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Amazônia precisa de pesquisa de interesse nacional
Adalberto Val

Senador defende equilíbio entre produção e preservação
João Alberto Capiberibe

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Senador defende equilíbio entre produção e preservação

Durante sua primeira gestão como governador do estado do Amapá, o senador João Alberto Rodrigues Capiberibe implementou o Programa de Desenvolvimento Sustentável do Amapá (PDSA). Reconhecido internacionalmente, o programa teve como eixo principal o estímulo ao desenvolvimento de atividades econômicas florestais madeireiras e não-madeireiras no estado. No Congresso, Capiberibe defende, entre outras causas, um modelo de uso dos recursos naturais de maneira a preservar a floresta, valorizando a diversificação das atividades econômicas, por meio de estímulo governamental a atividades não degradantes e à pesquisa científica. O senador acredita que, no âmbito nacional, um programa com a visão do PDSA, que defende o equilíbrio entre a atividade econômica e o meio ambiente, é possível, desejável e necessário.

ComCiência - De que forma as florestas no Amapá contribuíram, por meio do PDSA, para o desenvolvimento social e econômico do estado?
João Alberto Capiberibe -
A maior contribuição do PDSA foi conseguir que as pessoas que vivem nos centros urbanos se dessem conta de que estavam vivendo no coração da floresta. Havia um divórcio entre os moradores da cidade e a vida ribeirinha, daqueles povos que habitam a floresta. O programa valorizou e deu uma definição econômica aos produtos da floresta, sejam eles madeireiros ou não-madeireiros. Iniciou-se um debate econômico no sentido de desenvolver a cadeia produtiva dos recursos florestais. No caso da madeira, o sentido era proporcionar a exploração manejada dos recursos madeireiros e adensar a cadeia produtiva, com a transformação dessa madeira em produtos nobres, para diminuir a pressão sobre a floresta. E, para os recursos não-madeireiros como cipós, frutos e castanhas, passamos a industrializar e beneficiá-los. A castanha do Pará – que é a castanha de toda Amazônia, brasileira e não brasileira –, nós, a partir de organização de cooperativas de castanheiros, passamos a industrializar e a transformar em óleos, farinhas e biscoitos de castanhas. Uma parte dessa produção era absorvida pelo estado para a merenda escolar. Isso fez com que a floresta entrasse nas cidades. A essa valorização econômica dos diversos produtos da floresta terminou trazendo o debate da preservação das florestas para dentro das cidades e as pessoas passaram a se dar conta que, culturalmente, elas são muito próximas do rio e da floresta.

ComCiência- Seria possível, pensando nas diferentes realidades brasileiras, ser implementado um programa semelhante ao PDSA no âmbito nacional para o desenvolvimento de atividades florestais?
Capiberibe –
Nesse caso, na verdade, um programa como esse seria muito mais abrangente e trabalharia com essa grande diversidade sociocultural e ambiental do país. Eu acredito que é totalmente possível. Primeiro seria preciso estabelecer um zoneamento econômico, ecológico e social do país como um todo. Nós iríamos valorizar alguns ecossistemas esquecidos e alguns até destruídos de forma sistemática. A partir dessas informações colhidas evidentemente haveria um tratamento muito diferente do que ocorre na costa atlântica, por exemplo. Porque não somente a Mata Atlântica foi destruída, mas também a costa atlântica está sendo sistematicamente destruída. As paisagens mais bonitas do litoral estão sendo ocupadas de forma desordenada. Mas você teria então, a partir desse zoneamento, uma utilização muito racional de todos os espaços físicos do país. Um programa com essa visão, de equilíbrio entre a atividade econômica e o meio ambiente é possível sim, e aliás, não só possível como ele é desejável e é necessário.

Acredito que a forma de ocupação que temos hoje está causando danos enormes e irreversíveis, que atingem grandes contingentes populacionais. A ocupação de alguns mananciais de água doce do estado de São Paulo, por exemplo, tem uma implicação direta na falta de água na capital. A destruição dos leitos de rios em vários estados brasileiros está provocando a escassez de água doce. Então, uma costa como a nossa, a costa atlântica de 8500 km de extensão, não existe um plano, um planejamento do uso desse espaço. Pelo menos eu não conheço nada desse tipo. Tenho visitado várias áreas da costa atlântica e tem muita coisa destruída. O próprio cerrado está sendo engolido pela fronteira agrícola e, além disso, nós temos milhões e milhões de hectares de áreas desflorestadas que não são cultivadas, são desflorestadas e depois abandonadas.

