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Setor de carnes no Brasil: os desafios para exportar

O Brasil é hoje o maior exportador de carne bovina do mundo, ficando em segundo lugar no setor de frangos e em quinto no de suínos. Mas essas posições no ranking mundial de exportações de carnes não são gratuitas. São resultados da constante adequação às mudanças tecnológicas e dos esforços concentrados para a promoção, certificação e qualidade da carne brasileira.

A concorrência também aumenta a necessidade de diferenciação, unindo aspectos ecológicos, econômicos, sanitários, estéticos, rastreáveis, enfim, tudo para conquistar o gosto dos consumidores e fatias cada vez maiores dos disputados mercados internacionais.

"O sucesso é visível e se deve à qualidade higiênico-sanitária do nosso produto, preço altamente competitivo e disponibilidade para fornecer, pelo menos enquanto o câmbio for favorável" afirmou o pesquisador Pedro Eduardo de Felício, professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, durante o Fórum de Agronegócios, realizado no dia 25 de setembro deste ano. "O grande feito do Brasil não foi tornar-se o maior exportador de carne bovina do mundo, mas sim alimentar 170 milhões de brasileiros com 35 a 40 kg de carne ao mês e, além disso, exportar mais de um milhão de toneladas", ressalta o pesquisador.

A carne mais vendida é do tipo resfriada sem osso, que vai para mercados europeus por aproximadamente US$ 3 mil a tonelada, explicou Felício. "Lá eles vendem essa carne por US$ 8 mil dólares. O restante eles embolsam para pagar os subsídios" completa. A questão amplamente discutida na última reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), realizada no início de setembro em Cancún, México. A proposta do Brasil consiste, de modo geral, na eliminação dos subsídios, redução em 25% das tarifas alfandegárias e um maior apoio interno aos agricultores.

Rastreabilidade: "Recall" de bois
Mas a carne brasileira já enfrentou grandes problemas para ser exportada, entre barreiras sanitárias e comerciais. Uma das medidas para reduzir as barreiras sanitárias, que já é adotada em países mais ricos, é o desenvolvimento de sistemas de rastreabilidade, que garantem uma maior segurança sobre a qualidade e sanidade do produto para os compradores. Desde o dia 15 de julho deste ano toda carne bovina exportada para a União Européia deve ser cadastrada no Sistema Brasileiro de Rastreabilidade Bovina e Bubalina (Sisbov), implantado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).

Para garantir a eficiência desse mecanismo é necessária, primeiramente, a correta identificação do animal, seja com técnicas manuais (brincos, marcas de ferro, tatuagens) ou eletrônicas, através de transponders (microchips), que podem ser inseridos nos brincos e colares ou implantados subcutaneamente. Recentemente foi lançada no país a identificação eletrônica através dos padrões dos vasos sanguíneos da retina.

Para validar todas as etapas do processo de produção, seja ele automatizado ou tradicional, utiliza-se a rastreabilidade. Assim, são levados em consideração dados como a data de nascimento do animal, origem, raça, data do abate, tipo de manejo e informações sobre a utilização de normas que respeitam o meio ambiente e bem-estar animal.

Outro ponto fundamental é a questão do controle de doenças, principalmente após episódios de febre aftosa e da encefalopatia espongiforme bovina, a doença da vaca louca, que, em 1996, atingiu os rebanhos europeus. O Canadá, por exemplo, já retaliou o Brasil por não oferecer garantias quanto à doença. Na verdade, o embargo canadense era de ordem comercial, por causa da vantagem brasileira no mercado de aviões, mas os fatos levantaram grande preocupação mundial com a segurança alimentar.

Como conseqüência, os organismos preocuparam-se em estabelecer alguns parâmetros para a produção dos alimentos, como é o caso das normas ISO. Elas determinam que a rastreabilidade (e a identificação) aconteça de forma planejada, sistemática e registrada, garantindo as informações referentes ao produto.

Novo nicho de mercado: as certificadoras
Os agentes responsáveis pela validação do sistema de identificação, coleta e armazenamento dos dados são as certificadoras. Estas empresas montarão seus próprios bancos de dados informatizados, que conterão informações sobre seus clientes, sobre as propriedades rurais e sobre os animais.

As certificadoras entrarão em contato direto com o Ministério da Agricultura, que por sua vez, possui um banco central de dados, onde mantém um cadastro nacional de todos os criadores dispostos e das empresas certificadoras que irão coletar as informações necessárias, além de um arquivo de fichas eletrônicas de cada animal inserido no programa de rastreabilidade, com um número serial único.

No entanto, "existe hoje uma grande confusão sobre esses conceitos. Os produtores, os técnicos e o Ministério estão perdidos, no sentido de definir melhor quem vai implantar, quem vai auditar e certificar", diz o professor da Esalq-USP, Iran José Oliveira da Silva. E ainda acrescenta: "na concepção de qualquer programa de qualidade, quem implanta e identifica não pode ser quem certifica".

