Distração

Por Carlos Vogt

No Dicionário de Filosofia, de Nicola Abbagnano (Martins Fontes, São Paulo, 1998), no verbete dedicado à distração (p. 291) lê-se, como é próprio de sua organização, as formas da palavra no latim distractie, no inglês distraction, no francês distraction, no alemão Zerstreutheit e no italiano distrazione.

Passando aos significados anota: “ 1) condição em que a atenção é distanciada das ideias ou das ocupações dominantes e voltada para outras coisas”.

Cita, em seguida, Kant que em Antropologia de um ponto de vista pragmático (Iluminuras, São Paulo, 2006, original de 1798) observa, segundo Abbagnano, que “é fraqueza, mais do que força de espírito, não poder separar-se de alguma coisa a que se deu grande atenção durante muito tempo: fraqueza que, se habitual e voltada para o mesmo objeto, pode degenerar em loucura. Portanto a distração, como divertimento do espírito, é condição de saúde mental. Por outro lado, a distração constante confere ao homem a aparência de sonhador e o torna inútil à sociedade. Nesse sentido a palavra equivale a divertimento. 2. O contrário da atenção: atividade seletiva malograda ou deficiente em relação aos objetos de um campo.”

Desse modo e considerando essas duas acepções gerais, o campo semântico da palavra distração é grande e uma simples olhada num dicionário da internet permite listar mais de cinquenta associações e comutações possíveis.

Assim:

abstração abstraimento alheação alheamento bobeada descuido desatenção esquecimento lapso vacilada desleixo divertimento indiferença passatempo abandono bochinche cochilo desaplicação descaso deseuramento desleixação desleixamento desleixo desmazelo displicência inadvertência incúria indigência negligência omissão preguiça relaxação relaxamento relaxidão brincadeira brinco desenfadamento desenfado diversão entretém entretenimento entretimento recreação recreio refocilamento  solaz  espetáculo  jocosidade  patuscada  apatia  ataraxia  desinteresse frieza  impassibilidade  insensibilidade  desprezo  jogo  lazer.

Olhando mais de perto essas palavras, vê-se que, na verdade, elas se distribuem por dois campos semânticos que se aproximam e se distanciam pelos sinais trocados: em um, o das palavras que se agrupam em torno da acepção de “divertimento”, ele é positivo; no outro, nas palavras agrupadas em torno da marca da “desatenção”, o sinal é negativo, e pode, por extensão, conotar até mesmo “desprezo” e “estigma”.

O que será que quis, além de enunciar e anunciar um oportunismo inoportuno e desapiedado, dizer o ministro quando propôs em reunião do primeiro escalão do governo que este aproveitasse a distração das instituições e da sociedade, focadas na questão terrível da pandemia da covid-19, para passar o atropelo de leis e reformas – a boiada – contrárias ao bom-senso e aos princípios básicos da responsabilidade ética e social?

Certamente, não foi no sentido de “divertimento” que a distração foi mencionada, embora ele próprio parecesse se divertir com a proposta fora de propósito.