Educação e fiscalização garantem a sobrevivência de espécies

Da ECO-92 à RIO+10

Unidades de Conservação não garantem preservação

Medidas provisórias são fonte de biopolêmica:
Ulisses Capozoli

A trajetória inacabada de uma regulamentação:
Cristina Azevedo e Eurico Azevedo

Preservação e bioprospecção:
Mário Palma, Tetsuo Yamane e Antonio Camargo

Agricultura e Biodiversidade: João Paulo Teixeira

Microorganismos produzem plásticos biodegradáveis:
Luziana da Silva, Maria Rodrigues e José Gomez

O Biota Fapesp:
Carlos Joly

Redes eletrônicas em biodiversidade:
Dora Canhos, Sidnei de Souza e Vanderlei Canhos

Bibliografia

 

Unidades de Conservação não garantem preservação

Nas últimas décadas, em diversos países, Unidades de Conservação Ambiental (UCs) - conhecidas formas de conservação in situ - têm sido criadas como medida paliativa ao decréscimo nos índices de biodiversidade dos ecossistemas do planeta. Inicialmente, o que se pretende é reverter o processo de extermínio de espécies animais e vegetais em constante aceleração como resultado da ação predatória do homem sobre a natureza. No Brasil, a mera criação dessas Unidades não garante a conservação dos seus recursos naturais. Como paliativo às dificuldades do governo brasileiro em cuidar de seu patrimônio natural, verbas internacionais vultosas são aplicadas nas UCs de todo o país.

No estado de São Paulo, por exemplo, o Projeto de Preservação da Mata Atlântica (PPMA), um convênio entre a Secretaria do Meio Ambiente (SMA) e o banco alemão KFW, já investiu cerca de 13 milhões de dólares num total de dez Unidades de Conservação, de julho de 95 a dezembro de 2000. Com recursos também do Tesouro do Estado, um valor estimado em U$ 7 milhões - contrapartida exigida pelo KFW para efetuar a sua parte do investimento - o PPMA contribuiu para instalar a infra-estrutura necessária, organizar os planos de manejo e otimizar a fiscalização dos Núcleos Picinguaba, Santa Virgínia, Caraguatatuba, Cubatão e São Sebastião do Parque Estadual da Serra do Mar, das Estações Ecológicas do Bananal e Chauás e dos Parques Estaduais de Ilha Bela, da Ilha do Cardoso e Campina do Encantado. O critério utilizado pelo Projeto para escolher as Unidades a serem beneficiadas foi o de excluir aquelas que, em anos anteriores, já haviam recebido recursos do Banco Mundial, como a Estação Ecológica da Juréia-Itatins e os Parques Estaduais Carlos Botelho, de Jacupiranga e Turístico do Alto Ribeira (Petar).

Como parte do recurso do PPMA ainda não foi executado, foi requerida uma prorrogação para a aplicação dos investimentos até dezembro deste ano. Segundo Neréia Massini, membro do Grupo Executivo de Coordenação do PPMA da SMA, uma nova prorrogação deverá ser pleiteada para o ano de 2002, mas, desta vez, com o pedido de novos recursos do KFW e do Tesouro do Estado. Para ela, caso essas Unidades fiquem sem os investimentos do PPMA, a SMA deverá continuar com os trabalhos de manutenção da infra-estrutura implementada, fiscalização e execução dos planos de manejo. Entretanto, o que hoje se contesta é a eficiência do Estado em prosseguir com essas atividades, tão dispendiosas para a aquisição de recursos humanos quanto de materiais.

Segundo impressões de Maria Cecília Wey de Brito, engenheira agrônoma e membro da Aliança para a Conservação da Biodiversidade - SOS Mata Atlântica e Conservation International (IUCN) -, o mesmo que ocorreu com as Unidades beneficiadas pelos recursos do Banco Mundial durante a implementação do Programa Nacional do Meio Ambiente I (PNMA - fase 1), deverá ocorrer com as UCs que participaram do PPMA. Muito investimento para pouco resultado a longo prazo. "Pode ser que o futuro aponte que estou errada, mas as Unidades não conseguem se tornar auto-sustentáveis, como o que se pretende nesses projetos", opina. Para ela, e de acordo com o diagnóstico realizado pelo Programa Biota da Fapesp, os problemas que desencadeiam a precariedade da conservação do meio natural vão muito além da falta de investimentos em infra-estrutura e fiscalização.

Em 1982, durante o III Congresso Mundial de Parques Nacionais e outras Áreas Protegidas, realizado em Bali, ficou definido que cada estrutura biogeográfica - desenvolvida por Udvardy (1975) e que separa o mundo em oito reinos subdivididos em províncias biogeográficas - teria de conter 10% de sua área protegida por Unidades de Conservação. Assim como outras dezenas de províncias do planeta, a representatividade dos biomas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação é bastante ínfima. No caso da Mata Atlântica, apenas 2% do seu território está sob proteção.