A polêmica sobre o papel das certificadoras demonstra uma certa fragilidade na concepção do Sisbov. Alguns especialistas acreditam que o sistema só estará em pleno funcionamento dentro de alguns anos. "Algumas vezes a discussão inicia-se por sobre se há, inclusive, a necessidade de uma certificadora para avalizar o que o produtor já informa" diz o gerente de desenvolvimento técnico Marcio Ceccantini, da certificadora Adisseo.

Outra sugestão é que o próprio Governo é quem poderia se responsabilizar pela certificação. "Para registrar os animais no Sisbov é preciso pagar uma taxa para a certificadora, que opera como um cartório. É preciso ter uma alternativa de caráter público", pondera o professor Pedro de Felício. "Por que não chamar a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas)? Não há necessidade de se criar uma nova estrutura, nós já temos entidades funcionando e pagas pelo Governo", finaliza Iran Silva.

A desinformação de pecuaristas e técnicos também atrapalha o processo. Muitos ainda não entendem porque devem rastrear sua fazenda. Além disso, faltam órgãos extensionistas, de treinamento, ligados à universidade e centros de pesquisa que tenham contato direto com o produtor.

Por esses e outros motivos há quem considere que a rastreabilidade bovina no país ainda é uma utopia. "O Brasil se precipitou querendo oferecer o que não tinha e nem sabia se poderia obter, como de fato ainda não pode", expressa Pedro de Felício.

Aves e Suínos
No setor de aves e suínos ainda não há uma lei de caráter nacional que obrigue a rastreabilidade, mas as grandes empresas exportadoras já possuem um sistema próprio para atender aos mercados internacionais.

"O processo é auditado por certificadoras internacionais, de maior nível tecnológico que as brasileiras" diz Iran Silva. Segundo o professor, "na rastreabilidade avícola e suinícola as empresas estão na frente e o governo vindo atrás". Outra diferença em relação à bovinocultura é que a rastreabilidade é feita em lotes de animais, sendo que cada lote representa um número normalizado pela ISO.

Toda carne de frango brasileira exportada para a Europa tem que passar pelo teste da presença de nitrofurano, que é um antibitótico proibido no país desde maio de 2002. "O que nós percebemos é que, a cada teste realizado, criam-se novos sistemas de avaliação para impedir que nós exportemos nosso produto. É mais uma barreira comercial, de impedimento, do que de qualidade sanitária", conclui o professor Iran Silva.

Outro tipo de barreira comercial a que o frango brasileiro poderá ser submetido será em função do "frango transgênico". O farelo de soja é parte da alimentação do frango e juntos compõem uma indústria transformadora da cadeia vegetal para a animal. Segundo a pesquisadora da Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp, Irenilza Nããs, com a Medida Provisória que autoriza o cultivo e a comercialização da soja transgênica no Brasil, "nós vamos perder 38% do frango que exportamos", pois essa fatia do mercado vai para a EU, que não aceita os produtos transgênicos, avalia.

Hoje, 44 países que rejeitam os trangênicos ou exigem a rotulagem (entre eles os da União Européia) exigem que tanto o grão quanto o animal alimentado com o grão sejam marcados. "Olha que situação complicada! Quando o pessoal está pensando em salvar a pele de dez produtores lá no Rio Grande do Sul não está nem imaginando o tamanho do estrago que vão fazer na cadeia da avicultura", destaca Nããs.

Segundo alguns técnicos de nutrição animal, os fatores genéticos dos grãos se dispersam no trato intestinal do animal, ou seja, não existe a denominação frango ou suíno transgênico, a partir da alimentação com soja ou milho modificados.

"Não vejo grande problema nesse processo e muito menos que perderemos mercados em função disso", diz o analista Paulo Molinari, do site de economia rural Safras & Mercado. "Se houver algum tipo de restrição dos importadores será pura e simplesmente por oportunidade de impor mais uma restrição, além das sanitárias e tarifárias", finaliza.

 

Lei do Bioterrorismo
Em 12 de junho de 2002, o presidente George W. Bush assinou a Lei de Segurança da Saúde Pública em Resposta ao Bioterrorismo, que envolve uma série de normas restritivas à entrada de produtos importados em território americano.

De modo geral, a lei determina que os produtores estrangeiros terão que ter um agente nos Estados Unidos e deverão observar princípios muito mais rigorosos nos avisos prévios, guarda e registro de documentos. Além disso, a rotulagem e a fiscalização serão muito mais rigorosas.

A nova legislação, criada por conta dos atentados de 11 de setembro, incidirá sobre alimentos e bebidas (exceto produtos a granel e carnes, que já têm leis próprias) importados de todos os países pelos norte-americanos.

Os detalhes da lei estarão disponíveis somente em 12 de outubro. A partir desta data, as empresas poderão se cadastrar como exportadoras nos Estados Unidos, possivelmente por email. Cada empresa terá de buscar as próprias formas de se adaptar às regras. O governo disponibilizará informações aos interessados pelo Inmetro, INPI e pela própria Camex.

"Eu torço para que o próprio norte-americano perceba que eles estão criando uma burocracia infernal, pois eles mesmos não vão dar conta de fiscalizar e acompanhar todo o processo" diz o assessor especial da Câmera do Comércio Exterior (Camex), Aloísio Tupinambá Gomes Neto.



(MP)
 
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Atualizado em 10/10/2003
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