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Admirável Nano - Mundo - Novo Carlos
Vogt I Há poucos meses atrás, o CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), ligado ao Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), lançou um folder contendo, resumidamente, 12 desafios da física para o século XXI. Poderiam ser outros e mais. No entanto, a limitação desses trabalhos ao número 12 dá-lhes um caráter hercúleo e amplifica as dificuldades para sua realização, ou, se realizados, enaltecem a força criativa dos físicos responsáveis e, por extensão do homem, em geral, diante da natureza e de seus enigmas, cada vez mais sofisticados. No caso,
esses enigmas aparecem tematizados e formulados sob a forma de perguntas
pertinentes.
Para cada uma dessas questões o folder traz um texto explicativo que procura orientar o leitor relativamente aos problemas nelas envolvidos. Entre esses problemas, alguns são mais teóricos e permanecem insolúveis desde o nascimento da física moderna, como, por exemplo, o da unificação em uma só teoria das forças eletro-magnética, fraca e forte, a que são sensíveis as partículas atômicas, e da força gravitacional, só pertinente para corpos macroscópicos. Outros são mais recentes e mais práticos, como o do computador quântico e o da manufatura de artefatos pela manipulação de átomos em escala nanométrica, isto é, numa escala de 1 bilhão de vezes menor que o metro ou 1 milhão de vezes menor que o milímetro, um espaço, pois, no qual cabem, no máximo, 10 átomos. II O ano de referência para o nascimento da nanociência e da nanotecnologia é o de 1959, ano em que no dia 29 de dezembro, no CalTech, Califórnia, o físico Richard Feynman proferiu, na Reunião Anual da American Physical Society, a palestra "There's plenty of room at the bottom" ("Há mais espaços lá embaixo"). Feynman anunciava ser possível condensar, na cabeça de um alfinete, as páginas dos 24 volumes da Enciclopédia Britânica para, desse modo, afirmar que muitas descobertas se fariam com a fabricação de materiais em escala atômica e molecular. Para isso todo um novo instrumental miniaturizado seria necessário para realizar essa "nanomanipulação" própria dessa nova ordem de produção industrial. Contudo, só nos anos 80 o visionarismo de Feynman começou a encontrar condições de apoio econômico e de investimento científico e tecnológico para começar a tornar-se realidade. Microscópios de tunelamento, de força atômica e de campo próximo permitiram avanços relativamente à manufatura molecular e atômica a ponto de, em 1989, a IBM, manipulando 35 átomos de elemento químico xenônio, conseguir escrever com eles a sua marca em uma placa de níquel. Desde então, os estudos vêm se desenvolvendo com sistemática regularidade e os governos de diferentes países têm incluído as nanociências e as nanotecnologias na agenda de prioridades de seus investimentos, sendo que em 1997, para que se tenha uma idéia, um conjunto de países, incluindo alguns da Europa Ocidental, os EUA e o Japão, já havia investido perto de 500 milhões de dólares em programas na área. Considere-se ainda que só na Alemanha funcionam hoje, pelo menos, 6 grandes centros de pesquisa no setor, a China investe fortemente na área de química, sem falar do programa americano que sozinho já investiu mais de 700 milhões de dólares e de importantes centros que têm a nanociência e a nanotecnologia como altas prioridades de seus programas de pesquisa e de desenvolvimento, como, por exemplo, o Foresight Institute dirigido pelo professor K. Eric Drexler. III O Brasil, que até agora investiu cerca de R$ 50 milhões em projetos no setor, dispõe da melhor infra-estrutura em nanociência e nanotecnologia da América Latina, segundo avaliação dos professores Cylon Gonçalves da Silva, coordenador do programa nacional de nanociência e nanotecnologia, do MCT, e Alaor Silvério Chaves, coordenador de nanociência de um dos 17 Institutos do Milênio, também do MCT. De fato, o CNPq ao lançar, há dois anos atrás, um edital para a formação das Redes Cooperativas de Pesquisa Básica e Aplicada em Nanociência e Nanotecnologia teve, pré-aprovadas, 12 propostas, vindas de São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Distrito Federal. Essas propostas, por determinação do próprio CNPq, acabaram se fundindo em 4 grandes redes assim distribuídas: Materiais Nanoestruturados, cuja coordenação ficou com o professor Israel Jacob Rabin Baumvol, do departamento de física, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Rede de Nanotecnologia Molecular e de Interfaces, coordenada pelo professor Oscar Manoel Loureiro Malta, do Centro de Ciências Exatas e da Natureza, da Universidade Federal de Pernambuco, (UFPE); Rede de Pesquisa em Nanobiotecnologia, com a coordenação do professor Nelson Eduardo Duran Caballero, do Instituto de Química, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo; Rede Cooperativa para Pesquisa em Nanodispositivos Semicondutores e Materiais Nanoestruturados, do Departamento de Física, da UFPE. A "língua eletrônica", na verdade um sensor polimérico, com aplicações nas indústrias de bebidas, de fármacos, de alimentos e na agroindústria em geral, foi desenvolvida na Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa) sob a liderança do pesquisador Luiz Henrique Capparelli Mattoso e envolveu ainda o Instituto de Física de São Carlos, a Escola Politécnica e o Instituto de Ciências, Matemáticas e de Computação, todos da USP, além do químico Alan MacDarmid, da Universidade da Pensilvânia, nos EUA. Outros projetos em nanotecnologia já mostram a aplicabilidade possível dos conhecimentos produzidos pelas nanociências, no Brasil. É o caso do projeto Desenvolvimento de Supermoléculas e Dispositivos Moleculares, financiado pela Fapesp e coordenado pelo professor Henrique Toma, do Instituto de Química, da Universidade de São Paulo (USP); o caso também do projeto sobre simulação em computador do processo de formações de fios de ouro compostos por uma só fileira de átomos, fundamental para a construção futura de nanomáquinas, projeto este de que participam os pesquisadores Adalberto Fázio e José Roque da Silva, do Instituto de Física, da USP e Edson Zacarias da Silva, do Instituto de Física, da Unicamp; o caso ainda do projeto coordenado pelo professor Paulo César de Morais do Instituto de Física da Universidade de Brasília (UnB) para a criação de nanoímãs que poderão ter papel importante nos programas de despoluição de águas por vazamento de petróleo. Já há empresas, como a Zyvex, americana, que trabalham com perspectivas de, nos próximos 10 anos, no máximo, estarem produzindo artefatos para os mais diversos campos de aplicação, que vão, potencialmente, desde a indústria de construção, de alimentos, de fármacos, de informática, de editoração, de armamento, até aplicações na medicina, na ecologia, nas tecnologias aero-espaciais, nas artes e nos programas de inteligência artificial. Esse admirável nano-mundo-novo está apenas se desenhando. Aqui, como em outras grandes transformações científicas e tecnológicas o sentimento é de medo e de esperança: medo pelo apocalíptico que a possibilidade de manipulação do átomo para fins industriais possa trazer à natureza e à vida no planeta; esperança pelas consequências positivas que esse conhecimento de fronteira possa gerar para a qualidade da vida em sociedade e pela qualidade de suas relações com o meio ambiente. Em um e em outro caso, a curiosidade pelo novo e a afirmação dos mitos de rompimento na eterna busca da decifração do mistério da vida. |
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Atualizado em 10/11/2002 |
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