ComCiência - Será possível, na prática, controlar e fiscalizar a atividade madeireira nas terras públicas no Brasil, que está sendo regulamentada no Projeto de Lei (PL) 4776-2005, que trata da concessão de florestas públicas?
Capiberibe -
O Brasil é incontrolável. O Brasil não tem um estado capaz de exercer um controle efetivo, nem mesmo com a contribuição do cidadão. O Estado brasileiro tem os braços curtos. Por exemplo, na cidade de São Paulo ele (o Estado) atinge menos da metade dos cidadãos. Nos bairros periféricos da capital paulista não existe segurança pública, não tem saneamento básico, não tem água tratada, escolas públicas etc. Esse é um aspecto fundamental.

O PL tem aspectos interessantes, mas as comunidades locais, principalmente as comunidades que vivem da floresta – são milhões de pessoas vivendo do rio e da floresta – vão ter que se mobilizar e se articular para impedir que a floresta seja destruída, ou até para fazer com ue a lei seja cumprida. Existem regiões em que isso é possível e outras que não.

Um dos aspectos positivos do projeto é que, pela primeira vez na história do país, a floresta passa a ter uma importância econômica e institucional. E isso gerará, evidentemente, uma evolução nas discussões que vai ter influência inclusive nas nossas próprias universidades, porque, durante todo esse longo período de colonização do país, as idéias relativas aos recursos ambientais e principalmente à floresta foram transplantadas da Europa para cá. Como as florestas européias são florestas de baixíssima diversidade – com meia dúzia de espécies – as florestas foram todas convertidas em agricultura, os europeus passaram a se especializar, desenvolver pesquisa, ciência e tecnologia para as florestas industriais, para o reflorestamento. Essa concepção atravessou o Atlântico, se implantou no nosso país e persiste até hoje. Os nossos cursos de formação florestal, engenharia florestal, principalmente, até bem pouco tempo atrás eram fundamentados na floresta industrial, na construção do conhecimento científico e tecnológico para a implantação da floresta industrial, ou seja, para a conversão de floresta heterogênea – de grande diversidade, que são as florestas tropicais – em floresta mono-específica. A universidade se especializou em transferir esse conhecimento técnico-científico para os estudantes que, por sua vez, o reproduziam na prática econômica. Isso fez com que na Amazônia, por exemplo, vários projetos de reflorestamento, na verdade, fossem pura e simplesmente projetos de conversão de floresta heterogênea em floresta mono-específica.

No entanto, um aspecto negativo, é que o PL permite a criação de florestas municipais e florestas estaduais. Esse poder nas mãos das elites locais pode ser extremamente danoso e representa um risco de perda e exploração desenfreada desses recursos. As elites locais, em geral, têm o olhar voltado apenas para os recursos madeireiros. Vamos, de alguma forma, melhorar esse item.

ComCiência- Como estão as discussões sobre esse Projeto de Lei no Congresso?
Capiberibe -
Um aspecto negativo, que já foi sanado na Câmara, era o fato de o projeto original, que veio do executivo, permitir a exploração manejada de florestas públicas por empresas estrangeiras. Aí, nós estaríamos então submetidos à legislação internacional, ou seja, isso criaria problemas de relacionamento, já que a instância jurídica seria a instância internacional. Isso foi eliminado do texto. Só as empresas de capital nacional poderão fazer a exploração sustentável manejada da floresta. Outro ponto que também me parece interessante é a redução do prazo da concessão. A justificativa para o prazo longo é que isso devereria ao ciclo de reprodução da florestas, que é longo – mais de 25 anos. Então, seria preciso dar o dobro desse período para se fazer o primeiro corte e outros 25 anos para o segundo corte. O que acredito é que poderia ser estabelecida uma concessão de 10 anos, com uma avaliação para renovação por mais 10 e assim por diante. Enquanto as partes cumprirem aquilo que a lei determina e houver um controle dessa exploração a concessão seria renovada. Vamos tentar modificar isso aqui no Senado.

