Educação e fiscalização garantem a sobrevivência de espécies

Da ECO-92 à RIO+10

Medidas provisórias são fonte de biopolêmica:
Ulisses Capozoli

A trajetória inacabada de uma regulamentação:
Cristina Azevedo e Eurico Azevedo

Preservação e bioprospecção:
Mário Palma, Tetsuo Yamane e Antonio Camargo

Agricultura e Biodiversidade: João Paulo Teixeira

Microorganismos produzem plásticos biodegradáveis:
Luziana da Silva, Maria Rodrigues e José Gomez

O Biota Fapesp:
Carlos Joly

Redes eletrônicas em biodiversidade:
Dora Canhos, Sidnei de Souza e Vanderlei Canhos

Bibliografia

 

Agricultura e Biodiversidade: do extrativismo à sustentabilidade

João Paulo Feijão Teixeira

Tomou, pois, o Senhor Deus ao homem
e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e guardar.
Gênesis 2:15

A citação bíblica de Gênesis já indica o conflito de ações que cabia ao homem no produzir alimentos e guardar, cuidar e manter a grande riqueza natural que seria seu habitat. Conflito que perpassa toda a trajetória do homem na Terra, desde o império do extrativismo aos nossos dias.

As atividades agrícolas responsáveis, principalmente, para obtenção do alimento, sempre exerceram uma das maiores pressões ambientais, pelo uso inadequado de recursos naturais promovendo intensa degradação ambiental a partir da destruição de habitats e de espécies potencialmente úteis.

A agricultura responde, hoje, por mais de 20% da produção primária líquida do planeta e ocupa cerca de 3/5 da área terrestre utilizável.

O desafio enfrentado pelo mundo moderno é de atender à necessidade de aumentar a produção de alimentos para a população em crescimento, além de conservar os fundamentos ecológicos necessários para sustentar esse aumento, sabendo-se que a base alimentar humana limita-se a poucas espécies: trigo, soja, milho, arroz, o que representa risco para segurança alimentar.

Em 2026 a população mundial será de 8 bilhões de pessoas, com 99% do cres-cimento natural acontecendo nas regiões pobres do mundo: África, Ásia e América Latina. Regiões onde as condições sócio-econômicas exercem papel fundamental na degradação do meio ambiente.

Nos anos 90 estimativas indicavam que as taxas de desmatamento, então prati-cadas, levariam a perdas entre 2 e 8% das espécies nos 25 anos seguintes. E isso tem ocor-rido, levando ao desespero os conscientes do fato.

A biodiversidade é a espinha dorsal dos sistemas de produção envolvendo animais, culturas, forragens, flores-tas e aqüicultura e não somente é essencial para manter o sistema biosfera funcionando, mas indispensável para fornecer insumos básicos para a agricultura e para o homem, tais como fibras para vestuário, material para abrigo, transporte, medicamentos, fertilizantes e combustíveis. E responsável, também, como suporte para produção de alimentos, através da polinização, da formação e fertilidade do solo, controle de pragas e doenças, tanto quanto à oportunidade que oferece de adaptação, essencial à sobrevivência de plantas e animais em um ecossistema particular.

Ao destruir-se um bosque e mudar o clima local, não se sabe o que se perde em plantas úteis para a medicina ou para a alimentação, ou mesmo porque cumprem alguma função especial em algum sistema ecológico. Nosso país possui uma magnífica diversidade, cerca de 20% das espécies de plantas, animais e microorganismos do planeta estão aqui representados. Muitos desses organismos são endêmicos, ocorrendo exclusivamente no Brasil.

...Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que mais
contra o sul vimos, até à outra ponta que contra o norte vem,
de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que
haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas de costa.
Traz ao longo do mar em algumas partes grandes barreiras,
umas vermelhas, e outras brancas; e a terra de cima toda
chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta é
toda praia... muito chã e muito formosa. Pelo sertão nos
pareceu, vista do mar, muito grande; porque a estender olhos,
não podíamos ver senão terra e arvoredos - terra que nos
parecia muito extensa. ...Águas são muitas; infinitas. Em tal
maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela
tudo; por causa das águas que tem!
Carta, Pero Vaz de Caminha

A descrição do Brasil feita por Pero Vaz de Caminha, em 1500, indica para os que observam o país hoje, o quanto se perdeu.

