Políticas públicas e financiamento guiam a orientação de periódicos para acesso aberto ou fechado

Por Graciele Almeida de Oliveira

O grande número de revistas com open access no Brasil não significa que não haja dificuldades da manutenção do sistema. Além da falta de políticas públicas, o sistema enfrenta outras dificuldades, como o pequeno número de revistas com alto fator de impacto nas diferentes áreas do conhecimento – um problema frente às exigências apresentadas pelas agências de fomento para a premiação na carreira do pesquisador e obtenção de financiamento.

Em junho deste ano, a polêmica em torno das publicações de acesso fechado ficou novamente em evidência. A Elsevier, uma das maiores editoras científicas do mundo, ganhou um processo por pirataria contra sites que ofereciam artigos gratuitamente, como Sci-Hub, Library Genesis e outros similares. A corte americana estabeleceu um ressarcimento à Elsevier de U$S 15 milhões por danos relacionados à quebra de direito autoral.

Se, por um lado, os downloads de artigos pirata estão relacionados à quebra de direito autoral pertencentes às editoras, por outro, leva ao debate sobre o acesso à informação tanto por pesquisadores quanto pela sociedade em geral, e a contribuição para a construção e disseminação da ciência.

Abel Packer, um dos idealizadores e atual coordenador do Programa Scielo/Fapesp aponta que “ Iniciativas como o Sci-Hub são disruptivas, subversivas, que tentam romper com o monopólio das grandes editoras”, e complementa “o problema é que esses sites acabam prestando um serviço negativo para o acesso aberto, pois, uma vez que está disponível de qualquer forma, qual a razão de cientistas e pesquisadores  lutarem para que o artigo esteja aberto legalmente? Há um componente que é disruptivo não apenas para o comércio de artigos, mas também acaba sendo disruptivo ao acesso aberto”.

Nas publicações de acesso fechado os leitores pagam para ter acesso ao conteúdo – e as críticas a esse sistema não são poucas, nem recentes. Elas começam no questionamento dos altos valores cobrados, frente aos custos efetivamente envolvidos no processo de editoração e distribuição, que são cada vez menores graças ao aparecimento de novas ferramentas online. Mesmo assim, dados da Association Research Library mostram que entre os anos de 1986 e 2004 houve um aumento de 273% nos valores cobrados.

Outra grande crítica recai sobre o fato de a maioria das pesquisas receber financiamento público, a partir de taxas pagas pela sociedade, e nem mesmo o autor ter o direito de divulgar o material. Para André Serradas, chefe da Divisão de Gestão de Sistema de Comunicação e Disseminação de Produtos e Serviços do Sistema Integrado de Bibliotecas da USP, “acesso livre não é apenas disponibilizar de graça um conteúdo, isso é apenas um componente. Um aspecto importante é trazer de volta para a comunidade científica um pouco mais de gerência, um pouco mais de autonomia em relação aos processos de comunicação”.

Para o professor do Departamento de Informação e Cultura da Escola de Comunicação e Artes da USP, José Fernando Modesto da Silva, “as revistas com acesso aberto têm importância pela difusão do conhecimento, quebra do monopólio nesse setor e uma relação com a política pública do Estado”.

Atualmente, vários países vêm adotando políticas públicas nesse sentido. Em 2013, os Estados Unidos anunciaram que artigos originados de pesquisas financiadas com dinheiro público devem estar disponíveis para acesso aberto em até um ano após publicação.

No ano passado, o Conselho de Competitividade Horizon, da União Europeia, aprovou uma diretriz que estabelece que todos os artigos publicados por instituições de pesquisa europeia, ou cuja pesquisa tenha sido desenvolvida com recursos públicos, devem ser publicados no formato de acesso aberto até 2020.

“No Brasil ainda não há política federal ou estadual nesse sentido. Dessa forma, acaba levando a uma falta de força para enfrentar as editoras, que são as grandes organizações comerciais poderosas internacionais”, comenta Serradas.

Ainda assim, o país consegue ter certo destaque quando se trata de acesso aberto. Dados do portal Unesco Open Access mostram que as editoras de artigos acadêmicos brasileiros representam 2,7% do mundial e que, destes, 97% são open access, um dos países mais ativos na implementação de acesso aberto da América Latina. Serradas aponta que “em um país emergente como Brasil, em áreas do conhecimento menos conhecidas, é importante derrubar as barreiras impostas por meio de pagamento de assinaturas. O acesso livre é amplamente desejado”.

