REVISTA ELETRÔNICA DE JORNALISMO CIENTÍFICO
Reportagem
A fisiologia da obesidade: bases genéticas, ambientais e sua relação com o diabetes
Por Ricardo Schinaider de Aguiar
Jos Ricardo Manini
10/02/2013

Diferente do que muitos possam pensar, a obesidade não ¨¦ apenas uma simples condição de quem ingere mais calorias do que gasta, acumulando o excesso em seu corpo. A obesidade ¨¦ uma doença inflamat¨®ria, grave e complexa, e ¨¦ hoje uma epidemia global fora de controle. Por¨¦m qual ¨¦ a principal causa deste fenômeno? Os maus h¨¢bitos alimentares das ¨²ltimas d¨¦cadas conseguiriam explicar o aumento das taxas mundiais de obesidade ou haveria tamb¨¦m fatores gen¨¦ticos? Poderiam os fatores comportamentais interferir em nossos genes? breitling replica replica watches

O debate sobre qual dos fatores seria o mais importante ora tendia a apontar para nossas mudanças de h¨¢bitos, ora para nossa informação gen¨¦tica, e a conclusão que podemos chegar ¨¦ a de que ambos exercem pap¨¦is fundamentais. Por este motivo, a obesidade ¨¦ classificada como uma doença multifatorial. O nutricionista e pesquisador da Faculdade de Ci¨ºncias Aplicadas (FCA), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Dennys Cintra, classifica as causas da obesidade em dois macrofatores: os gen¨¦ticos e os ambientais, e explica os mecanismos de cada um.

“Os fatores de origem gen¨¦tica estão associados principalmente ¨¤ relação entre genes respons¨¢veis por poupar energia e genes respons¨¢veis por sintetizar energia, diz Cintra. Os genes poupadores foram essenciais para a sobreviv¨ºncia e perpetuação da raça humana quando a disponibilidade de alimento era escassa. H¨¢ milhares de anos, quando a caça era o principal meio de obtenção de alimento, não havia meios de preservar a comida e talvez fosse preciso sobreviver longos per¨ªodos sem a ingestão de alimentos ap¨®s uma refeição.

Os genes poupadores enviavam, então, sinais para o organismo acumular o m¨¢ximo de energia poss¨ªvel para a sobreviv¨ºncia em tempos de escassez. Contudo, com o surgimento de m¨¦todos de preservação de alimentos, principalmente com a invenção da geladeira, o ser humano passou a ter um estoque de comida dispon¨ªvel. Os genes poupadores, entretanto, continuaram a exercer sua função de ac¨²mulo de energia, mesmo sendo desnecess¨¢rio, muitas vezes levando a um excesso de gordura no corpo e ¨¤ obesidade. Esses genes tamb¨¦m são os respons¨¢veis pelo r¨¢pido ganho de peso ap¨®s um per¨ªodo de dietas severas, quando uma pessoa volta a seus h¨¢bitos normais, ocasionando o chamado “efeito sanfona. Durante a dieta, sinais de alerta são emitidos para o organismo, avisando que o alimento est¨¢ escasso e ativando os genes poupadores. Deste modo, ao retornar aos seus h¨¢bitos normais, essa ativação ir¨¢ resultar em um maior ac¨²mulo de energia, em forma de gordura.

Mas tamb¨¦m h¨¢ fatores gen¨¦ticos relacionados ¨¤ defesa do organismo contra a obesidade. O pr¨®prio tecido adiposo, formado pelo excesso de gordura, produz uma substância chamada leptina. Esse hormônio inicia uma cascata de sinalizações celulares no c¨¦rebro, que controla o apetite e faz com que a pessoa pare de comer. Em outras palavras, ela desencadeia um “efeito domin¨® de comunicação entre neurônios. O tecido adiposo, por¨¦m, produz tamb¨¦m prote¨ªnas inflamat¨®rias que interferem na sinalização celular, interrompendo esse efeito domin¨® e impedindo que o sinal chegue ao seu destino corretamente. Assim, quanto mais obesa for a pessoa, mais tecido adiposo ela ter¨¢, mais prote¨ªnas inflamat¨®rias ela produzir¨¢ e pior ser¨¢ o controle do seu apetite pelo c¨¦rebro, gerando um ciclo vicioso que a levar¨¢ a comer e engordar cada vez mais.

