Barra de navegação do site

Página inicial Carta ao Leitor Reportagens Notícias Entrevistas Resenhas Radar da Ciência Links Opinião Observatório da Imprensa Busca Cadastro Entrevistas

Entrevistas


Ciência e inovação tecnológica
Carlos Henrique de Brito Cruz

Energia deve ser discutida pelo lado do uso e não da oferta
Arsênio Osvaldo Sevá Filho

 

Entrevistas Anteriores

Ciência e inovação tecnológica

O reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Carlos Henrique de Brito Cruz, que a partir de março assumirá a direção científica da Fapesp, faz aqui uma reflexão sobre o estágio inovativo da indústria nacional. Discute sua competitividade e a responsabilidade da universidade brasileira para a geração de conhecimento novo. Para ele, o lugar privilegiado da inovação tecnológica é a empresa, enquanto a universidade é o lugar da educação e do avanço do conhecimento. O programa do álcool é, na sua opinião, um dos melhores exemplos de que o país tem competência em ciência e inovação tecnológica. Brito Cruz defende a retomada dos investimentos em álcool, energia renovável que colocou o país, nos anos 70, como referência mundial no setor.

ComCiência - Diante da nova realidade do setor energético brasileiro, onde o papel do Estado passa a ser regulador e fis-calizador e menos produtor e distribuidor de energia, a universidade brasileira, na sua opinião, está formando profissionais para atuarem na área de regulação e fiscalização dos mercados de energia e também na promoção de políticas voltadas para a inovação e a adoção de tecnologias eficientes e de uso racional de energia?
Carolos Henrique de Brito
Cruz - O problema não é tanto das especificidades curriculares, pois nas boas universidades, especialmente públicas, forma-se profissionais bem competentes e qualificados. Como você sabe, em quase qualquer área formamos pouca gente pois embora haja muitas universidades e cursos superiores, a parcela destes que forma bem é bastante limitada. Por isso temos duas dificuldades: uma que é o baixo percentual de jovens de 18 a 24 anos que vão a algum curso superior. Outra que é que destes que vão (deve ser uns 16%) uma fração menor ainda vai a cursos de engenharia, pois nas escolas privadas a maior parte dos cursos não é de áreas técnicas pois custam mais caro.

ComCiência - Como o senhor situa o Brasil em ciência, tecnologia e inovação?
Brito
- De um ponto de visto geral, o Brasil tem deficiência de pesquisa nas empresas, pouco desenvolvimento, pouca inovação. No Brasil temos uma deficiência grave, o que faz com que toda a nossa base em pesquisa e desenvolvimento seja baseada em universidade.

ComCiência - Isso acontece por que? Falta de percepção da indústria?
Brito
- Talvez já tenha sido por falta de motivação, quando a economia brasileira era muito fechada. Hoje em dia eu diria que a empresa não faz inovação porque ela não consegue. A economia brasileira é um ambiente hostil para esse tipo de atividade. O custo do dinheiro é muito alto, as regras da economia são muito instáveis, o governo muda a lei, um ano tem incentivo outro não tem. As empresas não aprenderam como fazer isso. Mas não são todas. Algumas aprenderam e fazem inovação. A WEG, de motores elétricos, aprendeu, desde o começo, que o caminho para ela se desenvolver é tecnologia. A Gerdau, a Embraer, a Petrobras, a Embrapa, a Itautec, por exemplo, são empresas que têm um esforço tecnológico bem impressionante para o tamanho que elas delas.

ComCiência - Mesmo com a estabilidade econômica, ainda é a universidade quem faz ciência e tecnologia no Brasil?
Brito
- A universidade também não está fazendo tecnologia. Ninguém está fazendo tecnologia no país. Faz algumas coisas, de vez em quando, mas estruturalmente, ninguém está fazendo. Tirando algumas exceções, a indústria compra tecnologia, ou seja, ela paga para outros para usar a tecnologia deles. O grosso da indústria do Brasil não tem competitividade, porque compra, se associada na tecnologia e aí está sempre para trás.

ComCiência - O que faria mudar esse quadro?
Brito
- A mudança desse quadro depende bastante de o Estado brasileiro criar condições mais favoráveis para o investimento em pesquisa e desenvolvimento por parte das empresas. E criar condições mais favoráveis vai desde garantir mais estabilidade, garantir a propriedade intelectual, fazer o INPI funcionar, ter um sistema judiciário que julgue rapidamente litígios de propriedade intelectual, até o estado brasileiro apoiar diretamente algumas empresas, especialmente nacionais.

ComCiência - Apoiar de que forma?
Brito - Apoiar com subsídio, com o poder de compra do Estado.

ComCiência - O país precisaria investir quanto para isso?
Brito - Precisaria algo em torno de R$ 3 bilhões por ano. Hoje, a parcela de dinheiro que o país investe em pesquisa e desenvolvimento vai quase toda para instituições acadêmicas. Isso deve ser em torno de R$ 10 bilhões por ano. O Estado precisaria por mais R$ 3 bilhões para fazer o subsídio, o poder de compra, várias ações de Estado para estimular a pesquisa na empresa. Com isso, a parcela do Estado ficaria sendo 1% do PIB. Só que esses R$ 3 bilhões devem ser aportados de forma que para um R$ 1 bilhão as empresas aportassem R$ 4 bilhões. Então o Estado coloca 3 e as empresas mais 12, de forma que quando a gente fizer a soma total, o Brasil vai gastar R$ 15 bilhões, ou 2% do PIB.