No entanto, o grande número de revistas com open access no Brasil não significa que não haja dificuldades da manutenção do sistema. Além da falta de políticas públicas, o sistema enfrenta outras dificuldades, como o pequeno número de revistas com alto fator de impacto nas diferentes áreas do conhecimento – um problema frente às exigências apresentadas pelas agências de fomento para a premiação na carreira do pesquisador e obtenção de financiamento.

Modesto da Silva comenta que as revistas com open access ainda passam por problemas de estruturação. “A consolidação de um periódico leva tempo. Deve-se levar em conta os gastos envolvidos no processo. As revistas devem ser pensadas como modelos de negócio, uma vez que há custos relacionados à sequência da edição, necessidade de software de gerenciamento, formas de preservar o conteúdo para o futuro, manutenção, funcionários e suporte aos usuários. Tudo isso está relacionado com o padrão da revista”, diz.

Bons exemplos sobre as formas de acesso aos leitores são as duas principais revistas da Sociedade Brasileira de Física, a Brazilian Journal of Physics e a Revista Brasileira de Ensino de Física. Ambas recebem financiamento do governo federal por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes).

A Brazilian Journal of Physics, criada em 1971 com o nome de Revista Brasileira de Física, teve acesso livre até dezembro de 2010, período em que foi editada pela própria Sociedade Brasileira de Física. Silvio Roberto de Azevedo Salinas, professor do Instituto de Física da USP e editor-chefe do periódico entre 1998 e 2008, lembra que “fazíamos a edição de forma bem artesanal, com trabalho realizado na maioria de forma voluntária e sem mão de obra especializada. Vimos a necessidade de transformar esse processo artesanal, e assim fizemos um contrato com a Springer, que hoje edita a revista”. Até 2010, como open access, foi indexado pela Scientific Electronic Library Online, Scielo. Após esse período, passou a ter acesso fechado. O índice de impacto, métrica para avaliar as revistas científicas mundiais, subiu de 0,0491 em 2010 para 0,732 em 2016, mostrando que a relação entre o tipo de acesso (livre e fechado) e o “prestígio” da publicação ainda são sensíveis no Brasil.

A Revista Brasileira de Ensino de Física, um pouco mais jovem que sua irmã, de 1979, permanece com conteúdo aberto. “Conseguimos manter o acesso livre graças à Scielo, que gerencia toda a produção da revista. Sem isso, seria inviável continuar, pois não havia estrutura para que isso se realizasse”, comemora Salinas, atual editor-chefe. Apesar do baixo índice de impacto, a procura dos autores para publicação na revista é tamanha que o periódico já está com a edição do primeiro trimestre de 2018 disponível online.

Scielo e Portal de Periódicos Capes

O Brasil tem iniciativas bem-sucedidas voltadas ao acesso a artigos científicos. A Scielo é a principal delas. O projeto começou em 1997, com um papel pioneiro de transferir a publicação de periódicos científicos para o formato digital e online. Atualmente, a plataforma é usada por mais de 15 países e reúne revistas open access, com foco naqueles produzidos por países ibero-americanos, de acordo com regras rigorosas de indexação.

“O Scielo é um metapublisher, um publisher que inova ao promover o movimento de periódicos no estado da arte, com plena liberdade, com o objetivo primeiro de publicar bem a ciência”, explica Abel Packer.

As funções do Scielo vão além da indexação e publicação de periódicos, mas também oferece serviços relacionados à editoração, marketing, disseminação e gestão.

Quando as publicações estão em sistemas fechados, surge a importância do Portal de Periódicos Capes para a disseminação científica no Brasil. Fundado em 2000, é gratuitamente acessado pelas instituições federais, estaduais e municipais de ensino superior, centros de pesquisa e algumas instituições privadas de ensino superior, de acordo com parâmetros que levam em conta a avaliação da Capes. O custo do portal varia de acordo com a proposta orçamentária anual encaminhada ao Ministério da Educação. Em 2016, foram aprovados R$ 334 milhões.

As instituições têm acesso livre a mais de 38 mil periódicos com textos completos, na maioria de revistas de acesso fechado, diferentes bases de dados e documentos eletrônicos. “É impossível para a ciência ficar sem ele”, destaca Serradas.

“O Portal de Periódicos Capes tem contribuição revolucionária para a educação e para a pesquisa no Brasil, ao promover o acesso equitativo à informação, dando abertura ao conhecimento científico”, finaliza Packer.

Graciele Almeida de Oliveira é bacharel em Química (USP), doutora em Ciências – Bioquímica e pós-graduanda em jornalismo científico pelo Labjor/Unicamp.