Educação e fiscalização garantem a sobrevivência de espécies

Da ECO-92 à RIO+10

Medidas provisórias são fonte de biopolêmica:
Ulisses Capozoli

A trajetória inacabada de uma regulamentação:
Cristina Azevedo e Eurico Azevedo

Preservação e bioprospecção:
Mário Palma, Tetsuo Yamane e Antonio Camargo

Agricultura e Biodiversidade: João Paulo Teixeira

Microorganismos produzem plásticos biodegradáveis:
Luziana da Silva, Maria Rodrigues e José Gomez

O Biota Fapesp:
Carlos Joly

Redes eletrônicas em biodiversidade:
Dora Canhos, Sidnei de Souza e Vanderlei Canhos

Bibliografia

 

Biodiversidade: preservação e bioprospecção

Mário S. Palma,
Tetsuo Yamane e
Antonio C. M. Camargo

Enfrentamos hoje uma inusitada e aparentemente inexplicável mudança nos padrões de muitas doenças, especialmente entre as nações industrializadas. Assim por exemplo, os casos de câncer aumentaram mundialmente 12% anualmente ao longo das décadas de 70 e 80; os casos de diabetes aumentaram em 30% somente nos E.U.A. durante a última década; doenças infecciosas, consideradas já controladas, têm ressurgido nos países pobres e se disseminaram vigorosamente nos países do primeiro mundo. Estas doenças, entre muitas outras, requerem novas drogas mais eficientes, com menores efeitos colaterais e custos mais baixos, para torná-las acessíveis à grande maioria da população mundial.

A conservação dos recursos genéticos do planeta, bem como sua exploração sustentável é tão importante que em vários países do mundo estão sendo criados programas de bioprospecção, integrando universidades, institutos de pesquisas, museus e a indústria farmacêutica, para descobrir e desenvolver novos fármacos.

Os maiores conglomerados farmacêuticos, os multinacionais, parecem sofrer de uma "verdadeira febre de procura" por novos compostos moldados pela natureza durante milhões de anos de evolução, visto que este "laboratório" decididamente já testou bilhões de possibilidades para cada caso, e nos apresenta um verdadeiro tesouro pronto para ser explorado. A prova disto é o sucesso comercial de algumas drogas originárias de produtos naturais, tais como:
a) Cromoglicato - uma droga anti-asmática isolada na ação relaxador de um composto isolado da planta umbilífera Amni visnaga;
b) Mevinolin - uma droga muito eficiente para induzir a diminuição dos níveis séricos de colesterol, isolada de fungos;
c) Cyclosporin A - uma droga imunosupressora usada para prevenir a rejeição de órgãos transplantados, isolada do fungo Trichoderma polysporum.

Uma análise na lista dos 20 produtos farmacêuticos mais vendidos nos últimos anos, revela que vários derivaram de produtos: Captopril e derivados - um inibidor da enzima conversora de angiotensina, utilizado em tratamento de hipertensão arterial, teve como protótipo, um polipeptídeo isolado do veneno de serpente brasileira Bothrops jararaca, comercializado por multinacionais farmacêuticas, rendendo de 3-5 bilhões de dólares anuais; CECLOR, cefalosporina produzida pela Ely Lilly, com vendas anuais da ordem de US$ 837 milhões; MEVACOR , inibidor da HMG CoA, produto da Merck, com vendas anuais da ordem de US$ 760 milhões; AUGMENTIN, antibiótico produzido pela Smith Kline Beecham, com vendas anuais da ordem de US$ 710 milhões; ROCEPHIN, cefalosporina, produto da Roche, com vendas anuais da ordem de US$ 665 milhões.

É muito difícil de estimar o número total de produtos terapêuticos que utilizam formulações originárias de produtos naturais das mais diversas origens. Entretanto, acredita-se que entre 25 a 30% das prescrições de medicamentos do mundo ocidental contêm drogas de origem natural; este quadro vem se mantendo nos últimos 30 anos.

