Educação e fiscalização garantem a sobrevivência de espécies

Acesso à biodiversidade não é regulamentado

Da ECO-92 à RIO+10

Medidas provisórias são fonte de biopolêmica:
Ulisses Capozoli

A trajetória inacabada de uma regulamentação:
Cristina Azevedo e Eurico Azevedo

Preservação e bioprospecção:
Mário Palma, Tetsuo Yamane e Antonio Camargo

Agricultura e Biodiversidade: João Paulo Teixeira

Microorganismos produzem plásticos biodegradáveis:
Luziana da Silva, Maria Rodrigues e José Gomez

O Biota Fapesp:
Carlos Joly

Redes eletrônicas em biodiversidade:
Dora Canhos, Sidnei de Souza e Vanderlei Canhos

Bibliografia

 

Regulamentação do acesso à biodiversidade ainda não é definitiva

O governo federal reeditou no dia 25 de maio a medida provisória que estabelece regras para o acesso ao patrimônio genético brasileiro. Além de estabelecer o conceito de patrimônio genético e regular a bioprospecção como atividade exploratória de uso potencialmente comercial, a MP 2.126-12 cria o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético. A sua efetiva instalação, no entanto, depende de um decreto que regulamente a medida provisória até o fim do ano. Até lá, continua a polêmica entre pesquisadores, que precisam de materiais genéticos para seus trabalhos, e entre as iniciativas contra a biopirataria e de defesa da propridade intelectual de comunidades com direitos difusos.

"Algumas pesquisas podem parar enquanto a medida provisória não for regulamentada", afirma Janice Casara, da organização social Bioamazônia, criada para colaborar com o Ministério do Meio Ambiente (MMA) na implantação do programa de uso sustentável da biodiversidade da Amazônia.

A MP, em seu artigo 8°, protege o conhecimento associado ao patrimônio genético de comunidade indígena ou tradicional, para fins de pesquisa científica. O parágrafo 4° desse artigo, no entanto, diz que essa proteção "não afetará direitos relativos à propriedade intelectual". A medida diz também que o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético deve ser composto por membros de vários ministérios e presidido por um representante do Ministério do Meio Ambiente.

Em 1997, o Congresso Nacional criou uma comissão externa para apurar denúncias de exploração e comercialização ilegal de plantas e material genético na Amazônia. O relatório da comissão aponta casos como o da associação Selvaviva, dirigida por um austríaco, que vendia, para outros países, sem autorização legal, plantas medicinais e o conhecimento tradicional de comunidades indígenas associado a elas.

Um caso singular apontado pelo relatório é o que envolve o químico Conrad Gorinsky, presidente da Fundação para Etnobiologia, sediada em Londres. Ele nasceu em Roraima, onde conviveu com os índios wapixana e morou até os 17 anos. Com os índios, Gorinsky conheceu uma árvore cuja semente é usada como anticoncepcional e uma planta que possui uma substância venenosa, utilizada pelos wapixana na pesca. O químico obteve junto ao Escritório de Patentes Europeu o direito de propriedade intelectual sobre os compostos farmacológicos das plantas amazônicas e se associou à empresa canadense Greenlight Communications para produzir e comercializar os medicamentos. O Brasil, e em especial os wapixana, não recebem nenhum benefício por essas patentes.

Casos como o dos índios wapixana não se amparam na distribuição equitativa dos benefícios, prevista na Convenção de Diversidade Biológica e ratificada pela atual medida provisória. Para novos casos, quando houver perspectiva de uso comercial, a MP condiciona o acesso ao componente do patrimônio genético à assinatura de um Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios.

"Biodiversidade é poder", afirma Marina Silva

O Rio de Janeiro sediou em 1992 a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como ECO 92. Nesse encontro, foi estabelecida a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), que visa a conservação e utilização sustentável da diversidade biológica do planeta, a adequação do acesso aos recursos genéticos e a repartição justa e equitativa dos benefícios gerados pelo seu uso.

Marina Silva - Rio-92 deixou claro o que já era público

O texto do Preâmbulo da CDB, que reafirma a soberania dos países sobre seus próprios recursos biológicos, foi aprovado pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo n° 2, de fevereiro de 94, quase dois anos após a Conferência do Rio. Essa aprovação, no entanto, não dá caráter de lei ao texto. No fim daquele mesmo mês, as Nações Unidas emitem um instrumento de ratificação da CDB, que passa a vigorar para o Brasil a partir de maio de 94. Mas ela só é efetivamente promulgada pelo governo federal em março de 1998, através do Decreto 2.519.

"Na Conferência (do Rio) ficou publicamente claro o que já se sabia nos círculos especializados: biodiversidade é poder", afirma a senadora Marina Silva, do PT do Acre. Ela propôs no Congresso, em 1995, o Projeto de Lei n° 306, sugerindo instrumentos de controle do acesso aos recursos genéticos do país. Esse projeto de lei determina o pagamento de royalties para as populações locais, como caboclos e índios da Amazônia, sobre o conhecimento da biodiversidade levado para o exterior. O PL 306/95 está tramitando no senado até hoje.

O Brasil é um dos doze países de megadiversidade, que concentram juntos cerca de 70% da diversidade biológica do planeta. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, entre 15 a 20% dessa diversidade está no Brasil. O Ministério da Ciência e Tecnologia, por sua vez, revela que 80% dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento na área de fármacos está concentrado nos sete países mais ricos do mundo. Parte da matéria-prima utilizada pela indústria de fármacos é formada por recursos genéticos colhidos no Brasil, especialmente na Amazônia.

A Constituição Federal, promulgada em 1988, já determinava no artigo 225 do capítulo VI (dedicado ao meio ambiente), a incumbência do poder público de preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético. A presidente da comissão, criada em 97 para apurar as denúncias de desvio do patrimônio genético, deputada Socorro Gomes (PCdoB-PA), solicitou um parecer sobre o assunto às intituições de pesquisa atuantes na Amazônia, como o Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa).

A Associação dos Pesquisadores do Inpa (Aspi) apresentou aos parlamentares da comissão um documento que dizia haver pouco ou nenhum controle sobre o material científico que ia para o exterior, através de convênios internacionais. Em seu relatório, a comissão parlamentar recomenda ao Ministério Público a instauração de inquéritos para investigar os convênios do Inpa com instituições de pesquisa estrangeiras. Ozório Fonseca, diretor do Inpa publicou no período das apurações - maio de 1999 - um artigo sobre biopirataria, no qual ele diz que "não existe uma legislação definindo essa prática como crime ou contravenção". Nesse artigo, Fonseca lamenta que as acusações de biopirataria recaiam sobre instituições de pesquisa como o Inpa.

A MP 2.126-12 é a décima segunda versão da primeira Medida Provisória a tratar do assunto, a MP 2.052, assinada pelo então presidente em exercício, Marco Maciel, em junho de 2000. Ela já recebeu 45 emendas na comissão mista do Congresso que analisa medidas provisórias do executivo. O Decreto 2.972, de 1999, já atribuía à Secretaria de Biodiversidade e Florestas, do MMA, a competência para proposição de políticas e normas para o acesso aos recursos genéticos do país. Mas até o momento, essas normas continuam na transitoriedade das medidas provisórias.

Atualizado em 10/06/2001

http://www.comciencia.br
contato@comciencia.br

© 2001
SBPC/Labjor
Brasil