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Preservação combina com interesse financeiro?

Um dos principais desafios em relação à preservação do meio ambiente é deixar as florestas em pé de forma a trazer benefícios para as populações locais, para o meio ambiente, para a economia e, conseqüentemente, para o país. De olho nos verdes ganhos dessa ação, a Câmara de Deputados aprovou, no dia 6 de julho, o Projeto de Lei (PL) 4.776/05 que regulamenta a gestão de florestas públicas, por meio de licitação pública. Aquele que apresentar o melhor plano de manejo florestal a ser empregado durante um prazo máximo de 40 anos, terá a concessão.

O manejo florestal, embora seja um conceito amplamente divulgado e presente nos discursos relacionados ao meio ambiente, é uma prática ainda incipiente no Brasil. A primeira categoria, que consiste na gestão direta do Estado, com a criação e manutenção de Unidades de Conservação (UC), começou a ser implementada em 1982, por ocasião do III Congresso Mundial de Parques e outras Áreas Protegidas, realizado em Bali. Ali foram estabelecidas as UCs como áreas protegidas que representassem áreas biogeográficas. A falta de recursos para infra-estrutura, pessoal, pesquisas e fiscalização, no entanto, não garantiu os resultados esperados, forçando uma modificação no conceito de manejo. Percebeu-se que o ponto chave para obter bons resultados era a participação das comunidades locais, que mantêm a posse e/ou uso da terra e o controle sobre as operações florestais. Assim, não se extinguem os produtos da floresta ou os meios de sustento da população e ainda se ganha novos aliados para vigiar a qualidade do ambiente. Foi apenas a partir de 1998, que essa modalidade de manejo passou a ser regulamentada.

Ainda em 1998, a proteção à floresta ganhou força com aproibição da extração de madeira de forma não-sustentável pelo Código Florestal Brasileiro. Mesmo proibida, ela ainda é a principal responsável pelos índices alarmantes de desmatamento da Amazônia. Segundo Bruno Martinelli, assistente técnico do Conselho Brasileiro de Manejo Florestal (FSC, da sigla em inglês que significa Forest Stewardship Council), o mercado interno responde pelo maior percentual de consumo da madeira tropical amazônica ilegal, com cerca de 65% da produção, sendo que a maior parte é destinada à demanda do estado de São Paulo (15%) e aos estados da região Sul (12%).

Manejo sustentável

O manejo sustentável, como o que tem sido praticado pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, conta com a participação das comunidades do médio Solimões (AM) para explorar de forma sustentável os recursos madeireiros de regiões inundáveis da floresta amazônica. O limite de extração estabelecido é de cinco árvores por hectare, que são retiradas de áreas previamente selecionadas e mapeadas. Fazem parte do programa madeireiras e usuários que reconheçam o valor da madeira manejada (de preço mais elevado que a ilegal). Programas de educação do Instituto já reduziram em 96% a extração ilegal da madeira na área. Ao todo, são cerca de 340 produtores florestais de 21 comunidades que manejam suas florestas (madeira e outros produtos).

A nova categoria de manejo, prevista pelo PL 4.776, surge como uma tentativa de separar a perigosa combinação das práticas de grilagem com a exploração predatória. Ela determina que empresas privadas pratiquem o manejo em áreas florestais públicas, garantindo, além do tradicional melhor preço, o menor impacto ambiental e o maior benefício socioeconômico e agregação local de valor. É provável que não seja nenhuma panacéia, mas seja uma ferramenta a mais para tentar conter a maciça destruição dos biomas brasileiros.

Uma das ferramentas que se tem multiplicado é a busca pela certificação da madeira que, além de valorizar o produto, permite que o consumidor ateste que essa madeira, ou outro produto florestal vem de uma “floresta manejada de forma ecologicamente adequada, socialmente justa e economicamente viável”, segundo denominou Walter Suiter, secretário executivo do FSC Brasil. O certificado permite que o consumidor final possa pressionar as empresas a mudarem de atitude, a exemplo dos selos de orgânicos (em alimentos sem uso de inseticidas), salva-golfinhos (das latas de atum), sem-CFC (dos sprays), além dos recém e ainda mal implantados livre-de-transgênicos (para produtos que contenham, geralmente, milho ou soja). “A idéia é valorizar os produtores comprometidos com a sustentabilidade”, afirma Bruno Martinelli.

A certificação florestal é recente no Brasil, data dos anos 90, e ainda é pouco representativa, cobrindo uma área de um milhão de hectares, sendo 80% de áreas de florestas plantadas (como pinheiro e eucalipto) e o restante de vegetação nativa (apenas 3% da Amazônia). No exterior, já são 54 países os que certificam aproximadamente 27 milhões de hectares, e que já contam com mais de 20 mil produtos com selo de mercado. Um dos principais reflexos disso talvez seja a redução do consumo de madeira ilegal brasileira, importada por países europeus. No entanto, Martinelli admite que a obtenção dos certificados esbarra no alto custo, sejam eles diretos (relacionados às taxas da certificação e das auditorias independentes) ou indiretos (adequação às normas do padrão). Uma das saídas encontradas pela FSC são alternativas de certificações que podem ser feitas em grupo e destinadas a operações de pequena escala ou baixa intensidade.