Existem cerca de 250.000 espécies diferentes de plantas em nosso planeta, mas menos de 5% deste total já foi estudado. As florestas tropicais cobrem hoje cerca de 8,6 milhões de km2 da superfície do planeta e cerca de 1% das mesmas são destruídas anualmente, enquanto que outros 1% são severamente degradadas. Neste ritmo, 20% de todas as espécies de plantas conhecidas estarão extintas nos próximos 50 anos. Em média, a cada 2.000 espécies de plantas estudadas, gera-se um novo fármaco inédito, com enorme sucesso funcional e comercial, além de dezenas de outros produtos ainda funcionais, porém com menor sucesso de vendas. Estima-se que cerca de 50.000 espécies de plantas foram extintas ao longo do século XX. Isto sugere que deixamos de conhecer os princípios ativos para o desenvolvimento de pelo menos 25 novos fármacos.

Dos venenos a novas drogas de usos terapêuticos
As toxinas de origem natural têm fascinado o homem há muito tempo, devido aos seus dramáticos efeitos farmacológicos, sistêmicos e neuroquímicos. As toxinas têm sido utilizados academicamente como ferramentas para elucidar mecanismos fisiológicos, desde os clássicos experimentos de Claude Bernard em 1850, com o veneno utilizado nas pontas de flechas por índios sul americanos. As tubocurarinas, toxinas alcalóides presentes no curare, foram utilizados pela Wellcome, como ponto de partida para o desenvolvimento de uma droga relaxadora muscular, para acompanhar a anestesia geral, com poucos efeitos colaterais em humanos, o ATRACURIUM. Mais tarde surgiu também o VECURONIUM desenvolvido pela Organon.

Desde então, vários outros laboratórios farmacêuticos têm se utilizado de toxinas naturais, como modelos de drogas para o desenvolvimento de seus produtos, com potencialidades farmacológicas comparáveis a alcalóides de plantas ou metabólitos secundários de microorganismos.

Surucucu - veneno com potencial para a indústria farmacêutica (L'Homme et les animaux, 1890)

As pesquisas no campo de toxinas de origem animal têm contribuído muito na compreensão, por exemplo, dos problemas vasculares, processos inflamatórios, mecanismos de dor, processos alérgicos e asma bronquial, entre outros. Resultaram da pesquisa do veneno da serpente brasileira Bothrops jararaca, descobertas fundamentais como a BRADICININA por Maurício Rocha e Silva e depois os Peptídeos Potenciadores de Bradicinina (BPPs), que serviu de protótipo molecular para o desenvolvimento de CAPTOPRIL pela Squibb, uma droga anti-hipertensiva que domina o mercado internacional. Este é um exemplo clássico de uma pesquisa biomédica básica executada aqui no Brasil, mas usada pela indústria multinacional para a produção de um fármaco de grande impacto.

Entretanto, essa pesquisa de BPPs foi retomada recentemente pelo Centro de Toxinologia Aplicada (CAT), integrante do projeto Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID), uma iniciativa pioneira da Fapesp destinada a explorar toxinas animais e microorganismos de grande interesse científico, médico, social e econômico, derivados da nossa biodiversidade. O equipe do Prof. Antonio C.M. Camargo, Diretor do CAT, patenteou recentemente uma nova substância anti-hipertensiva, EVASIN, derivado também de BPP, mais seletiva que o CAPTOPRIL em sua ação, sem o efeito colateral apresentado pelas drogas CAPTOPRIL, ENALAPRIL, LISINOPRIL e outras.

Drogas anti-trombóticas estão sendo desenvolvidas a partir de venenos de serpentes pela Genentech (EUA). A companhia Wyeth Ayerst está desenvolvendo uma droga anti-convulsivante à partir de neurotoxinas presentes no veneno da serpente "mamba" (Dendroaspis). Esta serpente possui também outro tipo de toxinas, conhecida como toxina muscarínica, que está sendo utilizada pela empresa Marrio-Merril-Dow como droga-líder para o desenvolvimento de um fármaco para o controle de doenças neurodegenerativas.

