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Proteoma situa Brasil no topo das pesquisas mundiais
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Proteoma situa Brasil no topo das pesquisas mundiais

O avanço provocado pela descoberta do genoma acabou por determinar que o próximo passo nas pesquisas é desvendar os segredos das proteínas, cuja composição e estrutura tem importância fundamental para o futuro da humanidade. O estudo do proteoma possibilitará ao homem, no futuro, alterar e mudar os rumos da estrutura do organismo humano. Nessa perspectiva, sob a coordenação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) firmaram convênio, no qual está sendo montado um laboratório especializado na pesquisa do proteoma. Situado nas instalações do LNLS, está sendo organizado pelo pesquisador da Embrapa Carlos Bloch Jr., biólogo pela UnB com pós doutorado em físico-química de macro-moléculas na Inglaterra (UCL). A revista ComCiência entrevistou o pesquisador para saber sobre a montagem do laboratório e a situação atual das pesquisas sobre proteoma no Brasil e no mundo.

Comciência - O que significa proteômica?
Bloch -
Historicamente as coisas começaram com o genoma, uma forma de estudar todos os genes de um determinado organismo. Quando se notou que o material genético não era suficiente para entender o que estava acontecendo com esse organismo, surgiu a necessidade de se estudar o que realmente atua sobre ele, ou seja, as proteínas. Por exemplo, podemos citar as diferenças que existem entre o ovo, o pinto e o galo. Todos eles têm o mesmo genoma, porém, apresentam diferentes estágios de expressão gênica, em outras palavras, o conjunto de proteínas que esta presente em cada um dos estágios de vida dessa espécie é diferente. Portanto, uma das definições mais aceita de proteoma é a que se refere ao estudo global das proteínas presentes em um determinado evento ou momento metabólico, isto e', durante as diferentes fases de crescimento da ave, diversos genes são "ligados" enquanto outros são "desligados", indicando assim que determinados conjuntos de proteínas param de ser expressos, enquanto outros começariam a ser sintetizados. Como acontece com o ser humano quando chega a puberdade; uma série de hormônios vai surgir resultando, por exemplo, no aparecimento de barba, seios, enfim, é tudo isso que eu chamo de momento ou padrão metabólico. No caso de uma célula cancerosa, ela possui um padrão metabólico diferente da célula normal e, com isso, uma expressão de genes diferente da observada em uma célula normal. O estudo dessas diferenças pode revelar o gene ou os genes envolvidos nessas diferenças, oferecendo assim uma indicação precisa dos alvos metabólicos a serem estudados.

Comciência - Em quantos laboratórios se pesquisa o proteoma?
Bloch -
Já existe uma rede formada no Rio de Janeiro que trabalha, entre outros, com o que se chama de proteoma de veneno de uma espécie de jararaca, se não me engano a Bothrops insulares. Existem também outros grupos que já iniciaram alguns trabalhos com técnicas proteômicas, especialmente dentro das Universidades Federais. Normalmente, quando se fala em trabalhar com proteoma, a forma mais desejável é ter o genoma completo da espécie a ser estudada disponível, como foi feito aqui no estado de São Paulo com a Xylella fastidiosa e a Xanthomonas citri, alem de outros que estão surgindo por aí. Muitas vezes quando você está estudando o proteoma você precisa dos bancos de dados de genes, porque muita coisa é desconhecida ou se encontra disponível nos bancos de dados públicos, então você precisa referir-se aquilo que já foi feito na parte do genoma da espécie de seu interesse. Isso é o que é desejável, mas não quer dizer que não existam outras iniciativas que partam necessariamente desse principio.

Comciência - Como você classifica o estágio atual das pesquisas em proteoma no Brasil e qual a comparação com o nível mundial?
Bloch -
Se há alguma coisa em que o Brasil pode dizer que esteja muito próximo do que está sendo feito no mundo da pesquisa conhecida como Life Science, é o proteoma. Todo mundo está no início. Existem, obviamente, iniciativas no exterior que já estão bem mais avançadas sob o ponto de vista de equipamentos e recursos humanos, mas não com resultados espetaculares, como o rascunho do genoma humano. A razão disso é muito simples, trabalhar com proteínas envolve muito mais etapas do que com ácidos nucléicos e as técnicas de química de proteínas e espectrometria de massa utilizadas para os estudos de proteomas, quando comparadas ao que se desenvolveu para DNA, podem ser consideradas quase que artesanais. Contudo, com essa nova instrumentação que agora teremos a disposição no nosso laboratório aqui no LNLS, em laboratórios no Estado de são Paulo, Embrapa e outros, poderemos sair dessa condição e nos aproximarmos muito dos melhores institutos de pesquisa da área. Nós recebemos equipamentos de última geração, e estamos montando um primeiro laboratório que possuirá o estado-da-arte em proteoma, laboratório esse que é fruto de uma parceria entre a Fapesp e os fabricantes desses equipamentos. Já adquirimos dois equipamentos topo de linha que serão dedicados em tempo integral para treinamento e para projetos de proteoma. Poucos são os grupos no mundo que possuem esses aparelhos.

