CARTA AO LEITORNOTÍCIASENTREVISTASREPORTAGENSRESENHASCRÍTICA DA MÍDIALINKS DE C&TCADASTRE-SE NA REVISTABUSCA POR PALAVRA-CHAVE

 

          

 

Oceano a desvendar
Recursos econômicos
Projeto Revizee
O caso dos Corais
Trabalhando com Bio

Entrevista a
Sérgio Bonecker

Entrevista a Marcelo Medeiros


Tanque em que os corais são levados para o laboratório no Projeto Revizee.
Foto: Bruno Buys.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Frasco com amostra de coral; Projeto Revizee.
Foto: Bruno Buys.

 

Trabalhando com biodiversidade

Conhecer a biodiversidade de uma região é uma tarefa freqüentemente difícil, trabalhosa e demorada. Dois esforços básicos são necessários: coletar os organismos no ambiente natural e acondicioná-los em segurança em um local onde possam ser preservados e estudados. Estas duas etapas básicas se desdobram em várias outras, também complicadas.

1 - Inicialmente é necessário fazer uma prospecção no local de interesse para saber qual é o melhor método de coleta que pode capturar os organismos desejados. Cada grupo de organismos demanda um método próprio de captura: é preciso montar armadilhas com iscas no meio do mato para capturar pequenos roedores, ao passo que insetos podem ser capturados com puçás, redes e pequenos potes de plástico. Aves eventualmente não são capturadas, mas, sim, observadas. Um especialista em aves pode detectar a presença de uma certa espécie na mata sem nem observá-la, apenas ouvindo seu canto. Para coletar espécies vegetais é preciso ter uma tesoura de poda, um alicate ou algo assim. Para árvores não é necessário arrancá-las inteiras; apenas um ramo com flores ou frutos. Para obter cobras é necessário um bastão comum com um arame na ponta, através do qual se captura a cobra, que é colocada em caixas de madeira. Enfim, cada especialista deve conhecer seu grupo de estudo e desenvolver métodos adequados para obter os espécimes.

2 - Posteriormente, estes espécimes são levados para o laboratório e fixados, ou seja, recebem um tratamento para não apodrecerem. Animais de corpo muito mole e úmido (como rãs, peixes e vários tipos de organismos aquáticos) são conservados em álcool ou formol. Insetos são espetados em um alfinete e guardados em ambiente bem seco, que pode ter naftalina, para impedir a ação das traças. Esta etapa pode parecer simples, mas não é. Insetos podem ser trazidos aos milhares de uma viagem de coleta. Cada um deles recebe uma montagem individual e boa parte do trabalho em um laboratório de entomologia é montar os insetos em alfinetes. Mamíferos e aves têm que ser taxidermizados. Neste processo se retira todo o interior (vísceras) do animal, e ele é tratado com sais especiais que impedem a proliferação de fungos e bactérias. Depois, é preenchido com um material de sustentação, costurado e posicionado de forma a possibilitar uma visão bastante fiel à de sua forma na natureza. Plantas são herborizadas: prensadas entre folhas de cartolina ou papel de jornal e guardadas em uma estufa, para perderem a umidade e se aplainarem. Depois de dois ou três dias estão secas e dispostas como uma foto em um livro. Então são guardadas em um herbário (uma sala com temperatura e umidade controladas) para posterior consulta. Um ramo de planta tratado desta maneira pode durar vários anos. É claro que nestes processos perdem-se informações como a cor do animal ou de uma flor, por exemplo. Mas o coletor que pegou o exemplar na natureza deve ter tomado nota dessas informações e adicionado à ficha de identificação que vai junto com o espécime.

