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Rodovias são obras de grande impacto

A escolha brasileira pelo transporte rodoviário traz, embutida, diversas conseqüências ambientais. Além do grande efeito poluidor dos gases liberados pelos escapamentos dos automóveis, há o impacto da construção das estradas que implica em retirada e transferência de enormes quantidades de terra, desmatamento, alterações na forma de escoamento das águas, assoreamento de rios e expansão urbana associada.

A Rio-Santos é um exemplo de como a construção de rodovias pode ser de grande impacto para o meio ambiente. Ela foi construída na década de 1970, época em que os estudos e relatórios de impacto ambiental (EIA/Rima), que avaliam os possíveis impactos ao meio ambiente de grandes obras, ainda não eram obrigatórios. Segundo Carlos Joly, botânico da Unicamp, a obra afetou as restingas, um tipo de vegetação característico de transição entre a praia e a Mata Atlântica de encosta, em todo o entorno da estrada. "A construção da Rio-Santos alterou todo o regime de drenagem dessas áreas. Se tivessem feito um estudo de impacto ambiental prévio, a estrada poderia ser construída de outra forma, garantindo um sistema melhor de escoamento das águas e preservando as restingas", afirma Joly.

Os EIA/Rima pode alterar o traçado de rodovias e até impedir a sua construção em determinados trechos. Além disso, obras mais recentes ainda podem se beneficiar de novas tecnologias desenvolvidas que garantem um menor impacto ambiental na construção, como é o caso da Rodovia Imigrantes, em São Paulo (ver texto sobre litoral).

Outro caso recente, também em São Paulo, é implantação do Rodoanel. Concebido com o intuito de desviar grande parte do trânsito das marginais paulistanas para um anel que contorna a metrópole em pontos ainda mais distantes, seu EIA/Rima traz diversas polêmicas. Uma das principais discussões se refere aos trechos que, segundo o documento, passariam por áreas de mananciais (locais com grande concentração de água subterrânea e aflorada, geralmente o início da formação de vários riachos e rios), atingindo em cheio o já difícil abastecimento de água da região metropolitana.

Entre as áreas afetadas estariam os reservatórios das represas Billings e Guarapiranga. No relatório de análise do EIA/Rima pela Secretaria do Verde da Região Metropolitana de São Paulo (SV-RMSP), além das possibilidades de erosão, assoreamento e alterações na turbidez da água (que provoca mudanças na quantidade de luz que chega às plantas e animais, alterando seu ciclo de vida), a expansão urbana é também indicada como uma séria conseqüência da implantação da estrada nesses locais. Outros fatores citados nessa análise são a possibilidade do aumento da motorização e do transporte individual, que vão ao encontro de alternativas consideradas ambientalmente sustentáveis como a melhoria dos sistemas de transporte coletivo e a idéia do transporte "solidário".

Por outro lado, a otimização dos sistemas rodoviários (como é o esperado com a implantação do Rodoanel) pode resultar em um encurtamento de distâncias, redução do número de viagens e aumento da velocidade média, podendo haver, conseqüentemente, em uma redução do consumo de combustível e da poluição ambiental.

As discussões acerca da importância dos EIA/Rima levam a outro importante ponto: é preciso conhecer em profundidade as áreas que poderão ser atingidas para que as decisões acerca de traçados, tecnologias de construção e limite de tráfego possam ser tomadas com propriedade. Um bom EIA/Rima depende não só de um estudo de campo bem feito, mas também de informações já disponíveis na literatura e em estudos anteriores que permitam comparar o impacto nas diferentes áreas a escolher e caminhos a seguir.

Algumas pesquisas estão desenvolvendo mecanismos para facilitar esses estudos. É o caso do trabalho da pesquisadora Marinez Ferreira de Siqueira, do Centro de Referência em Informação Ambiental (CRIA), que trabalha com modelos ambientais para analisar a distribuição de espécies. Esses modelos são criados a partir dos dados ambientais (clima, vegetação, topografia, entre outros) de pontos onde se sabe que a espécie ocorre. A partir desses dados, o modelo pode identificar outros pontos com a mesma característica ambiental e, portanto, passíveis de possuírem a espécie estudada.

Ferreira está trabalhando com alguns modelos para a Bacia do Médio Paranapanema, em São Paulo, com a distribuição de 28 espécies representativas do Cerrado da região, procurando verificar áreas de possível ocorrência conjunta das 28 espécies e áreas onde nenhuma delas apareceria. Com isso, algumas áreas foram escolhidas para visitas a campo afim de determinar quais devem ser consideradas essenciais para a conservação. "É preciso verificar a validade do modelo em campo quando estamos falando desse tipo de decisão, os modelos são facilitadores, uma coisa a mais para se agregar nas informações que o tomador de decisão tem em mãos, nunca se deve dispensar o trabalho de campo", ressalta Ferreira. O exemplo apresentado é, para a pesquisadora, "um indicador de que, se fosse passar uma rodovia, seria melhor escolher um traçado que passassem nas áreas sem a possibilidade de ocorrência dessas espécies do que nas de grande possibilidade de ocorrência".

Utilizando a metodologia de modelagem ambiental, Ferreira e outros autores publicaram no início de 2004 um estudo sobre os possíveis impactos das mudanças climáticas na vegetação. Apesar do enorme impacto da construção das rodovias colocado anteriormente, a emissão de gás carbônico pelos carros e sua influência nas alterações de temperatura da Terra, são considerados os grandes "vilões" dos problemas ambientais de nosso tempo.

Dentro do documento já citado da SV-RMSP a preocupação com a emissão de gases poluentes é explicitada na preocupação com seus efeitos diretos no Cinturão Verde (áreas de preservação ambiental que circundam a região metropolitana). Muito poucos estudos conseguem avaliar esse tipo de efeito, mas várias pesquisas vêm alertando para mudanças na biodiversidade que já vêm acontecendo como conseqüência das mudanças climáticas e da alta concentração de gás carbônico na atmosfera, e em locais bem distantes de grandes centros urbanos.

Um estudo publicado na revista Nature, em março de 2004, analisa mudanças na composição e dinâmica da vegetação de áreas na Amazônia central. As taxas de mortalidade, recrutamento e crescimento de árvores aumentou nessas áreas havendo, também, um aumento da densidade de certas espécies. Segundo os pesquisadores o aumento das concentrações de gás carbônico na atmosfera pode ser a explicação para essas mudanças.

(ES)

 
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Atualizado em 10/04/2004
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