Comciência - Qual o prazo de funcionamento pleno desse laboratório?
Bloch -
Eu penso que até o final de abril os equipamentos já estejam todos montados e prontos para o funcionamento.

Comciência - Qual o interesse das agências de fomento e do governo brasileiro nesse projeto?
Bloch -
O interesse é total. O esforço que a Fapesp fez ao financiar os vários projetos Genoma no Estado resultou numa massa invejável de dados muito interessantes tanto do ponto de vista cientifico, quanto do tecnológico. não podemos deixar que todo esse patrimônio saia daqui indo parar em grupos de pesquisa em proteoma no exterior, só porque nós ainda não pudemos nos preparar satisfatoriamente para realizar essa tarefa. Essa é a continuidade natural do investimento, feito nos vários projetos genoma, só que agora com o proteoma, o efeito multiplicador é muito maior devido a multidisciplinaridade do tema. O nosso laboratório aqui no LNLS quer receber físicos, químicos, biólogos, farmacêuticos, médicos, agrônomos, veterinários e tantas especialidades quantas forem necessárias para oferecer suas contribuições e responder suas perguntas cientificas. É importante lembrar que a contenção de despesas que temos testemunhado, que Faps, órgãos de fomento a pesquisa e a política cientifica em geral vem sofrendo, impede que mais recursos sejam destinados a projetos desse tipo por todo o país, num primeiro momento. O interesse por parte das autoridades, assim como a necessidade, é bem conhecida, mas existem situações políticas e econômicas que não permitem que os mesmo modelos de financiamento feitos para os projetos genoma de 3 ou 4 anos atrás sejam re-implantados no proteoma; o mundo mudou de lá para cá e com ele o nosso país. O que está acontecendo de muito interessante agora é que os fabricantes de instrumentação cientifica, vendo a nossa necessidade, a credibilidade da Fapesp e todo o lastro científico que esse tipo de projeto já demonstrou, decidiram investir e formar uma parceria conosco.

Comciência - Qual é o investimento em capacitação de recursos humanos?
Bloch -
Uma vez esses equipamentos instalados, o meu papel aqui será transmitir o pouco que sei sobre espectrometria de massa e química de proteínas aos novos estudantes e pesquisadores interessados, ao mesmo tempo em que já estaremos trabalhando nos projetos. Vamos fazer cursos periódicos e o primeiro deve acontecer em agosto próximo. Obviamente currículos deverão ser analisados porque se trata de um curso de imersão, onde o participante, além da parte teórica, terá a parte prática. Cursos dessa natureza costumam ter um número de participantes de no máximo uma dezena de pessoas. Por isso, vários cursos terão que ser realizados para atender toda a demanda que a gente imagina que haverá.

Comciência - Por que empresas nacionais não participam desse projeto?
Bloch -
Esse é um dos meus maiores desejos: mostrar às empresas o que acontece e poderá acontecer aqui. Sei de empresas com problemas imediatos que podem ser resolvidos, pois a capacidade que essas máquinas têm em termos de velocidade de analise e de processamento dos resultados é muito grande. Podem não só comportar os problemas científicos falados anteriormente bem como atender as necessidades das empresas. Eu tenho um interesse muito grande na possibilidade de poder repetir o exemplo de muitos casos lá de fora, onde os laboratórios de proteoma caminham com a iniciativa privada (industria farmacêutica principalmente) porque o país precisa dessa proximidade, que aqui parece que nunca chega. E hoje nós já' possuímos condições reais para fazer isso.

Comciência - Existe interesse de investimento por parte dos empresários brasileiros?
Bloch -
O que eu observo, pelo menos por onde eu já passei, é que ainda não existe essa cultura no país. Só para dar um exemplo, na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia em Brasília, possuímos vários laboratórios muito bem montados e com profissionais capazes de atender a uma serie de demandas do setor privado, no nosso caso particular, sou também responsável pelo laboratório de espectrometria de massa de lá e o que se nota depois de cinco anos de funcionamento é que somente agora o setor do agro-negócio está nos procurando, devido a uma série de problemas de exportação que eles estão tendo e que a gente já poderia vir trabalhando conjuntamente para evitar que o problema chegasse ao ponto que chegou. Resumindo, tanto aqui quanto na Embrapa, eu gostaria muito que o investimento de milhões de dólares fosse compartilhado tanto pela academia quanto pelo setor privado. O estado já fez o investimento maior, o que precisamos é dar continuidade a esse investimento. Por isso insisto na história da participação da iniciativa privada, pois isso beneficiará a todos.

Atualizado em 22/04/03

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