O processo de ocupação territorial e a incorporação de novas áreas ao processo produtivo agrícola no Brasil, ao longo dos anos, foram feitos sem preocupação ambiental. A expansão da fronteira agrícola caracterizou-se pela redução da biodiversidade e por outros impactos sobre os recursos ambientais, principalmente sobre o solo e a água.

Com este quadro, os mais apressados poderiam condenar definitivamente a produção agrícola, por isso, cabe lembrar que a análise que se faz não leva em conta a pressão da expansão urbana, o tratamento inadequado de resíduos industriais, as condições socioeconômicas e culturais sofríveis de grande parte de nossa população, todos fatores de agressão ao meio ambiente.

Embora potencialmente tão negativa para a conservação dos recursos naturais, quando estes não entram na equação de produção, a atividade agrícola tem uma relação direta com a conservação dos recursos naturais, quer seja por sua dependência da biodiversidade pelo fornecimento de material genético para novos cultivares, quer seja pela necessidade de um ambiente equilibrado para o desenvolvimento agrícola. Em alguns aspectos, a agricultura pode ser vista como um real instrumento de recuperação ambiental. Considera-se, entretanto, que a intensificação inadequada da agricultura pode causar danos irreversíveis ao meio ambiente, caso não se integre uma consciência ambiental através de ações educativas junto à população e aos agricultores.

A biodiversidade agrícola envolve a variedade e variabilidade dos animais, das plantas e microorganismos importantes para a alimentação e a agricultura, produzidas pela ação recíproca entre o meio ambiente, os recursos genéticos, a gestão dos sistemas e as ação das pessoas. As plantas e os animais , silvestres e domésticos, foram combinados, modificados e manipulados durante milênios em complexos e diversos sistemas agrícolas. Nos agroecossistemas estão presentes necessariamente , por definição , as pessoas e suas instituições, assim como a biodiversidade agrícola que utilizam e a que repercutem através da ampla gama de seus objetivos sociais e definições de bem estar.

Foram os portugueses que trouxeram o fogo para o Brasil.
E por aqui ficou. Em parte é lei como no algodão para
combater bicudo e lagarta rosada. Em parte se usa para
facilitar a roça, baratear a limpeza dos pastos, apressar
o preparo da terra. Mas em parte é simples piromania, o
prazer de ver as chamas se levantando nas noites escuras
e frias, tingindo o céu de vermelho, bruxuleando e estalando.
Lá em cima , o satélite Landsat constata: O Brasil inteiro arde.
Profa. Ana Maria Primavesi.

Nas áreas de agricultura tradicional é comum o derruba-queima para preparo de área: destruindo biodiversidade, emitindo gases para a atmosfera, provocando erosão e degradação do solo. Somente a Amazônia, segundo dados do Inpe, perdeu mais de 55 milhões de hectares de florestas, transformada hoje em área degradada. No semiárido nordestino os problemas ambientais expõe os processos de salinização do solo pelo manejo inapropriado da água e do solo. Em outras áreas o manejo inadequado do solo aumenta o risco de desertificação.

Nas últimas décadas, com a difusão e a generalização dos sistemas intensivos de agricultura em todo o mundo, baseados no paradigma da Revolução Verde , a produção aumenta de forma espetacular trazendo, todavia, impactos significativos ao meio ambiente. Nas áreas de cultura intensiva os problemas mais comuns são: erosão, degradação do solo, perda de biodiversidade como resultado da retirada total do revestimento florístico original, prática de monocultivos e uso intensivo de agrotóxicos que são fonte potencial de contaminantes. Tornam-se importantes também problemas ambientais de difícil equacionamento como contaminação das águas subterrâneas por nitratos e emissão de carbono para a atmosfera.