Entre os indicadores de sustentabilidade está a taxa de crescimento da floresta e sua capacidade de extração, hoje estabelecida em 25 metros cúbicos por hectare, que equivale a um ciclo de corte (período entre duas explorações) de 25 anos. No entanto, Andréa Pires, pesquisadora do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), acredita que é fundamental que se adote ciclos de corte diferenciados por espécie. “Uma pesquisa recente realizada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá por Jochen Schoengart indica que algumas espécies precisam de pelo menos 80 anos para atingir os diâmetros de corte, enquanto outras poderiam ser cortadas com 15 anos, uma vez que crescem muito rápido”. O mesmo valeria para as técnicas de manejo florestal, que, de acordo com a pesquisadora, devem ser “planejadas de acordo com as condições locais e os propósitos específicos, atendendo a objetivos de maior ou menor demanda de produção ou conservação, conforme o caso”.

Faltam pesquisas

Essas incertezas quanto às técnicas de manejo estampam a carência de pesquisas que possam, efetivamente, contribuir para um manejo eficiente. Ainda mais diante do grande número de fatores que devem ser considerados. No caso da madeira, por exemplo, “é necessário fixar o tamanho ótimo de ciclos de corte para atingir uma distribuição diamétrica e uma composição de espécies adequadas aos propósitos do manejo, de modo a permitir a regeneração, o crescimento e o desenvolvimento prioritariamente de árvores de valor comercial”, como descrito no artigo “Ciclo de corte econômico ótimo em floresta ombrófila densa de terra firme sob manejo florestal sustentável, Amazônia Oriental”, publicado na Revista Árvore, em 2004.

A falta de pesquisas é resultado, entre outras coisas, da falta de recursos para este fim. O novo Projeto de Lei, no entanto, prevê a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal (FNDF), que levantará recursos a serem investidos prioritariamente em pesquisa e desenvolvimento tecnológico em manejo florestal, melhorando sua eficácia.

Por hora, as pesquisas continuam sendo realizadas pelas vias tradicionais da academia. Paulo Ernani Carvalho, da Embrapa Florestas, que estuda há mais de 35 anos a silvicultura de espécies nativas, aposta no plantio misto de espécies para a extração de madeira, que garantiriam vários ciclos de corte ao ano e mais renda para as comunidades. O pesquisador, que trabalha com 600 espécies de árvores brasileiras, e outras 150 exóticas, lembra que o mogno – cujo metro cúbico da madeira chega a custar mil dólares – comporta apenas cinco ou seis indivíduos por hectare. A mudança na densidade dessa população acarreta na presença de parasitas que ameaçam seu cultivo. Assim, essa espécie deve ser plantada juntamente com outras 40 ou 50 espécies, também com viabilidade econômica. Ele cita ainda algumas tentativas bem sucedidas de plantio de uma única espécie, como o guarandi – espécie brasileira que produz madeira nobre, semelhante ao mogno – sendo cultivado em mil hectares no estado de São Paulo.

“O Brasil tem o maior ritmo de crescimento florestal do mundo”, enfatiza Carvalho. Apesar disso, ele lamenta que o país ainda explore pouco seu potencial florestal em contraposição ao excessivo investimento na agricultura. Muitos alertam para um “apagão florestal”, que obrigaria o país a importar esta matéria prima já em dois anos.

O plantio de florestas, no entanto, simboliza uma enorme poupança, de onde se pode extrair recursos mesmo quando as condições climáticas ou econômicas não estão favoráveis. Essa metáfora fica ainda mais clara quando se leva em conta os créditos de carbono, que embora sua negociação ainda não esteja clara, já está sendo comercializado nas bolsas de valores. Os créditos funcionam como moeda de troca para os países desenvolvidos que querem reduzir suas taxas de emissão de gás carbônico, em decorrência das exigências do Protocolo de Quioto – acordo internacional em vigor desde fevereiro último. Assim, o Brasil vende créditos para o mundo desenvolvido e aproveita para reflorestar áreas desmatadas, como matas ciliares e antigas pastagens. No entanto, como vai funcionar o mercado de carbono ainda é uma incógnita.

Muitos produtos

A madeira talvez seja apenas o principal produto hoje extraído das florestas, de maneira ilegal e predatória, mas está longe de ser o único. Empresas da indústria farmacêutica e cosmética no exterior já atentaram para o potencial dos produtos dos biomas brasileiros, antes mesmo das nacionais. Mas a boa notícia é que os consumidores e empresários começam a olhar a floresta como um grande diferencial para conquistar esses milionários mercados. Um exemplo disso foi a inauguração, em abril deste ano, da primeira loja da Natura, maior empresa nacional de cosméticos, bem no coração da capital francesa e capital mundial da estética. A idéia é tirar vantagem do conceito de biodiversidade e desenvolvimento sustentável e conquistar uma fatia de um mercado que em 2003 movimentou cerca de US$ 201 bilhões. Ganha a empresa, os empresários brasileiros, as comunidades locais e também as florestas que passam a valer mais quando preservadas do que em grandes clareiras para abrigar gado e soja.

(GB)

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Atualizado em 10/08/2005

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