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Modelo de fomento à pesquisa brasileiro realça papel das agências

O Brasil é tradicionalmente lembrado por possuir um histórico de investimento em pesquisa básica, além de um índice elevado de mestres, doutores e pós-graduandos. São cerca de 60 mil doutores formados, sendo que cerca de 41 mil em atividade. No entanto, em um momento em que a pesquisa enfrenta o problema da falta de recursos, abre-se a discussão sobre as pesquisas que devem ser consideradas como prioritárias pelo governo e novas possibilidades de parcerias que viabilizem pesquisas com um custo menor para o Estado. Nesse contexto, também é muito discutido o papel das agências e fundações de fomento à pesquisa, que são responsáveis pela maior parte do sistema brasileiro, e da participação dos pesquisadores no processo decisório sobre a pesquisa no Brasil.

Entre as agências e fundações de maior importância no Brasil, está o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ao longo dos seus 53 anos de existência, o CNPq formou 28 mil doutores e 81 mil mestres. A atribuição de formação de recursos humanos é dividida, na esfera federal, com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Também existem investimentos diretos no desenvolvimento de pesquisas, por meio do financiamento de auxílios e insumos. No entanto, segundo Dácio Renault, assessor de comunicação do órgão, um dos principais desafios a serem enfrentados é a busca de novos recursos para atender a crescente demanda por verbas de apoio, que tem gerado algumas inovações por parte da direção da instituição: “Uma das iniciativas implementadas pela atual gestão é a efetivação de parcerias com as fundações estaduais de amparo à pesquisa”, afirma Renault. Um dos exemplos é o Programa de Apoio à Excelência (Pronex), que visa fomentar as atividades de centros e grupos de pesquisa líderes em suas áreas, com “o objetivo de fixar, consolidar e reproduzir as competências de Ciência, Tecnologia e Inovação do país”, explica. As fundações estaduais lançam editais de seleção para o programa, avaliam as propostas e entram com o mesmo montante do CNPq: “Com isso, conseguimos dobrar os recursos, já que há uma contrapartida de igual valor por parte das fundações”, complementa Renault.

As fundações estaduais de amparo à pesquisa a que Renault faz referência, também conhecidas como FAPs, não possuem um modelo uniforme em todo país, variando em relação à estrutura institucional e ao montante de verba que recebem dos governos estaduais. Uma das agências consideradas modelo no país é a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A fundação foi criada em 1962 e, desde 1989, é custeada com o repasse de 1% do total da receita ordinária do estado de São Paulo. Tal montante faz com que ela tenha administrado, entre 2000 e 2003, uma receita média de cerca de US$ 168 milhões e invista mais em Ciência e Tecnologia do que a soma de todas as outras fundações estaduais juntas. No caso do Pronex, a instituição destinou, para o ano de 2003, R$ 5 milhões aos quais foram acrescidos de mais R$ 5 milhões do CNPq. Valores equivalentes estão previstos para os anos de 2004 e 2005.

Dácio Renault pontua que outra medida que está dando bons resultados é a contratação de projetos de pesquisa por meio de editais específicos, que possibilitam o CNPq direcionar seus recursos para áreas consideradas prioritárias pelo governo federal: “Existindo a necessidade de pesquisas em áreas como nanotecnologia, novos materiais, energia, saúde ou na área de humanas, lançam-se editais específicos para estas áreas”, explica Renault.

Outra maneira de apoiar áreas consideradas prioritárias é por meio de financiamento de pesquisas de instituições públicas setorizadas como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Criada em 1973 e vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a empresa tem como missão “viabilizar soluções para o desenvolvimento sustentável do espaço rural, por meio da geração, adaptação e transferência de conhecimentos e tecnologias, em benefício dos diversos segmentos da sociedade brasileira”. A instituição congrega 37 centros de pesquisa espalhados por todo o país e tem sido apontada como uma grande colaboradora de projetos que culminaram com o crescimento dos agronegócios no país. Também possui acordos de cooperação técnica com 155 instituições de pesquisa internacionais e instalou, recentemente, dois laboratórios internacionais, na França e nos Estados Unidos, com apoio do Banco Mundial.

Por se tratar de pesquisa aplicada, a fixação de áreas prioritárias implica no envolvimento ou mesmo na desconsideração de polêmicas que ainda não estão resolvidas no campo social e político. Para a agrônoma Maria Thereza Pedroso, mestre em desenvolvimento sustentável e que atualmente pesquisa os estudos desenvolvidos pela empresa, a instituição atua de maneira significativa no desenvolvimento de sementes transgênicas: “A Embrapa sempre desenvolveu variedades melhoradas geneticamente de forma convencional e agora começa a desenvolver transgênicos também, de forma competitiva”, afirma. Para a pesquisadora, trata-se de uma questão estratégica para quebrar o monopólio de empresas que já vendem sementes transgênicas e para o desenvolvimento, por exemplo, de espécies resistentes à seca.