Exemplo do resultado da somatória de atividades agrícolas tradicionais seguida de intensivas, pode ser verificado na agricultura do estado de São Paulo, que desenvolveu-se num quadro de negligência com os seus recursos naturais. A cobertura vegetal original, de florestas naturais, hoje está reduzida a 5%. Cerca de 62% do solo agrícola do estado vem sendo cultivado continuamente por diversas gerações. Em conseqüência, surgiram problemas como a perda da biodiversidade, representada por microorganismos do solo, organismos aquáticos, espécies vegetais e insetos, além da compactação do solo, a erosão, a excessiva perda de água por escorrimento e o surgimento de voçorocas e assoreamento de rios e córregos que abastecem os centros urbanos . Com a erosão, o estado de São Paulo perde a cada ano 194 milhões de toneladas de terras férteis, sendo 40 milhões arrastados para o fundo de rios e lagos. Isso representa a perda de 20 cm de solo de uma área de 100.000ha (cerca de 500 fazendas de 200ha). Os nutrientes perdidos nessas terras, equivalem a US$200 milhões em fertilizantes.

Na realidade, introduzir conceitos e incorporar a dimensão ambiental e educacional em atividades de produção não é tarefa simples.

O agricultor maneja o agroecossistema e toma suas decisões em função de inúmeros fatores, desde os ligados à adequação da espécie a ser cultivada às condições do ambiente físico, até as dependentes de políticas de subsídios econômicos e de mercado. Desta forma, agroecossistemas não serão sustentáveis sem que se modifiquem os determinantes sócioeconômicos que definem o que é produzido, como é produzido e para quem é produzido.

E o futuro?

Uma das questões mais instigantes do momento é sem dúvida o que caracterizará a agricultura que vai emergir desse processo: um modelo novo de agricultura ou uma agricultura reestruturada a partir do veio ambiental?

A Agenda 21 resultado da Eco 92 sinaliza a direção. Para atingir a agricultura sustentável temos como requisitos básicos o enfrentamento de uma demanda crescente por produtos agrícolas, a busca da competitividade no mercado internacional, a procura por processos produtivos que favoreçam simultaneamente os indicadores ecológicos, econômicos e sociais no longo prazo, o equacionamento dos novos insumos representados pelos organismos geneticamente modificados e a oferta de amenidades ambientais.

O caminho deve ser o do modelo agroecológico. Este permite incorporar as três dimensões da sustentabilidade - ecológica, econômica e social - e possibilita a orientação do desenvolvimento agrícola de forma mais harmoniosa, além de viabilizar transição tecnológica que utilize sistemas de produção ambientalmente diferenciados, com redução de insumos químicos. As medidas complementares envolvem os incentivos para recuperação e preservação ambiental nas áreas rurais, respeito ao funcionamento dos agroecossistemas, incentivos para o efetivo uso do potencial natural das terras e programas de ciência e tecnologia voltados à sustentabilidade da agricultura e à satisfação das necessidades humanas do presente e das futuras gerações.

Mesmo com atraso relativo, a consideração da variável ambiental já é visível na agricultura, somente a agricultura orgânica, antes só nicho de produção para um pequeno segmento de mercado, representou, no ano de 2000, um volume mundial de negócios de cerca de US$20 bilhões/ano, com crescimento a taxas de 10% ao ano. Deve-se, portanto, buscar obstinadamente a implementação da agricultura sustentável: que conserva o solo, a água e os recursos genéticos animais e vegetais, minimiza a degradação do ambiente, cumprindo seu papel de gerar alimentos, bens e serviços.

Para caracterizar a urgência dessa busca, pode-se aproveitar a conhecida frase "pense global e aja localmente" e como desafio, completá-la com "pense no futuro e aja imediatamente".

João Paulo Feijão Teixeira é pesquisador científico do Instituto Agronômico de Campinas e aluno do Curso de Jornalismo Científico - Labjor/UNICAMP

Atualizado em 10/06/2001

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