Entre os moluscos marinhos, destacam-se as espécies de Conus que produzem uma série de peptídeos neurotóxicos, sendo que alguns deles estão sendo utilizados como modelos para o desenvolvimento de drogas anti-convulsivantes pela empresa farmacêutica Neurex Corporation. Entre os venenos de aranhas, várias neurotoxinas que bloqueiam os canais de cálcio tem sido alvo de interesse biotecnológico. Por exemplo, as acilpoliaminas, toxinas orgânicas de baixo peso molecular, foram patenteados pelas empresas Zeneca Pharmaceuticals e NPS Pharmaceuticals, para prevenção contra a morte neuronal precoce em casos de isquemia cerebral. Entre os escorpiões uma toxina peptídica, margarotoxina, foi utilizada pela Merck como droga-líder para o desenvolvimento de uma imunosupressora potencialmente muito útil para a terapia de doenças autoimunes e na prevenção de rejeição de órgãos transplantados.

Mundialmente, existem cerca de 25 milhões de pessoas portadoras de doenças neurodegenerativas, aproximadamente 1 milhão no Brasil, que necessariamente se utilizam de medicamentos desenvolvidos à partir de drogas sintéticas para controlar suas doenças. A maioria destas drogas é muito eficiente em suas ações neurobloqueadoras, porém apresentam sérios efeitos colaterais. No Brasil, lesões cranianas constituem uma das causas principais de óbito entre as pessoas de menos de 20 anos. Aproximadamente, 150.000 jovens morrem ou ficam incapacitados permanentemente a cada ano devido à trauma cerebral. A esperança da indústria farmacêutica de produtos neuroquímicos está no uso de neurobloqueadores naturais, do tipo daqueles encontrados em venenos animais.

Esta área de atuação também está na mira das indústrias de defensivos agrícolas, que vêem nas toxinas animais a possiblidade de desenvolvimento de bioinseticidas altamente seletivos e biodegradáveis. A importância destes fatos pode ser observada ao se analisar o número de novas drogas registradas no Patent Office do Departament of Commerce do Governo dos Estados Unidos, desenvolvidas a partir de toxinas animais: a) 24 para toxinas de aranhas e escorpiões (15 bioinseticidas seletivos, 6 neurobloqueadores de uso em terapias de distúrbios neurológicos e 3 para uso em terapias de doenças cardíacas); b) 62 com toxinas de serpentes (a grande maioria voltada para o uso em terapias de controle arterial).

Recentemente, um novo ramo que está atraindo muita atenção é a área de DEFENSINAS, peptídios antibióticos primitivos que desempenham papel no "patrulhamento" das células contra infecções por microorganismos. Constituem quase uma centena de moléculas estruturalmente relacionadas, que agem contra bactérias Gram-positivas e -negativas. Em vertebrados, as defensinas estão presentes em organismos filogeneticamente distintos como insetos, plantas e mamíferos e, portanto, são anteriores ao desenvolvimento do sistema imunológico humoral. Em vertebrados, as defensinas são produzidas em células de tecidos que estão em contato com o ambiente, bem como em leucócitos polimorfonucleares. Várias defensinas são constitutivas, enquanto outras têm seus níveis aumentados em resposta ao agente invasor.

Em geral, os antibióticos tradicionais agem por inibir enzimas de passos importantes do metabolismo microbiano, ao passo que as defensinas inativam rapidamente os microorganismos através da formação de poros na membrana plasmática, tornando-a permeável à entrada e saída de íons.

O isolamento desses peptídios antibióticos, os quais têm sido aprimorados durante milhões de anos, amplia as perspectivas quanto ao desenvolvimento de novos agentes para o arsenal terapêutico contra microorganismos multi-resistentes e a biodiversidade brasileira fornece os subsídios para a busca desses antibióticos em outras fontes além de microorganismos.

Atualizado em 10/06/2001

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