3 - Em seguida começa uma fase complicada e que pode durar muito mais tempo do que o imaginado: a identificação da espécie. Identificar uma espécie consiste em atribuir ao espécime que está sendo estudado um nome científico inequívoco e único, através do qual se pode ter acesso às informações de que a ciência já dispõe. Para isso, é preciso consultar dados bibliográficos sobre o animal ou planta em questão e coleções que já possuem exemplares. A identificação é feita quando se tem certeza de que o espécime em estudo é idêntico a algum outro que já foi nomeado por um taxonomista. Isso inclui semelhanças de forma do corpo, principalmente. Em aves pode-se usar o canto. Este trabalho pode chegar a requintes de sofisticação, como a elaboração de uma complexa terminologia anatômica para designar as partes do corpo de uma mosca, por exemplo. Essa terminologia é necessária quando dois especialistas têm que se referir à presença ou ausência de certas partes do corpo da mosca para o correto diagnóstico e identificação da espécie. Quando não se consegue atribuir um nome já existente a algum organismo, porque ele não é semelhante a nenhum já conhecido, significa que é uma espécie nova. Neste caso o descobridor da espécie nova deve publicar um trabalho onde descreva detalhadamente a anatomia dos espécimes que coletou. O trabalho deve incluir ainda informações complementares, como a região geográfica onde a nova espécie foi coletada, onde os organismos estavam (insetos, por exemplo, podem habitar ocos de troncos, podem se enterrar no solo, no folhiço da mata, podem estar em troncos de árvores vivas, nas folhas de plantas, em cadáveres de animais...), o que faziam e horário do dia em que foram coletados. Todas essas informações são relevantes para que outro pesquisador interessado possa ir ao mesmo local e coletar os animais. Outra informação muito interessante é o método com que o pesquisador fez a coleta. Se com redes, puçás, armadilhas, ou manualmente. Nesse trabalho o autor apresenta a espécie nova, tornando-a conhecida da ciência. Ele deve então escolher um dos exemplares coletados para ser o holótipo da espécie. Holótipo é o primeiro espécime depositado em uma coleção e aquele que foi usado no trabalho de descrição da espécie. Daí para frente, quando se deseja saber se um animal pertence àquela espécie, é preciso compará-lo com o holótipo. É atribuição do descobridor produzir um nome para a nova espécie. Este nome deve ser latinizado (nomes científicos são sempre em latim) e deve ajudar a descrever a espécie (por exemplo, um bicho que tenha a região ventral negra, pode ser chamado de nigriventris; uma planta com flores brancas pode ser chamada alviflora . Ou ainda o organismo pode receber um nome que alude ao local onde ele foi coletado, como o coral Meandrina brasiliensis. Meandrina é o nome genérico e brasiliensis denota particularmente a espécie. Por fim, o pesquisador que descobre uma espécie pode homenagear alguém através da colocação do nome latinizado da pessoa no novo organismo: é o caso do Trypanosoma cruzi (nome que foi dado por Carlos Chagas ao agente causador da doença de Chagas) em homenagem a Oswaldo Cruz. O nome "Cruz" é latinizado e recebe um " i " no fim indicando homenagem, e passa a ser "cruzi". Após essas etapas todas, o animal é depositado em uma coleção. Isso significa que está disponível para ser estudado por especialistas, alunos de biologia, técnicos, taxonomistas e outros. Pode ser comparado com outros recém trazidos da natureza, para identificação. Mas este trabalho todo, como descrito acima, deu poucas informações sobre como estas espécies vivem na natureza e o que comem. Menos ainda sobre qual é a abundância delas, ou seja, qual é o tamanho da população de cada espécie. Para isso, os biólogos voltam ao campo com estratégias ainda mais esquisitas. A avaliação do tamanho de uma população é uma tarefa bem complicada e demanda uma matemática mais complexa. Mas o trabalho básico de inventariar e catalogar a biodiversidade de uma região começa com os passos acima.

Veja também o depoimento de Marcelo Semeraro de Medeiros, participante do Projeto Revizee, sobre o trabalho do biólogo em alto-mar.

 

 

Esta reportagem tem
1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 documentos
Bibliografia / Créditos

http://www.epub.org.br/comciencia
comciencia@epub.org.br

© 2000
Universidade Estadual de Campinas
Campinas, Brasil