Apresentação

Por Angelina Zanesco

Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força, tão paradas e frias e mortas; eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil:
 – Em que espelho ficou perdida a minha face?
Cecília Meireles

Essa edição da revista ComCiência tem por objetivo despertar no(a)s leitore(a)s que o tempo passa muito rápido, como diz a poesia de Cecilia Meireles, e quando percebemos somos chamados ou categorizados de idosos/idosas, e isso nos causa uma certa estranheza associada com a surpresa de que o tempo passou. Às vezes, ou frequentemente, “o idoso/idosa é o outro e não eu próprio”, o que em psicologia parece ser um comportamento negacionista, palavra tão em moda atualmente. Plagiando um filme: É preciso falar do envelhecimento, suas consequências e como podemos enfrentar essa mudança sociodemográfica de uma maneira estratégica e inteligente.

Comecemos pelo que se define idoso/idosa: para a Organização das Nações Unidas (ONU, 1982), o ser idoso difere entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento. Nos primeiros, são consideradas idosas as pessoas com 65 anos ou mais, enquanto nos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, são idosos aqueles com 60 anos ou mais. Assim, o Prof. Dr. Jorge Felix aborda nessa edição, através da gerontologia crítica, a dissonância cognitiva de nossos governantes com relação às políticas públicas de uma cidade amigável à população idosa, destacamos as medidas recentes da prefeitura e do governo do estado de São Paulo, “que por meio de artimanha legislativa antidemocrática, cancelou a gratuidade de transporte público para o segmento de 60 a 64 anos, em janeiro de 2021”. Mesmo que no estatuto do idoso essa questão fique a critério da legislação local, essa medida mostra o quão despreparada a sociedade se encontra na defesa de seus direitos já conquistados.

Outro ponto que é destacado é o envelhecimento ativo/saudável, e que através de dois textos discute-se “a participação da população idosa na sociedade precisa estar nas metas de cada município. Destacamos aqui a importância de ser fisicamente ativo e para isso os governantes precisam tornar os espaços urbanos mais amigáveis para as práticas de atividade física e de lazer, prevenindo a maior incidência de doenças, mas também o ageismo e o isolamento social, bases de muitas doenças no envelhecimento”.

É preciso valorizar os conhecimentos e a experiência das gerações mais velhas. São olhares fundamentais para a preservação da memória das cidades, entre outras importantes funções. É o que destacam as professoras doutoras Bibiana Graeff, Simone R da Silva e Tathianni C da Silva em seus textos e depoimentos.

Cabe ainda enfatizar o papel das instituições educacionais nesse processo do envelhecimento saudável e as políticas públicas, como ressalta a professora Bibiana Graeff, “uma política para instituir a educação gerontológica precisa ser pensada”. Dentro desse contexto, é importante destacar a interação universidade-sociedade.

No sistema de pós-graduação gerenciado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) existem pelo menos 12 programas de pós-graduação strictu sensu que abordam o envelhecimento e/ou gerontologia, ou seja, estamos formando profissionais que pensam o envelhecimento como temática central. No entanto, nosso sistema de pós-graduação ainda é engessado, e a interação entre os programas dá-se mais por iniciativas individuais do que por planejamento estratégico.

Considerando que nesse (des)governo os ministérios inexistem e, consequentemente, o gerenciamento dos programas de pós-graduação está em período sabático, é uma grande oportunidade para que a interação academia-sociedade aconteça, através de iniciativas que envolvam atividades com as diferentes esferas da sociedade e elaboração de projetos que possam gerar mudanças sociais para a população idosa – e menos artigos em revistas com classificação qualis, que, quando são lidos, têm pouca expressão na vida real.

Em nossos múltiplos espelhos de nossa vida é preciso enxergar essa nova face e saber que envelhecer é um privilégio. A sociedade precisa encarar esse novo espelho e enfrentar os seus desafios, definindo políticas públicas de maneira estratégica e inteligente para esse fenômeno demográfico.

Angelina Zanesco é pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde e Meio-ambiente da Unimes e pesquisadora colaboradora do Labjor/Unicamp. angelina.zanesco@gmail.com