Editorial:

Modelos e
Modelagens

Carlos Vogt

Reportagens:
Modelos matemáticos e simulações computacionais
Peixes transformados em números
Modelos desvendam crise da pesca
Empresas também utilizam modelagem
Modelagem na previsão do tempo e do clima
Simulações para proteger o meio ambiente
Auxílio da modelagem à medicina
Um caminho para a inteligência artificial
Algoritmo para ver futebol
Modelagem e música
Artigos:
Matemática para a produtividade
Miguel Taube Netto

Modelagem baseada em imagens
Paulo Cezar Carvalho

Átomo de Bohr, rato de laboratório...
Roberto Covolan e
Li Li Min
Modelagem aplicada à saúde pública
Hyun Mo Yang
Dinâmica de populacões: de angstroms a quilômetros, de íons a "sapiens"
Wilson Castro Ferreira Jr.
Poema:
Máxima mínima
Carlos Vogt
 
Fontes
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Peixes transformados em números

Comer peixe é bom (pelo menos muitos gostam). Preparar o peixe, cozinhar, fritar, adicionar temperos na medida certa, quase todos conseguem fazê-lo. Capturar o peixe já é mais difícil. Criar o peixe, também não é fácil. Não é à toa que o consumo do pescado no mundo tem aumentado nos últimos anos muito mais que a produção. Por isso, torna-se necessário buscar alternativas para a atividade pesqueira, bem como planejá-la melhor. Como o setor pesqueiro extrativo apresenta sinais de saturação, a aquicultura (cultivo de organismos aquáticos) tem sido apontada como a única forma de acompanhar a crescente demanda por produtos pesqueiros. No entanto, ela apresenta desafios. A tabela abaixo apresenta dados gerais sobre a produção de pescado mundial.

Produção mundial de pescado. Fonte: Organizaçào das Nações Unidas para agricultura e alimentação (FAO)
Produção
(milhões de toneladas)
1997
1998
1999
INTERIOR
Captura
7,5
8,0
8,2
Aquacultura
17,6
18,7
19,8
Total Interior
25,1
26,7
28,0
MARINHA
Captura
86,1
78,3
84,1
Aquacultura
11,2
12,1
13,1
Total Marinha
97,3
90,4
97,2
Total Captura
93,6
86,3
92,3
Total Aquacultura
28,8
30,9
32,9
Total da Produção
de pescado mundial
122,4
117,2
125,2

Por um lado, a pesca extrativa está sendo fortemente afetada pela diminuição dos estoques pesqueiros comercialmente importantes. Por outro lado, a aquicultura vem enfrentando problemas para continuar se expandindo de forma sustentável, pois ela pode causar impacto ambiental.

Segundo o professor do Instituto de Biociências da Universidade Paulista (Unesp), Campus de Rio Claro, Miguel Petrere Jr, desde o início do século XX já existiam evidências de que alguns estoques pesqueiros estavam sendo afetados pela sobrepesca. Desde aquela época já se pescava muito mais do que se nasciam peixes: "No fim do século XIX havia um peixe parecido com um linguado chamado Turbot, que já dava sinais de sobrepesca". Hoje, este peixe é muito raro e foi o primeiro estoque pesqueiro que teve uma extinção comercial. A extinção comercial de estoques pesqueiros não significa que as espécies não existam mais, mas que a densidade de peixes no estoque é tão baixa que torna a captura economicamente inviável.

Para manejar os estoques pesqueiros, a modelagem matemática tem sido uma ferramenta cada vez mais utilizada. Segundo Petrere, essa foi uma das primeiras aplicações da modelagem. Na aquicultura, a complexidade dos problemas demanda estudos com modelos que integrem os componentes biológicos, físicos, ambientais e, atualmente, sócio-econômicos. Para que a produção de produtos pesqueiros aumente, atendendo à crescente demanda mundial, são necessários avanços para melhor manejo dos estoques, redução do descarte, consumo de espécies não consumidas usualmente e intensificação da aquicultura.

Na opinião de pesquisadores, a modelagem matemática é uma ferramenta importante para aumentar racionalmente a produção de pescado. Eles encontram, no entanto, obstáculos para a previsão das respostas biológicas a variações físicas do ambiente. Muitos fatores, na verdade, são levados em consideração. Por exemplo, para o manejo do estoque de bacalhau do nordeste do Ártico, têm de ser observados o potencial reprodutivo da espécie, a alimentação, o crescimento, a temperatura, as relações entre temperatura e recrutamento e o canibalismo. É necessário colocar todas estas variáveis juntas em uma visão integrada e a modelagem matemática pode gerar algumas respostas para o manejo deste estoque em várias condições.

Modelos complexos de simulação têm sido empregados em várias partes do mundo para manejar estoques pesqueiros. Existem muitos tipos de modelos, que variam de simples sistemas de equações diferenciais para modelar a interação presa-predador a modelos complexos, que consideram as interações entre tamanho, idade, maturidade sexual, entre outros. Os modelos podem ser utilizados para simular melhores manejos dos estoques pesqueiros ou então para aumentar nossos conhecimentos sobre as interações biológicas no ecossistema.

Miguel Petrere explica que para fazer uma modelagem matemática e manejar estoques pequeiros afetados pela sobrepesca é importante considerar os dados de captura e esforço de pesca, ou seja, tudo o que é investido em termos de trabalho para capturar o peixe (número de barcos operando na frota, quantidade de combustível, entre outros). Desta forma, quando um barco pesqueiro desembarca sua produção nos portos ou entrepostos pesqueiros, são tomados dados dos peixes capturados, como comprimento e peso. Os dados coletados nos desembarques são analisados e fornecem informações para o manejo dos estoques. O problema, no caso do Brasil, é que o sistema de coleta de dados é muito precário, dificultando a execução destes modelos.

Em relação à aquicultura, a modelagem matemática também pode ser utilizada para aumentar sua produtividade pois os modelos de simulação podem ser um excelente método para avaliar e refinar técnicas de manejo em muitos tipos de sistema de produção. A modelagem pode também ser uma ferramenta importante para avaliar os impactos econômicos e ecológicos desta atividade produtiva. Como, geralmente, é possível ter maior controle das variáveis envolvidas na aquicultura do que na pesca extrativa, pode-se desenvolver modelos matemáticos mais precisos.

Existem vários exemplos interessantes do uso da modelagem matemática em aquicultura, como os modelos desenvolvidos para reduzir o volume de descarga de efluentes nas fazendas de bagres do canal nos Estados Unidos ou o modelo desenvolvido pelo Departamento de Engenharia Biológica e Agrícola dos EUA para simular as concentrações de matéria orgânica em viveiros de aquicultura situados em regiões tropicais.

O sucesso de um modelo matemático resulta da capacidade de representar e manipular o conhecimento qualitativo e quantitativo das variáveis envolvidas e as formas de interação entre elas. Por isso a modelagem é um método de resolução de problemas multidisciplinar, que exige o trabalho conjunto de engenheiros, matemáticos, economistas, biólogos e outros.

Petrere explica que atualmente os modelos matemáticos em aquicultura têm enfrentado um novo desafio: o de introduzir as variáveis sócio-econômicas no processo de modelagem. Estas variáveis, aparentemente subjetivas, "ao final do dia viram todas números que são utilizados nos modelos " Os viveiros ou tanques onde os peixes são mantidos até atingirem o peso de abate, são sistemas complexos, onde os fatores bióticos (como peixes, algas e vários microrganismos) e abióticos (como vento, chuva, incidência solar) estão em constante interação. Como é possível considerar tantos fatores, e modelar as interações entre fenômenos biológicos que são muitas vezes imprevisíveis?

O que ocorre é que muitas variáveis são propositadamente ignoradas, como esclarece Lourival Costa Paraiba, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) / Meio Ambiente. O importante é que sejam utilizados nos modelos os fatores que realmente interessam. Com esses modelos, alimentados pelos dados conseguidos por especialistas das várias áreas, é possível realizar testes. "Os modelos são observados para ver se há uma correspondência com a realidade. Se houver, significa que o modelo está coerente. Se não, ele deve ser corrigido. O modelo é algo dinâmico, simples ou complexo, tem variáveis que sempre são ignoradas", explica Lourival Costa.

Mesmo ignorando muitas variáveis, o avanço do conhecimento científico das ciências pesqueiras e o entendimento de novas interações, têm aumentado cada vez mais o grau de complexidade da modelagem dos fenômenos. Segundo Miguel Petrere, a modelagem matemática pode maximizar a produção pesqueira, mas esse é um processo que tende a se tornar cada vez mais complexo. Apesar do avanço científico, ainda estamos muito longe de compreender todas as variáveis envolvidas. Existem áreas nebulosas onde ainda não conseguimos penetrar porque ainda não conhecemos o suficiente: "Hoje existe um estoque de Bacalhau na Terra Nova que em 1995 começou a dar sinais de que estava desaparecendo. O estoque afundou e nós não sabemos porque. Mesmo sendo uma pesca manejada de forma mais ou menos sustentável há mais de 100 anos! Não sabemos se essa foi uma flutuação natural do estoque, se foi um fenômeno natural incontrolável, como um inverno muito rigoroso, ou se foram vários fatores associados ao excesso de pesca", pondera o pesquisador.

No Brasil, os modelos matemáticos ainda não são amplamente utilizados para a aquicultura, o que provavelmente será modificado nos próximos anos como consequência do desenvolvimento da aquicultura nacional. A modelagem matemática aplicada a producão pesqueira tem alcançado resultados concretos, porém, a falta de conhecimento sobre as interações das variáveis envolvidas ainda é a causa de muitos insucessos.

(JS)

 

Atualizado em 10/02/2002

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