Educação e fiscalização garantem a sobrevivência de espécies

Da ECO-92 à RIO+10

Medidas provisórias são fonte de biopolêmica:
Ulisses Capozoli

A trajetória inacabada de uma regulamentação:
Cristina Azevedo e Eurico Azevedo

Preservação e bioprospecção:
Mário Palma, Tetsuo Yamane e Antonio Camargo

Agricultura e Biodiversidade: João Paulo Teixeira

Microorganismos produzem plásticos biodegradáveis:
Luziana da Silva, Maria Rodrigues e José Gomez

O Biota Fapesp:
Carlos Joly

Redes eletrônicas em biodiversidade:
Dora Canhos, Sidnei de Souza e Vanderlei Canhos

Bibliografia

 

Biodiversidade brasileira é fonte de microorganismos produtores de plásticos e elastômeros biodegradáveis

Luiziana da Silva, Maria Filomena Rodrigues
& José Gregório Gomez

Diversas empresas, universidades e instituições de pesquisa e desenvolvimento têm buscado na biodiversidade brasileira ferramentas para a solução de problemas nas áreas médico-farmacêutica, veterinária, agropecuária, ambiental etc., obtendo resultados promissores. Em meados da década de 90, teve início no Brasil o desenvolvimento de tecnologia para a produção de plásticos biodegradáveis e biocompatíveis empregando matéria-prima renovável pela agricultura, em especial derivados da cana-de-açúcar, a partir de um projeto cooperativo desenvolvido pelo IPT, Copersucar e Universidade de São Paulo. Após um levantamento de oportunidades, selecionou-se um grupo de polímeros da família dos polihidroxialcanoatos (PHA) que podem ser produzidos por bactérias em biorreatores a partir de carboidratos. Tais polímeros, em condições apropriadas de cultivo bacteriano, são acumulados na forma de grânulos intracelulares (Fig.1), os quais podem ser separados e removidos após a lise celular gerando uma resina com propriedades semelhantes às dos plásticos de origem petroquímica, com a vantagem de poderem ser biodegradados no ambiente por microrganismos nele existentes em curto espaço de tempo após o descarte.

Figura 1. Grânulos de polímero biodegradável do tipo poli-3-hidroxibutirato (P3HB) no interior de bactérias (preparação e fotomicrografia eletrônica realizadas por Rita de Cássia Paro Alli, Agrupamento de Biotecnologia, DQ, IPT)

Além de propriedades termoplásticas, que lhes permitem serem moldados ou transformados em filmes para aplicações diversas, são também biocompatíveis, com potencial para aplicações médico-veterinárias, como suturas, suportes de culturas de tecido para implantes, encapsulação de fármacos para liberação controlada etc. Polihidroxibutirato (P3HB) foi o produto-alvo inicialmente estudado, bem como seu copolímero com unidades 3-hidroxivalerato (3HV), formando o copolímero P3HB-co-3HV.

A busca por bactérias em solo brasileiro
Como a idéia era utilizar derivados de cana, duas linhas de busca do microrganismo ideal foram adotadas: (i) A partir de uma linhagem de coleção de culturas capaz de produzir P3HB a partir de glicose e frutose, mas não a partir de sacarose, o Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo desenvolveu um trabalho de melhoramento genético da bactéria de modo a torná-la capaz de acumular o polímero utilizando a sacarose e (ii) simultaneamente, o Laboratório de Microbiologia Industrial do Agrupamento de Biotecnologia (LMI-AB) do IPT partiu para um programa de isolamento e seleção de bactérias de solo capazes de utilizar a sacarose e produzir P3HB com alta eficiência. Para completar o desenvolvimento da tecnologia, o Laboratório de Fermentações Industriais (LFI), também do Agrupamento de Biotecnologia desenvolveu a estratégia para cultivo e acúmulo de PHA em biorreatores e, junto com a Copersucar, o processo de separação do polímero e ampliação de escala.

