos, estímulos de diferentes naturezas, como visuais, motores, de linguagem ou de memória, são apresentados a um indivíduo, enquanto as fontes e sensores de luz estão posicionados de modo a analisar a região do cérebro responsável pelo seu processamento. Após a aplicação do estímulo, é possível detectar um aumento dos níveis de oxihemoglobina (HbO2), moléculas responsáveis por levar o oxigênio ao tecido, enquanto há um declínio nos níveis de desoxihemoglobina (Hb), moléculas de hemoglobina não ligadas a oxigênio. Essa é considerada uma típica resposta do cérebro a um estímulo externo.


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Figura 2. Resposta cerebral medida com espectroscopia óptica no córtex motor quando
um indivíduo é submetido a uma tarefa motora (movimento repetitivo de abertura da mão)
durante 2 segundos (área em cinza). No gráfico, t = 0 representa o início da tarefa
(HbO2 = oxihemoglobina; Hb = desoxihemoglobina; HbT = hemoglobina total).

A resposta cerebral, porém, pode diferir dependendo do estímulo e do método de estudo desse estímulo. No caso de estímulos visuais, por exemplo, sabe-se que o cérebro se comporta como um sistema linear quando a intensidade de luz do estímulo é variada. Em outras palavras, quando se dobra o estímulo, se dobra a resposta do cérebro. Já quando a frequência do estímulo visual é o parâmetro variado, se observa picos de aumento de oxihemoglobina em frequências específicas, e não um aumento linear da resposta cerebral com o aumento da frequência. Compreender por que o cérebro age dessa maneira e como ele reage em diversas situações são alguns dos desafios dos estudos funcionais do cérebro.

É possível também a realização de estudos de conectividade no estado basal, que buscam entender o que acontece no cérebro na ausência de estímulos, ou seja, quando estamos em repouso. É conhecido que, mesmo durante o repouso, o cérebro consome da ordem de 40% da energia produzida pelo corpo humano. Ainda não se sabe ao certo a origem para tamanho consumo de energia, mas estudos recentes mostram que o cérebro é um sistema interconectado mesmo quando um indivíduo está, aparentemente, "fazendo nada". Similarmente a estudos prévios com ressonância magnética, a espectroscopia óptica mostra que há uma simetria entre os hemisférios do cérebro, sugerindo uma relação vascular entre essas regiões mesmo durante o repouso. A criação de mapas cerebrais ópticos, através desses estudos, poderia melhorar a compreensão do funcionamento e da conexão das redes neurais, e fornecer novas informações sobre o funcionamento do cérebro, podendo contribuir também para estudos de doenças neurodegenerativas e terapias.


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Figura 3. Mapas topográficos de espectroscopia óptica obtidos através de estudos de
conectividade no estado basal, quando comparamos os sinais obtidos no córtex occipital (esquerda) e
parietal (direita). As figuras mostram o cérebro visto de cima, com o triângulo indicando a posição do nariz.
Ao traçar um eixo imaginário separando o hemisfério direito do cérebro do hemisfério esquerdo,
em ambas as figuras pode-se notar a simetria das regiões ativas.

Além de sua utilização em pesquisas, as técnicas ópticas de difusão possuem grandes perspectivas de aplicações clínicas. Por sua praticidade, essa técnica pode ser utilizada no monitoramento de pacientes em leitos. Em casos de acidentes vasculares cerebrais (AVCs), hemorrágicos ou isquêmicos, e traumas cerebrais, a técnica pode fornecer informações a respeito das flutuações na quantidade de sangue presente nas regiões de interesse e, portanto, registrar mudanças no quadro clínico do paciente em tempo real.

Apesar de relativamente nova, a espectroscopia óptica de difusão é uma técnica promissora que vem sendo cada vez mais utilizada em pesquisas acadêmicas e clínicas. Muitas das pesquisas utilizando esse novo método de estudo estão apenas em seu início e possuem grande potencial para melhorar o conhecimento que temos do cérebro e contribuir para o diagnóstico e tratamento de doenças.

Rickson Coelho Mesquita é professor do Instituto de Física "Gleb Wataghin" da Unicamp e faz parte do Grupo de Neurofísica.

Ricardo Schinaider de Aguiar é biólogo e aluno do curso de especialização em divulgação científica e saúde: neurociências, do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp.