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Senador defende equilíbio entre produção e preservação
João Alberto Capiberibe

Amazônia precisa de pesquisa de interesse nacional
Adalberto Val

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Amazônia precisa de pesquisa de interesse nacional

 

Ricardo Oliveira

A soberania de um país depende de seu poder de atuação e decisão sobre seu próprio território. De acordo com Adalberto Luís Val, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), o Brasil está perdendo a sua soberania porque não tem o domínio das informações produzidas com base no material científico coletado no território brasileiro. A afirmação foi feita pelo pesquisador durante o simpósio Expansão da pós-graduação e dos grupos de pesquisa na Amazônia: um projeto integrado, que sacudiu a 57ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada de 18 a 22 de julho, em Fortaleza. Na ocasião, Val concedeu uma entrevista exclusiva à ComCiência e falou sobre a importância da realização de pesquisas brasileiras na Amazônia para garantir a preservação da região e os interesses nacionais, e também da necessidade de maior participação de pesquisadores brasileiros nessas pesquisas.

ComCiência – Como é a regulamentação das pesquisas estrangeiras na Amazônia?
Adalberto Val -
As expedições estrangeiras realizadas no Brasil precisam ter autorização do governo brasileiro e os pesquisadores têm um visto especial para permanecer em território nacional para fazer pesquisa. Existe uma legislação no Brasil que exige um contraponto para cada atividade estrangeira de um grupo ou projeto de pesquisa estrangeiro, ou seja, é necessário que o país acompanhe as pesquisas de perto. Mas isso, na prática, não acontece, pois o Brasil não possui recursos humanos suficientes para acompanhar todos os trabalhos. Mesmo que muitos deles não necessitem de coleta, ou presença física em território brasileiro. Temos formado mais recursos humanos para acompanhar esses trabalhos, mas na prática ainda estamos defasados. O sistema de pós-graduação brasileiro cresceu a taxas superiores a 10 por cento ao ano na última década, culminando com a formação de mais de oito mil doutores em 2004, um número oito vezes maior do que a soma de todos doutores vinculados às IES [Instituições de Educação Superior] da Amazônia.

E é preciso mapear os trabalhos de pesquisa que estão sendo realizados atualmente para não perdermos o controle. Conforme apresentei durante minha conferência, no encontro da SBPC, no primeiro quadrimestre de 2004 foram publicados 452 artigos científicos sobre a Amazônia brasileira. Porém, apenas 100 desses trabalhos contam com pelo menos um autor com residência fixa no Brasil. Além disso, 78% das pesquisas sobre a Amazônia são produzidas por pesquisadores estrangeiros. Para piorar a situação, muito do material do tipo que é coletado ao longo das expedições científicas realizadas no passado está depositado em museus e instituições do exterior, o que resulta num custo adicional ao Brasil quando seus profissionais e estudantes precisam consultar esse material, pois é necessário se deslocar para esses lugares.

ComCiência – O senhor disse na sua conferência que existe pouca demanda por recursos financeiros na Amazônia porque existem poucos recursos humanos. O que leva ao pequeno número de pesquisadores na região?
Val -
O Brasil possui 2.850 cursos de pós-graduação em vigor. Desses, apenas 75 estão na região Norte do país. Além disso, a região conta atualmente com mil doutores em atuação, enquanto o Sudeste tem 30 mil. Em áreas de interesse estratégico regional, como a botânica, também estamos defasados. Por exemplo, existem apenas dois cursos de doutorado em botânica em toda a região Norte. As universidades federais precisam de no mínimo três vezes mais doutores do que já existe. Atualmente há na Amazônia menos profissionais do que seria preciso, de acordo com a infra-estrutura já instalada. Um exemplo disso é o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA), que foi instalado em 2002, mas não tem pessoal para trabalhar. É preciso mais recursos humanos e mais infra-estrutura, mais instituições de ensino e de pesquisa. Pelo menos mais uns “30 Inpas e Goeldis” [Museu Goeldi]. É preciso um esforço brutal para descrever o que se tem na Amazônia e quais são as suas potencialidades, mas com a quantidade de cientistas que se tem hoje na região, nem no próximo século vamos decifrar o que temos na Amazônia.

