Uma outra ciência é possível?
Para agricultores, transgênicos ameaçam biodiversidade
Propriedade intelectual e o combate ao acordo Trips
A luta pelo software e pela informação livre
 

Propriedade intelectual e o combate ao acordo Trips

O termo propriedade intelectual passou a ser utilizado com mais frequência a partir do fim das negociações da Rodada Uruguai, acordo internacional que, a partir de 1994, extinguiu o Gatt (Acordo Geral para Tarifas e Comércio, sigla em inglês) e instituiu a Organização Mundial do Comércio (OMC). O tratado que regula a propriedade intelectual para os países pertencentes à OMC é o Trips (Acordo sobre Aspectos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, sigla em inglês). Esse acordo foi um dos mais polêmicos da Rodada Uruguai e impôs aos países subdesenvolvidos um sistema muito mais duro de patentes e direitos autorais. Ele permitiu ainda que os países, se desejassem, pudessem conceder patentes para seres vivos.

Na conferência "Saber, direitos de reprodução e patentes", Richard Stallman, o precurssor do movimento pelo software livre, pediu que o conceito de propriedade intelectual seja revisto, Segundo Stallman, o termo inclui um pré-julgamento para as leis desse campo. "Será que o que é regido pelas leis de propriedade intelectual deve ser tratado como propriedade privada?", pergunta ele. "O termo já pressupõe que sim", responde.

O conceito de propriedade intelectual é utilizado para designar proteções a produtos diferentes como músicas, livros e filmes - regulados pelos direitos autorais - e processos industriais e técnicas científicas - regulados através de patentes -, além de marcas comerciais, desenhos de circuitos eletrônicos e outros. Stallman pediu para que as discussões sobre esses tópicos fossem feitas separadamente. "Essas áreas diferentes do direito quase nunca têm nada em comum. Os efeitos sociais são diversos e também se originam separadamente".

O tom do depoimento do pesquisador francês Jean Pierre Berlan também foi de condenação do atual sistema de propriedade intelectual. Segundo ele, as patentes deveriam existir para organizar a concorrência e não para impor um monopólio. "Acho dramático que o neoliberalismo tenha invertido completamente a situação", disse. As patentes deveriam funcionar como a mão invisível que, segundo Adam Smith, regularia o mercado: fazer com que o inventor possa promover algo que não era seu objetivo principal. No entanto, hoje, isso não acontece. No caso dos medicamentos, por exemplo, a patente nesse campo deveria ser limitada ao processo de obtenção da molécula porque outros processos poderão ser inventados para se chegar à mesma molécula", explica ele.

Jean Pierre Berlan - "Nem sempre as soluções úteis à socedade geram patentes"

Falando sobre sua área de atuação, a agricultura, Berlan disse que as patentes estão sendo utilizadas para que sejam buscadas soluções transgênicas em detrimento das tradicionais. "As patentes estão transformando completamente o sistema de pesquisa no mundo todo". Berlan também denunciou que empresas produtoras de sementes transgênicas como a Monsanto estariam organizando um sistema de delação de plantações "piratas". "Nos Estados Unidos, há empresas de detetives privados para localizar essas plantações e a Monsanto abriu linhas de telefone gratuitas e convida os agricultores a denunciarem seus vizinhos", afirmou ele. Os agricultores "piratas" são aqueles que utilizam o processo de reprodução natural das plantas para obterem suas sementes, deixando de comprá-las de produtores como a Monsanto.

Ironizando o fato de que essas empresas são em sua maioria norte-americanas, Berlan lembrou que, no século XVIII, o presidente dos Estados Unidos, Thomas Jefferson, "importou" sementes de arroz da Itália e as distribuiu aos agricultores norte-americanos. "Os únicos alimentos originários dos Estados Unidos são o peru e o girassol", completou.

Michel Bailey, representante da Oxfam, uma das ONGs organizadoras do Fórum Social Mundial, alertou que o atual sistema de propriedade intelectual é desastroso principalmente para os países em desenvolvimento. Segundo ele, esses países têm agora uma sobrecarga muito maior do que no passado para desenvolverem sua economia. "Os Estados Unidos copiaram sua tecnologia da Inglaterra no séc. XIX; no séc. XX os japoneses copiaram dos norte-americanos. Mas no séc. XXI as novas regras impedem que isso aconteça", disse Bailey.

Os efeitos mais nocivos desse sistema têm sido notados na área de medicamentos, produtos agrícolas e livros técnicos. "O agricultor da Tailândia não pode guardar sua produção para plantar no ano seguinte; o aluno de escola técnica no Egito não pode comprar livros porque são muito caros; o empresário no Peru não tem dinheiro para comprar software para sua empresa; e mães não conseguem comprar remédios caros para seus filhos".

Bailey sugeriu então alguns objetivos políticos para combater as novas regras. "Temos que mudar o Trips para que os países em desenvolvimento possam decidir quando e se querem aderir a ele, além de poderem deixar algumas áreas, como os medicamentos, de lado; temos que mobilizar a sociedade civil para que pressione os governos locais; temos que ter regras apropriadas à realidade de cada local, de cada país; e temos que utilizar a pressão do público, dos consumidores, sobre as grandes corporações, não podemos ignorar essa força". Além desses pontos, Bailey afirmou que é preciso acabar com o poder da OMC de impor sanções punitivas aos países.

Sobre as estratégias de luta, Richard Stallman polemiza ao comentar sobre o que considera um erro de algumas organizações internacionais: a luta pela garantia dos direitos de propriedade das comunidades tradicionais sobre plantas nativas e processos desenvolvidos por essas comunidades. "Biopirataria é uma armadilha. Isso vai prejudicar e tirar a liberdade de todos. Temos que lutar pela liberdade e não por outros grupos de monopólios lutando entre si", afirmou. Para ele, as empresas terão mais monopólios, pois conseguirão criar inúmeras variedades sobre as espécies já existentes. "Se vocês tentarem jogar o jogo deles contra eles vão perder", alertou.


 

Atualizado em 03/03/2002

http://www.comciencia.br
contato@comciencia.br

© 2001
SBPC/Labjor
Brasil

Contador de acessos: