Depois da faculdade, o desemprego

Por Beatriz Guimarães

Cresce o número de jovens com graduação, mestrado e doutorado no Brasil, mas faltam oportunidades de trabalho para absorver essa mão de obra qualificada

Quando Mariana Cosenza prestou o vestibular para ciências sociais, ela tinha a intenção de, no futuro, trabalhar no setor de recursos humanos de uma grande empresa ou atuar como pesquisadora numa universidade ou em institutos de pesquisa como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Depois da graduação, ainda não se sentia preparada para exercer a profissão de cientista social e partiu para o mestrado na tentativa de complementar os estudos.

Sem bolsa, se viu obrigada a buscar um emprego que a mantivesse durante esse período de pós-graduação. Chegou a passar num concurso para professora da rede estadual de ensino, mas sem perspectivas de ser convocada tão cedo. “Mandava currículo, principalmente para grandes empresas. Comecei a procurar concursos públicos na minha área, mas eram poucos. Aí foi um dos primeiros choques”, conta. As poucas vagas que encontrava para cientistas sociais exigiam que o candidato já tivesse um ou dois anos de experiência. “Meu Deus, não acho nada na minha área, como vou ter experiência de dois anos para me candidatar a essa vaga? Foi virando uma bola de neve”.

A situação vivida por Mariana não é incomum. São vários os jovens brasileiros que, após a graduação ou mesmo a pós-graduação, enfrentam dificuldades para encontrar um emprego na área para a qual tanto se prepararam. “Eu acho que as escolas, especialmente as particulares, criam uma ilusão de que é só você fazer a sua parte que você vai passar numa universidade pública e, com isso, seu futuro estará garantido. Ninguém fala da segunda parte. Não conta o ‘lado B’”, diz.

Depois de muita procura, decidiu tentar vagas fora de seu campo de formação e acabou sendo contratada em uma agência de viagens, emprego que ela mantém ainda hoje, já mestra em ciências sociais. “No começo eu me sentia muito envergonhada por estar trabalhando como vendedora. Eu pensava: ‘estudei numa universidade pública, cursei um mestrado, e estou trabalhando como vendedora?’. Hoje não penso mais assim, tenho outros olhos. Entendo que nenhum emprego é mais ou menos digno”, conta. Ela diz ainda que, no início, pensou que o emprego seria provisório, até que encontrasse uma oportunidade para trabalhar como cientista social. Mas, com o tempo, percebeu que seria difícil encontrar uma vaga nessa área com a estabilidade e o salário equivalentes ao que já havia conquistado nesses quatro anos como agente de viagens.

Nas últimas duas décadas, a quantidade de universitários com idade entre 18 e 24 anos aumentou de 1 milhão para mais de 4 milhões, de acordo com dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE. Os números contrastam com os dados recentes sobre o desemprego entre os jovens brasileiros. Se comparados o segundo trimestre de 2014 com o mesmo período de 2018, a taxa de desocupação da população com idade de 18 a 24 anos foi de 15,3% para 26,6%. Entre a população de 25 a 39 anos, a taxa foi de 6,3% para 11,5%.

Quando se pensa na esfera da pós-graduação stricto sensu (mestrados e doutorados), o quadro é igualmente contrastante. A quantidade de programas de pós-graduação no país cresceu 25% entre 2013 e 2016, de acordo com a avaliação quadrienal da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), do Ministério da Educação. Entre 1996 e 2014, o número de mestres e doutores no Brasil cresceu 379% e 486%, respectivamente, segundo pesquisa do CGEE (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos). Entretanto, o mesmo estudo indica que, em 2014, apenas 65,8% dos mestres e 75,5% dos doutores estavam formalmente empregados, revelando a baixa absorção desses profissionais no mercado. Vale notar, porém, que parte dos mestres classificados como sem emprego formal poderiam estar, à época da pesquisa, cursando o doutorado e recebendo bolsa-auxílio.

Para Diogo Helal, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco e professor do Centro Universitário UniFBV, em Recife (PE), há uma ideia equivocada que individualiza o processo de inserção do jovem no mercado de trabalho, como se a tarefa de encontrar um emprego dependesse apenas dos atributos de cada um. “É importante que se pense naquilo que não depende do jovem. No Brasil, desde do final dos anos 1990, aumentou a oferta do ensino superior e também cresceu o número de jovens no ensino superior, mas isso não foi acompanhado de um aumento nas oportunidades no mercado de trabalho”, explica.

Segundo ele, essa disparidade gera o chamado mismatch (em português, um descompasso ou incompatibilidade), quando jovens com ensino superior completo se veem obrigados a ocupar cargos de nível médio por não encontrarem oportunidades em suas áreas de formação, como foi o caso de Mariana. “Esse fenômeno mostra um desequilíbrio e uma precarização do mercado de trabalho. Isso é reforçado pelo o que eu chamo de cultura bacharelesca: no Brasil, as pessoas buscam o ensino superior na expectativa da mobilidade social e da obtenção de emprego, o que nem sempre se torna realidade”, diz Helal.

Para além de problemas estruturais, como o desemprego e a precarização do trabalho, existem inseguranças particulares que afligem os jovens na hora de procurar um trabalho após a graduação ou pós-graduação. Uma das preocupações é a de não corresponder à alta qualificação exigida em grande parte das vagas de emprego disponíveis. Na visão de Marúcia Bardagi, professora do curso de psicologia da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e especialista em orientação de carreira, tais demandas fazem com que os jovens pensem que não estão prontos ou que seu conhecimento não é suficiente para conquistar a vaga que desejam.

“Muitas vezes, os jovens têm dificuldade de ‘traduzir’ o seu percurso acadêmico – estágios, cursos, monitorias, pesquisas – em um conjunto de habilidades e competências e em uma narrativa pessoal de formação que faça sentido”, diz a pesquisadora. Ela explica que, quando o jovem sai da graduação, pode olhar para trás e pensar que os anos de faculdade foram apenas um conjunto de atividades desconexas, sem efeito prático, o que não é verdade. “A ideia de que um aluno sai da universidade sem saber nada e sem condições de trabalho é falsa. Cada um tem uma história pessoal de formação. O que acontece é que, muitas vezes, as próprias universidades e cursos não promovem espaços para essa discussão e essa “tradução”, completa.

Carreira: uma questão de classe

Tanto Helal como Bardagi ressaltam que é preciso observar as diversas realidades possíveis quando se fala da relação entre os jovens e o mercado de trabalho, especialmente em um país de desigualdades sociais como o Brasil. “Vivemos em um país e em uma situação laboral que, de forma geral, não permite à maior parte de seus trabalhadores pensar em satisfação pessoal ou vocação – chamo de identificação com a tarefa –, pois estão preocupados com a subsistência própria e de suas famílias”, pontua Bardagi. “Dentre aqueles que são privilegiados em poder escolher as áreas em que vão atuar, acho que tem havido uma discussão maior sobre os aspectos pessoais envolvidos no trabalho: a qualidade de vida, as questões do conflito trabalho-família, a identificação pessoal com a carreira e a tarefa, e os sentidos atribuídos ao trabalho”, comenta.

Para Helal, é preciso considerar que “tem, sim, um jovem incluído no ensino superior, que fala mais de uma língua, que pode pensar em uma carreira e ter experiências fora. Mas é o contexto da menor parte dos jovens. Outra coisa é pensar no mercado de trabalho para o jovem que é mais numeroso no brasil: o de classe mais baixa, cuja renda contribui para a família”. Segundo ele, essas duas realidades distintas resultam em uma geração composta por jovens com dois tipos de trajetória: aqueles que trazem na bagagem uma alta qualificação, mas têm pouca experiência profissional, e aqueles que não possuem formação qualificada, mas desenvolveram competências a partir de suas diferentes experiências no mercado. “As duas coisas são importantes”, diz o pesquisador.

Outro ponto que se pode levar em conta é a mudança no modo de olhar para a carreira profissional ao longo das gerações, especialmente nas classes média e alta. Helal explica que os jovens das décadas de 1960 e 1970 pertenciam a um contexto mais linear e previsível. “O jovem entrava na escola e depois, se possível, ia para o ensino superior. Já na saída do ensino médio ou superior, você tinha muito rapidamente a entrada no mercado do trabalho. E geralmente se passava muito tempo numa mesma empresa, até se aposentar”, descreve. Por outro lado, segundo ele, o jovem de classe média ou alta de hoje tende a valorizar mais a formação e as vivências pessoais do que a chance de estabilidade, empurrando a entrada no mercado de trabalho para depois da graduação ou da pós-graduação. “A literatura tem chamado de prolongamento da adolescência. O marco de transição para a vida adulta, que antes era em torno dos 20 anos, tem acontecido cada vez mais tarde”, completa Helal.