Outra proposta que devemos introduzir é para que todas as concessões outorgadas, tenham os procedimentos de concessão publicados na internet. O Sistema Florestal Nacional criaria uma página e todas as licitações seriam transparentes, públicas. E todos os produtos dessa licitação, passo a passo, teriam acompanhamento também pela internet. O governo vai se comprometer a expor desde o processo de licitação até o inventário florestal, com a localização individual de cada árvore. Vamos propor a possibilidade do rastreamento completo por qualquer cidadão do produto final, quer dizer, o rastreamento vai da data de concessão da exploração floresta, passando pelo corte daquela árvore especifica, até a venda no mercado de consumo. Transparência absoluta de todos os procedimentos.

ComCiência- De acordo com o PL, como fica a situação das comunidades locais das terras públicas que serão concedidas?
Capiberibe -
O primeiro ponto é que não se discuta a legitimidade da propriedade das comunidades que vivem na floresta e da floresta, e que elas tenham a posse dessas áreas. Que elas recebam a concessão da exploração, para evitar que aconteça o que o processo colonizador fez em várias regiões do país: comercialização de terras públicas. Nós não podemos repetir esse tipo de situação. Agora, além do projeto de concessão florestal, que define um valor econômico para a floresta, são necessárias políticas que possam apoiar esse projeto. Por exemplo, para a Amazônia, a Constituição de 1988 criou o Fundo do Desenvolvimento do Norte, o FNO, que é operado pelo Banco da Amazônia (Basa).

Fizemos um levantamento no Senado sobre a aplicação desses recursos. Ao longo do período de 1998 até 2004, os recursos foram sistematicamente aplicados em pecuária e agricultura, ou seja, na conversão de florestas em pastagens ou em monocultura de soja, principalmente. Ao longo desse período, o Basa emprestou R$ 1,4 bilhão para a destruição sistemática da Amazônia. Nós apresentamos um projeto que busca um pouco mais de cuidado na aplicação desses recursos. Esse projeto determina que 50% dos recursos do FNO sejam aplicados no desenvolvimento da cadeia produtiva de produtos da biodiversidade, seja animal ou vegetal. Existiriam recursos para financiar a cadeia produtiva de produtos madeireiros ou não madeireiros como, por exemplo, o manejo de açaizais, florestais e desenvolvimento de novos produtos para o mercado. De acordo com o projeto, 10% seriam aplicados em pesquisa na região e os outros 40% o Basa manteria nas linhas “tradicionais”. Além do mais, com a criação do Sistema Florestal Nacional o Estado teria que melhorar enormemente a burocracia e se profissionalizar, para fazer o monitoramento e controle desse processo.

ComCiência- Como o Sistema Florestal Nacional poderia atender também aos pequenos proprietários?
Capiberibe -
O que vamos estudar na passagem do projeto pelo Senado são os mecanismos de garantia para comunidades tradicionais, que vivem na floresta e que vivem da floresta. Ou seja, para que também haja manejo comunitário e para que os manejadores comunitários tenham acesso à concessão, e não apenas os grandes empreendimentos.

Na verdade, a valorização da floresta está se dando muito em cima dos recursos madeireiros. É necessário que se entenda que existe uma grande variedade de recursos não-madeireiros que podem proporcionar atividades econômicas importantes. Basta considerar o exemplo do açaí – que é um fruto da Amazônia para o qual o mercado está em expansão, emprega milhares de pessoas. Outra questão dos produtos florestais não-madeireiros é o desenvolvimento de linhas de cosméticos. Já existem algumas empresas voltadas para o desenvolvimento desses produtos, só que é necessário que essa indústria se estabeleça no local. Por enquanto, as empresas de cosméticos estão comprando a matéria prima. É preciso que exista crédito assistência técnica e tecnologia disponível na região para que esses produtos possam ser desenvolvidos nas comunidades locais. Por último, existe o desenvolvimento de fármacos: as plantas medicinais que fazem parte da nossa grande diversidade podem sofrer todo um processo de estudo para aplicação tecnológica e estarem disponíveis no mercado.

Atualizado em 10/08/2005

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