Amostras de solo foram submetidas a condições laboratoriais que inibiam o crescimento de bolores e leveduras e, ao mesmo tempo, favoreciam o crescimento bacteriano em sacarose, açúcar predominante na cana, bem como seus derivados. Cerca de 300 clones foram capazes de utilizar sacarose. Estes foram então submetidos a testes que verificavam aqueles capazes de além de crescer em sacarose, utilizá-la para produzir PHA. Destacaram-se 75 clones bacterianos produtores de PHA (PHA+). Uma identificação preliminar já demonstrou a grande variabilidade de espécies bacterianas encontradas. Outro resultado que convém ser destacado refere-se ao fato de que, além de produzirem o P3HB (polímero com unidades monoméricas de 4 carbonos e propriedades termoplásticas) que era o produto alvo, muitas das bactérias produziam outros polímeros de interesse. Destacamos entre estes polímeros produzidos, aqueles que contêm monômeros com 6-12 átomos de carbono, denominados PHAMCL (do inglês, medium chain length) e que apresentam propriedades elastoméricas, assemelhando-se mais à borracha e com outro tipo de aplicação (filmes para revestimento de embalagens de papelão, fraldas, absorventes, adesivos, etc.). Foi também descoberta uma linhagem bacteriana capaz de produzir, a partir de sacarose, uma mistura de P3HB com 3HPE, este último consistindo de monômeros de ácido 3-hidroxi-4-pentenóico, o qual, por ter uma insaturação, pode ser modificado quimicamente, ampliando suas propriedades e aplicabilidade. Algumas linhagens também se mostraram capazes de utilizar xilose e outros açúcares presentes no hidrolisado do bagaço de cana, até então um rejeito de baixo valor econômico, produzindo P3HB.

Os 75 clones PHA+ foram então comparados, selecionando-se dois deles com melhor capacidade de produzir P3HB: IPT 045 e IPT 101. Foi feita uma identificação preliminar e as duas linhagens correspondiam, respectivamente a uma Burkholderia cepacia e Burkholderia sp. Estas duas linhagens foram avaliadas em ensaios em biorreator. Foram comparados velocidade de crescimento, capacidade de acúmulo de polímero e eficiência em converter sacarose em polímero. Por seu melhor desempenho e por não ser patogênica, a linhagem IPT 101 foi selecionada. No sentido de se fazer uma identificação completa, a IPT 101 foi enviada a alguns centros especializados no Brasil e na Alemanha. Entretanto, as características da espécie não coincidiam com nenhumas daquelas já conhecidas de bactérias do gênero Burkholderia. Somente em 1999, em cooperação com o Laboratory of Microbiology, Universiteit Gent (Bélgica) e com o Institut für Mikrobiologie de Münster (Alemanha), após comparar resultados de testes bioquímicos, da composição de ácidos graxos, da seqüência de genes de rRNA 16S, verificou-se que trata-se de uma nova espécie que foi então denominada Burkholderia sacchari, justamente por ter sido isolada a partir de solo de canavial. A descoberta será publicada no International Journal of Systematic and Evolutionary Microbiology numa das próximas edições.

Todo este desenvolvimento teve o apoio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq) do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), em diferentes períodos. Como resultado, ao final da década de 90, obteve-se um processo de produção de poli-3-hidroxibutirato (P3HB) e seu copolímero poli-3-hidroxibutirato-co-3-hidroxivalerato (P3HB-co-3HV) utilizando como fonte de carbono principal o açúcar da cana.

Em 1996, uma unidade piloto de produção foi instalada nas dependências da Usina da Pedra, interior do Estado de São Paulo, utilizando a tecnologia desenvolvida no país. A produção é realizada em tanques agitados e aerados em condições controladas de pH, temperatura, oxigênio dissolvido e aporte de matérias-primas. O copolímero é produzido pela adição concomitante de ácido propiônico e açúcar. O processo de separação e purificação do produto garante alta pureza e peso molecular adequados ao processamento do polímero. Dando prosseguimento ao projeto, já foi feito um melhoramento genético em Burkholderia sacchari IPT 101, obtendo-se um mutante IPT 189 que tem maior capacidade de acúmulo do copolímero P3HB-co-3HV, quando alimentado com sacarose e ácido propiônico. Este copolímero é mais maleável e tem aplicações mais amplas que as do P3HB. Em conjunto, CTC e IPT solicitaram patente para a linhagem, seu mutante e processo de produção.

O IPT continua seus estudos nesta área, na qual as linhas atualmente em andamento são: a obtenção de novas linhagens bacterianas por técnicas de engenharia genética, o estudo da biodegradabilidade de polihidroxialcanoatos e outros plásticos ditos biodegradáveis, estudo do processo de produção de P3HB e seu copolímero a partir de bagaço de cana-de-açúcar, estudo do processo de produção de polihidroxialcanoatos de cadeia média (PHAMCL) a partir de açúcar e óleos vegetais, estudo da produção da mistura P3HB e P3HPE, bem como de suas propriedades, a otimização do processo de produção de PHA usando ferramentas computacionais e estudo de ampliação de escala e de novas concepções de fermentadores.

Luiziana Ferreira da Silva, Maria Filomena de Andrade Rodrigues & José Gregório Cabrera Gomez são pesquisadores do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo S. A. - IPT

Atualizado em 10/06/2001

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