Além da escassez de áreas protegidas, há outras situações que comprometem a conservação da biodiversidade, dentre elas a indefinição da questão fundiária. Alguns órgãos do governo do estado afirmam que cerca de 35% do total da área coberta por UCs de uso indireto ainda terão de sofrer processos de desapropriação. Para Maria Cecília de Brito, "sem a regularização fundiária há dificuldades para trabalhar as outras questões que envolvem as Unidades".

Pesquisa científica
Outro fator que preocupa técnicos da área ambiental é a falta de infra-estrutura e recursos financeiros para a pesquisa científica e a contratação de técnicos nas UCs. Embora não esteja dentre os objetivos do Projeto de Preservação da Mata Atlântica viabilizar investimentos nessa área, as pesquisas científicas em biodiversidade, formas de ocupação humana e de impacto ambiental são importantes para efetivar quaisquer tentativas conservacionistas, dentre elas a execução dos planos de manejo. Esses planos foram estruturados durante a vigência do Projeto de Preservação e hoje correm o risco de não serem implementados pela falta de recursos provenientes do estado.

Para Sidnei Raimundo, membro do Setor de Planos de Manejo do Instituto Florestal (IF/SMA), o PPMA cumpriu com o compromisso de levar às Unidades a alternativa de auto-sustentação financeira. Dessa forma, estaria garantida a sobrevivência das Unidades de Conservação mesmo após o término da cooperação entre o Brasil e a Alemanha. No entanto, o que se constata é uma série de ações que comprovam o descaso a que essas Unidades estão relegadas. Além da demora da Comissão Técnico Científica (COTEC) do Instituto Florestal para aprovar os projetos de pesquisa, o conhecimento gerado dentro de uma Unidade não é revertido para sua própria conservação, conseqüência da falta de recursos humanos qualificados e organização e sistematização de informações. "Se for comparado aos outros estados do país, São Paulo está na frente em pesquisa porque o governo destina uma verba fixa para a Fapesp, mas os Institutos de Pesquisa do Estado, por exemplo, têm orçamento ínfimo", ressalva Maria Cecília.

De acordo com os estudos também divulgados pelo Biota, o Parque Estadual da Ilha do Cardoso representa 46% do total de publicações científicas em Unidades do Conservação do estado, seguido pelo Núcleo Picinguaba do Parque Estadual da Serra do Mar e pelo Parque Estadual Intervales. Porém, a maioria das UCs não possui infra-estrutura adequada para a realização de pesquisas, como laboratórios, além disso não têm definidas as áreas do conhecimento prioritárias a serem pesquisadas em suas áreas. As Unidades que possuem diretrizes de pesquisa estabelecidas são exclusivamente aquelas que elaboraram seus planos de manejo.

Fiscalização
A fiscalização também é precária no conjunto das Unidades de Conservação do estado. Assim, o Projeto de Preservação da Mata Atlântica criou o Plano Operacional de Controle (POC), injetando a maior parte dos seus recursos para incrementar a infra-estrutura do Departamento Estadual dos Recursos Naturais (DEPRN) e da Polícia Florestal para a fiscalização de 22.000 Km2 de áreas de preservação ambiental. Foram beneficiadas as áreas de atuação da Divisão Regional do Litoral e do Vale do Ribeira do DEPRN, do 3º BPFM (Batalhão da Polícia Florestal e de Mananciais) e as Unidades de Conservação administradas pela Divisão de Reservas e Parques (DRPE) do Instituto Florestal e da Fundação Florestal, totalizando 27 municípios.

Para Neréia Massini, do Grupo Executivo do Projeto de Preservação da Mata Atlântica, "o maior ganho da implantação do POC está em integrar o DEPRN e a Polícia Florestal, que sempre tiveram ações desarticuladas na fiscalização e licenciamento ambiental". Da mesma opinião compartilha Domingos Barbosa, responsável pela gerência do PPMA no DEPRN, que acrescenta: "O DEPRN foi dotado de infra-estrutura inegável". Entretanto, ainda é muito clara a necessidade de maiores investimentos estatais nessas entidades. Por exemplo, hoje, a 2º companhia do 3º Batalhão da Polícia Florestal tem um total de apenas 170 policiais para fiscalizar aproximadamente 15 municípios do Vale do Ribeira.

Espera-se que mudanças na forma de gerenciamento das Unidades de Conservação do estado de São Paulo impeçam que prevaleça a descontinuidade das ações nesses lugares, como ocorreu com o Parque Estadual Carlos Botelho, que abrange os municípios de Sete Barras, Tapiraí e Capão Bonito, e foi uma das UCs beneficiadas pelo Programa Nacional de Meio Ambiente no início da década de 90. Com o término do repasse de recursos do Banco Mundial, o Carlos Botelho ficou em situação de crescente depauperamento. Segundo José Luiz Camargo Maia, diretor da Unidade, as verbas escassas do governo do estado não permitem que no Parque sejam desenvolvidas as atividades que lhe competem, como pesquisa, fiscalização e educação ambiental para a conservação dos recursos da Mata Atlântica. "Hoje eu apenas posso contar com a boa vontade da população local. E, na verdade, precisamos de um novo convênio com algum órgão financiador", diz ele.

Atualizado em 10/06/2001

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