ComCiência - Faltam estímulos para o pesquisador brasileiro trabalhar na Amazônia?
Val -
Sim, o Brasil não conhece a Amazônia porque não há estímulo. As escolas de ensino médio e fundamental, por exemplo, apresentam apenas noções básicas de biologia tropical, e os alunos não são estimulados a aprender mais sobre a biodiversidade na floresta que engloba 60% do território nacional. Um exemplo que deu certo nesse sentido foi o projeto Provoc [Programa de Vocação Científica], que reuniu 30 estudantes de iniciação científica da Amazônia. Esses estudantes receberam apoio do CNPq para participar da Reunião da FeSBE [Federação de Sociedades de Biologia Experimental] em Caxambu, em 2001, e depois visitar laboratórios de pesquisa na região Sudeste. A maioria deles concluiu o mestrado e vários estão desenvolvendo programas de doutorado, estudando questões amazônicas, sob a orientação dos professores que os receberam durante a reunião. É preciso estimular e criar condições para que os jovens de todas as regiões se interessem pela Amazônia. E mais do que isto, é preciso pelo menos que os jovens conheçam o país em que vivem.

ComCiência - E como se pode estimular os pesquisadores e a pesquisa na região amazônica?
Val -
É necessário esforço e cooperação interna. A principal iniciativa é gerar condições estruturais e fundamentais, junto aos cursos de pós-graduação de todo o país. O que defendemos é a aceleração na formação de novos profissionais para atuar em conjunto na região. A perspectiva é triplicar o número de doutores em atuação na Amazônia até 2010. E esse é um dos objetivos do programa Acelera Amazônia, que tem como meta incentivar a criação de novos grupos de pesquisa na região. O programa pretende aumentar a produção científica e tecnológica na Amazônia por meio da formação de recursos humanos qualificados para atuarem de acordo com as necessidades específicas da região. No âmbito desse programa pretende-se criar um Fundo que financie entre outras coisas a mobilidade de pessoal entre as diferentes regiões, permitindo que ao fixar um profissional qualificado na Amazônia não se imponha a esse profissional o isolamento determinado pelas distâncias continentais.

É preciso construir blocos de pesquisadores que não contem apenas com bolsas de estudos, que duram pouco e não têm continuidade. É necessário contratar pessoal que se estabeleça na Amazônia, mas que ao mesmo tempo tenha mobilidade pelo Brasil. Atualmente, é mais fácil pesquisar em outros países do que na Amazônia. Há falta de informações e possuí-las significa ter soberania sobre a região.

ComCiência - Em maio deste ano foram divulgadas as imagens de um espaço desmatado na Amazônia que seria do tamanho do estado de Sergipe. A informação causou uma comoção internacional e em alguns jornais europeus a manchete era: “o Brasil não cuida da floresta do mundo”. Existe um sentimento generalizado de que a Amazônia seja uma floresta do mundo?
Val -
Existe sim um sentimento internacional de que a Amazônia não é do Brasil, mas do mundo. Isso porque o conjunto de ecossistemas que existe na Amazônia realmente só existe lá. Mas preservar a Amazônia floresta não pode ser apenas preservar a floresta – há na floresta pessoas, com sua cultura. Muitos profissionais estrangeiros afirmam que querem ajudar a proteger os recursos naturais e a floresta brasileira. Mas “ajudar” é apoiar a sociedade brasileira, não “explorar” os recursos da floresta unicamente. Por isso há tanto movimento contra as pesquisas realizadas na Amazônia. Muitas delas têm apenas interesse econômico. É preciso envolver esses profissionais em perguntas nossas, senão vamos apenas responder perguntas de outros países.

Outro ponto interessante é que, quando se pensa em questões internacionais, é preciso trabalhar junto. E a proteção da Amazônia como um patrimônio da humanidade, deve ser trabalhada em conjunto. A cooperação científica deve existir e é benéfica, mas tem de ser cooperação de fato, vista desta forma por todos os atores.

ComCiência - As pesquisas atuais se preocupam com a preservação do conhecimento tradicional?
Val -
Deveriam, mas na prática isso é muito difícil. Uma série de produtos e processos nasce do conhecimento das florestas tropicais pelos seus moradores tradicionais, mas os benefícios são apenas dos países que investem na produção do conhecimento. Isso acontece porque só o último elo da cadeia de conhecimento gera patentes e lucro. O conhecimento tradicional é valoroso e tem destaque nessa cadeia. Na prática, a proteção do conhecimento tradicional e a repartição dos benefícios vindos dele cabem ao CGEN (Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, que faz parte do Ministério do Meio Ambiente). Mas, na verdade, ainda é preciso estudar mais para melhorar a proteção do conhecimento tradicional.

Atualizado em 10/07/2005

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