Já para Glaci Zancan, bióloga e ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o modelo de financiamento à pesquisa precisa se manter fundamentalmente focado na formação de recursos humanos e na pesquisa acadêmica, caso pretenda alavancar o crescimento do país. No entanto, ela pontua uma transição importante que ocorreu nos modelos de fomento à pesquisa em todo o mundo: “Do modelo linear de financiamento, centrado na pesquisa básica e denominado Vannevar Bush, passou-se para um modelo de gestão do conhecimento muito mais complexo”, afirma. O fato do conhecimento adquirido estar relacionado a processos e produtos, segundo a pesquisadora, requer uma revisão do planejamento das atividades de pesquisa tendo em vista a formação de “redes de conhecimento”, envolvendo diferentes áreas acadêmicas: “A associação das mais diversas áreas de conhecimento para a realização de projetos específicos deve ser buscada, e é um desafio a ser enfrentado no interior de cada instituição”, completa.

Zancan lembra, no entanto, que tal desafio epistemológico implica em uma política pragmática para definição e investimento em áreas prioritárias. Nesse contexto, a bióloga destaca a necessidade de realização de pesquisas voltadas para a biodiversidade: “Falta uma política de fomento à pesquisa em biodiversidade, pois não podemos desprezar a vantagem competitiva que o país possui nesta área”, enfatiza. De acordo com a pesquisadora, essa é a única maneira de viabilizar o uso sustentável de recursos genéticos que estão disponíveis nos diversos ecossistemas do país. Desse modo, seria necessário “um plano mais abrangente para a área de biotecnologia”, defende a pesquisadora.

A bióloga menciona, porém, que a responsabilidade por essa situação é, em parte, dos próprios cientistas. Todos deveriam participar mais da gestão da SBPC, por meio das 69 sociedades científicas filiadas, aumentando o peso de cada uma delas nas discussões que envolvem ciência e tecnologia: “Considero que a militância coletiva dos nossos pesquisadores deve aumentar para que possamos ter maior representatividade perante a sociedade”, afirma.

Para o filósofo e professor da Universidade de São Paulo, Sérgio Cardoso, a construção de um projeto mais abrangente para a pesquisa no país também carece de uma participação ativa da comunidade científica. No entanto, o modelo atual não favorece essa participação, pois não há uma responsabilidade institucional plena das universidades sobre a pesquisa que elas desenvolvem e sobre os orçamentos envolvidos. Em entrevista concedida à ComCiência, na edição de Reforma Universitária, Cardoso afirmou: “Se recebo um aluno de pós-graduação, para não ser empurrado para fora do sistema, ele precisará de bolsa. E quem decide sobre isso são as agências de fomento; eu como professor universitário, a rigor, não decido nada”, afirma Cardoso. Ele destaca ainda que essa realidade é mascarada por uma “ideologia da excelência”, determinada por grupos acadêmicos que atuam nas agências de financiamento a partir do que eles entendem por alto nível e excelência do trabalho universitário. Para ele é necessário superar a “desconfiança” que existe em relação à universidade, que faz com que se coloque fora dela os mecanismos de decisão sobre a pesquisa que desenvolve e o orçamento envolvido.

Cardoso realça que não se trata simplesmente de transferir ou descentralizar o poder das agências para as universidades, mas sim inserir a questão do financiamento à pesquisa em um projeto de autonomia universitária, que envolva também autonomia da gestão interna e dos orçamentos de cada universidade: “O grande ponto é a democratização interna da gestão das universidades, ou seja, o poder de decidir o que ela pode fazer de si própria e de suas atividades, seja no ensino, pesquisa ou extensão. Insistimos na idéia de ‘orçamentos participativos’, pois achamos que é um instrumento fundamental da realização da autonomia das universidades”, conclui.

Assim como Glaci Zancan, Cardoso acredita que falta uma participação mais ativa da comunidade acadêmica nos debates envolvendo essa questão, inclusive na conjuntura dessa reforma universitária: “Algumas questões importantes estão sendo pouco discutidas, como a proposta dos ciclos básicos, da licenciatura curta, da quebra da estrutura departamental, das formas de financiamento das pesquisas e da democratização interna das universidades” afirma. Ele conclui chamando a atenção para o fato de que a reforma universitária é uma oportunidade para discutir a temática e de responsabilidade de toda comunidade acadêmica e não apenas do governo, que está tentando dialogar de todas as maneiras.

(DC)

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Atualizado em 10/11/2004

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