Influ¨ºncia do ambiente

Os fatores ambientais, por sua vez, estão relacionados ¨¤ alimentação e ao sedentarismo. Uma dieta rica em a稲cares e gorduras contribuir¨¢ para a obesidade, assim como a falta de exerc¨ªcios f¨ªsicos para gastar o excesso de energia. Estudos recentes, por¨¦m, denominados de epigen¨¦ticos, demonstram que os fatores ambientais podem influenciar nos fatores gen¨¦ticos, e antes mesmo do nascimento. “A alimentação de uma gestante, por exemplo, pode fazer com que seu filho tenha uma maior propensão ¨¤ obesidade, mesmo que seus pais sejam magros, afirma Cintra. Um beb¨º pode ter um conjunto de genes de uma pessoa sem tend¨ºncia para a obesidade, mas uma dieta rica em gorduras durante seu per¨ªodo fetal, por parte da mãe, pode fazer com que esses genes, apesar de presentes, não exerçam sua função do modo como deveriam. Assim como uma dieta gordurosa, a desnutrição durante a gestação tamb¨¦m pode levar o beb¨º ¨¤ obesidade, ou logo na infância, ou na vida adulta.

O fator ambiental, diferente do fator gen¨¦tico, pode ser revers¨ªvel. Um dia de m¨¢ alimentação, por exemplo, causar¨¢ a produção de prote¨ªnas inflamat¨®rias, mas o organismo se restabelecer¨¢ ap¨®s poucos dias com uma dieta saud¨¢vel. Por¨¦m, caso a m¨¢ alimentação se torne um h¨¢bito e persista durante anos, os fatores ambientais tamb¨¦m podem se tornar irrevers¨ªveis. As prote¨ªnas inflamat¨®rias produzidas pelo tecido adiposo, al¨¦m de interferirem na comunicação entre c¨¦lulas, tamb¨¦m podem levar ¨¤ morte celular de neurônios do hipot¨¢lamo, região do c¨¦rebro respons¨¢vel pelo controle da fome. A obesidade então se torna um quadro cl¨ªnico muito dif¨ªcil de ser revertido, mesmo com mudanças de h¨¢bitos alimentares e pr¨¢tica de exerc¨ªcios f¨ªsicos.

Atualmente, não h¨¢ medicamentos eficazes para se controlar a obesidade. As mais modernas drogas que estão em desenvolvimento visam ¨¤ destruição das prote¨ªnas inflamat¨®rias, mas são car¨ªssimas e ainda estão em fase experimental. O ¨²nico tratamento m¨¦dico ¨¦ cir¨²rgico, por¨¦m precisa ser acompanhado de mudanças de h¨¢bitos alimentares, pois a cirurgia não remover¨¢ as prote¨ªnas inflamat¨®rias do organismo. O operado poder¨¢ voltar a ganhar peso caso apenas a quantidade de comida ingerida diminua, mas a qualidade não melhore.

A obesidade ainda pode trazer outras graves consequ¨ºncias para o organismo. Entre elas estão hipertensão, aterosclerose (entupimento de veias e art¨¦rias) e at¨¦ mesmo o aumento da probabilidade de desenvolvimento de diversos tipos de câncer. Uma das principais doenças associadas ¨¤ obesidade, por¨¦m, est¨¢ relacionada ¨¤ resist¨ºncia que o organismo desenvolve ¨¤ insulina: o diabetes.

Obesidade e diabetes

Caso cl¨¢ssico na literatura m¨¦dica, os ¨ªndios Pima, que viviam no que ¨¦ hoje o Arizona central, nos EUA, representam um exemplo da enorme relação entre obesidade e diabetes. Antes de ter contato com outros povos, havia entre os Pima cerca de 10% de diab¨¦ticos. O contato com dietas não nativas, trazidas por europeus e americanos no fim do s¨¦culo XIX e in¨ªcio do s¨¦culo XX, ocasionaram um substantivo aumento no peso dessa população. Isso fez com que a quantidade de indiv¨ªduos Pima com diabetes saltasse para mais de 50%.

“Os Pima j¨¢ tinham uma predisposição gen¨¦tica em relação ao diabetes, afirma Paulo Lotufo, professor da Faculdade de Medicina da USP com livre doc¨ºncia na ¨¢rea de diabetes, “mas representam um exemplo inequ¨ªvoco de que a obesidade est¨¢ intimamente relacionada ¨¤ doença, indica.

Para Marcelo Lima, endocrinologista e pesquisador do Laborat¨®rio de Investigação em Metabolismo e Diabetes (Limed), da Unicamp, existe uma relação clara entre o diabetes tipo 2 e a obesidade. “Cerca de 80% a 90% dos indiv¨ªduos que desenvolvem o diabetes tipo 2 são obesos, aponta. “O diabetes tipo 2 representa cerca de 90% dos diab¨¦ticos. Os demais são do tipo 1, que não tem nenhuma relação especial com a obesidade, explica.

Hoje, de acordo com dados do Minist¨¦rio da Sa¨²de, mais de 5% da população brasileira adulta confirma ser portadora da doença. Esse percentual corresponde a pouco mais de 7 milhões de indiv¨ªduos. Entretanto, estima-se que esse ¨ªndice seja maior, uma vez que muitos indiv¨ªduos não t¨ºm consci¨ºncia de que portam diabetes. "Cerca de 30% dos diab¨¦ticos não sabem que t¨ºm a doença", afirma Lima. O aumento da obesidade que ¨¦ observado atualmente na população deve fazer com que esse n¨²mero cresça nos pr¨®ximos anos.

O diabetes tipo 2 ¨¦ um dist¨²rbio metab¨®lico que tem na resist¨ºncia ¨¤ ação de insulina o seu principal fator. Os mecanismos que levam da obesidade para o diabetes são m¨²ltiplos e complexos. Mesmo dentro da comunidade m¨¦dica permanecem d¨²vidas e controv¨¦rsias a respeito de como a obesidade provoca a doença. “A medicina ainda não ¨¦ capaz de explicar totalmente como a obesidade leva ao diabetes, mas j¨¢ tem como certo alguns mecanismos respons¨¢veis por essa relação, indica Lotufo.

Sabe-se, por exemplo, que o indiv¨ªduo obeso apresenta um tecido adiposo aumentado e que, nesse estado, esse tecido produz uma s¨¦rie de substâncias que diminuem a capacidade do organismo captar a glicose, produzida ap¨®s a ingestão de alimentos, e transform¨¢-la em energia. A captação de glicose pelas c¨¦lulas ¨¦ fundamental para que o indiv¨ªduo produza energia. Sem essa produção não h¨¢ vida.

Em indiv¨ªduos saud¨¢veis o organismo tende a manter o n¨ªvel de glicose no sangue est¨¢vel. Para isso, quando existe um n¨ªvel de glicose na corrente sangu¨ªnea acima do normal, c¨¦lulas localizadas em uma estrutura especial do pâncreas  as ilhotas de Langerhans  são incentivadas a produzir insulina.

Um dos pap¨¦is da insulina ¨¦ contribuir para que as mol¨¦culas de glicose entrem nas c¨¦lulas. Ao ligar-se a receptores na superf¨ªcie celular, a insulina produz sinais dentro da c¨¦lula que, entre outras funções, facilitam o transporte da glicose da superf¨ªcie da c¨¦lula para seu interior.

O indiv¨ªduo obeso, por¨¦m, apresenta dificuldades em realizar esse processo de sinalização da insulina, ou seja, h¨¢ resist¨ºncia ¨¤ insulina, o que reduz a possibilidade de a glicose entrar na c¨¦lula. Para compensar essa dificuldade, as c¨¦lulas pancre¨¢ticas produzem mais insulina, levando ¨¤ hiperinsulinemia, ou seja, excesso de insulina no sangue.

“Al¨¦m disso, no caso do diabetes tipo II, existe um desequil¨ªbrio entre a produção de insulina pelas c¨¦lulas pancre¨¢ticas e a produção de glicose, afirma Lima. “Podemos dizer, nesse caso, que mesmo que haja n¨ªveis normais ou elevados de insulina no sangue, a produção insul¨ªnica ¨¦ insuficiente para que a quantidade de glicose no sangue se normalize, explica.

Em relação ao diabetes, a gordura mais perigosa ¨¦ a localizada no abdômen. No corpo humano, a gordura ¨¦ distribu¨ªda na região subcutânea ou na região visceral. Em geral, com algumas poucas exceções, os obesos apresentam aumento de gordura pr¨®ximo ¨¤s v¨ªsceras. A gordura visceral tem caracter¨ªsticas metab¨®licas diferentes da gordura subcutânea, as quais favorecem a instalação do quadro de resist¨ºncia ¨¤ insulina.

“O excesso de tecido adiposo localizado principalmente no abdômen produz substâncias que interferem negativamente na sinalização intracelular da insulina, o que favorece o aparecimento do diabetes, diz Lima.

O diabetes tipo 2 j¨¢ foi considerado como uma doença de adultos. No entanto, atualmente est¨¢ relacionado tamb¨¦m com crianças e adolescentes. Uma criança ou um adolescente que apresente predisposição gen¨¦tica pode desde cedo apresentar certa resist¨ºncia ¨¤ insulina, que ¨¦ agravada pela obesidade.

“Para se prevenir, o melhor a fazer ¨¦ realizar exerc¨ªcios f¨ªsicos com regularidade, indica Lotufo. Segundo o professor da USP, mesmo que a pessoa não perca peso, ir¨¢ melhorar a captação de glicose pelas c¨¦lulas, o que diminui a chance de apresentar diabetes. Para Lima, outra medida fundamental ¨¦ diminuir o consumo de alimentos ricos em gordura.

Para a endocrinologista Ol¨ªmpia Ara¨²jo, autora de trabalho acad¨ºmico sobre o diabetes, um dos grandes problemas relacionados ¨¤ doença, atualmente, não ¨¦ a quantidade de informação existente, mas se esse conhecimento atinge os pacientes em risco, como parte da população obesa. “Al¨¦m disso, não basta apenas se informar - a atitude do indiv¨ªduo no enfrentamento de sua condição tem um peso importante na aplicação do conhecimento adquirido, afirma.