ComCiência - É isso que o governo Lula está prometendo fazer na área de ciência e tecnologia. É dessa forma que ele quer chegar a 2% do PIB?
Brito
- Eu não sei de que forma, mas ele fala que quer chegar a 2% do PIB em C&T. Eu acho que na cabeça dele é uma coisa de só o Estado fazer. Mas eu não sei. Eu nunca vi a estratégia para chegar a esse percentual.

ComCiência - O Brasil forma 7 mil doutores por ano. Se a indústria não está fazendo tecnologia, onde então esses doutores estão trabalhando?
Brito
- Nas universidades, como professores ou como pesquisadores bolsistas ou contratos temporários. Eu acho que é assim.

ComCiência - E isso é bom?
Brito
- Eu acho que não é bom. Eu imagino que uma parte deles não encontra emprego e vai fazer outras coisas.

ComCiência - O senhor tem defendido que o lugar da ciência é na universidade e o da tecnologia é na empresa. Por que a universidade não pode fazer tecnologia também?
Brito
- Não é que não pode. Eu acho que seria um erro. Fazer a inovação tecnológica é algo que só faz sentido se estiver conectado ao mercado, porque inovação é do mercado. E quem tem essa conexão é a empresa e não a universidade. A universidade não fabrica nada, não tem setor de reclamações, não tem setor de marketing, enquanto a empresa tem. Ela é o agente natural para fazer isso e é por isso que em todo o lugar do mundo quem faz inovação tecnológica é a empresa. Nesse processo de fazer, a empresa cria oportunidades e motivações para a universidade. Ou para a universidade contribuir em um projeto, ou para dirigir a sua pesquisa fundamental para resolver um problema que vai ajudar a empresa no futuro e usar as pessoas formadas nas universidades como pesquisadores. Não é que a universidade não pode fazer inovação; é que ela não tem a facilidade para fazer isso. A universidade tem a facilidade, a natureza certa para fazer educação e avanço do conhecimento. Por isso que o lugar da pesquisa básica é na universidade, que é financiada pelo Estado. E é o Estado que tem que financiar mesmo porque ninguém consegue se apropriar dos resultados. Ninguém é dono da Lei de Newton, ninguém ganha dinheiro porque descobriu a Lei de Newton.

ComCiência - O que o senhor pensa sobre o programa do álcool, mas analisando do ponto de vista da ciência e da inovação?
Brito
- O programa do álcool é um desses exemplos de uso de poder de compra e de influência do Estado para criar ambiente que estimule a inovação tecnológica na empresa. É uma pena que o Brasil tenha descontinuado e desestabilizado esse programa, porque é uma área onde o país criou uma capacidade tecnológica nos anos 70 que foi das melhores que existia no mundo. Ainda hoje a gente encontra, na literatura de energia, comentários onde as pessoas que defendem o uso da biomassa destacam que fazer um carro andar com álcool não é um absurdo, porque há um país na América do Sul que já fez isso com todos os seus automóveis em uma certa época e depois parou de fazer porque fez erros econômicos no programa. Não foram erros técnicos. Foi um programa interessante e o Brasil devia retomar isso porque ainda existe possibilidade boa para o país.

ComCiência - Que tipo de oportunidade o senhor visualiza?
Brito
- Não é uma oportunidade só do ponto de vista de mecânica, do automóvel, do motor. O programa do álcool estimulou que o país aprendesse a como fazer álcool eficiente, ou seja, como plantar cana que desse muito álcool. A cana do Brasil é a mais eficiente do mundo e isso é uma coisa importante. O programa do álcool é um exemplo bom de como o Estado pode criar condições para as indústrias se envolverem em desenvolvimento tecnológico. Quando o Estado bagunça com isso, a indústria se retrai e perde o bonde. Há muita coisa a ser feita, até porque há uma concordância de que existe boa chance de esse combustível renovável ser uma alternativa muito atraente. É uma área que o Brasil não devia perder mais oportunidade.

ComCiência - Que outro programa no setor energético, além do álcool, pode oferecer essa oportunidade de desenvolvimento científico e tecnológico?
Brito
- No momento eu estou achando que é o hidrogênio e célula combustível, que se relaciona com álcool, porque uma das fontes de onde se pode tirar o nitrogênio é o álcool. Isso é algo que também tem sido muito defendido e discutido. Isso já se faz, já está tecnicamente demonstrado, mas é preciso fazer economicamente. Já tem automóvel aqui na Unicamp. É uma área em que o Brasil deveria prestar atenção, porque uma das fontes de hidrogênio é o álcool. Pode ser que o país não se qualifique bem para entrar na tecnologia da célula de combustível. Mas eu conheço pelo menos duas empresas no país que desenvolvem essa tecnologia e querem fazer. Mas podemos entrar na tecnologia do reformador, como virar álcool em hidrogênio para entrar na célula. É outro caso onde o Estado deveria ter um programa para estimular as indústrias que estão desenvolvendo tecnologia, encomendando coisas deles.

ComCiência - Se as universidades têm soluções para otimizar a produção energética, o que falta então?
Brito
- Falta a indústria querer usar e pegar as soluções que as vezes na universidade estão embrionárias e usar a sua capacidade de pesquisa para virar alguma coisa e colocar no mercado. E para acontecer isso ela precisa de mais apoio do Estado.

Maria Teresa Costa entrevistou Carlos Henrique de Brito Cruz.

Atualizado em 10/12/2004

http://www.comciencia.br
contato@comciencia.br

© 2004
SBPC/Labjor
Brasil