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Acesso à informação promove inclusão social

A possibilidade de uso de computadores, apesar de sua importância para o acesso à informação e para a entrada no mercado de trabalho, continua restrita a poucos. A chamada exclusão digital pode significar um aprofundamento ainda maior da divisão entre as populações dos países ricos e dos países pobres, dificultando o processo de desenvolvimento do Terceiro Mundo.

Entre outras iniciativas para combater o problema, distribuídas por todo o Brasil, foram criados, na cidade de São Paulo, os Telecentros, que são espaços de contato das populações pobres com microcomputadores e com as informações necessárias para o seu uso. O diferencial dos Telecentros com outros projetos de inclusão digital é sua forte ênfase no uso dos computadores para a inclusão social. O primeiro Telecentro inaugurado em São Paulo completou dois anos recentemente, no momento em que é inaugurado o de número 60.

Thiago Guimarães, coordenador de atividades dos Telecentros, afirma que o acesso à informação, proporcionada pelo uso dos computadores conectados à Internet, pode levar à inclusão social. "O que é inclusão digital? Quais são os seus objetivos? Estamos atingindo estes objetivos?", estes são alguns questionamentos levantados por Guimarães como necessários para se constituir a inclusão digital. Na opinião dele, essa discussão ainda é incipiente no Brasil e os agentes envolvidos (ONGs, estados, municípios) não estão organizados para debater o assunto. "O grande equívoco é que tratamos inclusão digital como democratização apenas da informática, e não da informação. O que tem potencial transformador não é a informática, mas a informação. A inclusão digital não consiste apenas em trabalhar os dados, mas também as informações", discute.

Para Guimarães, inclusão digital e inclusão social são indissociáveis. Nesse sentido, alguns projetos desenvolvidos nos Telecentros de São Paulo mostram que é possível alcançar resultados positivos, por exemplo, em cursos de redação. "Quando uma pessoa passa a discutir acesso às universidades públicas ou cotas para negros nas universidades, usando o computador para fazer um texto, podemos dizer que isso é inclusão digital", afirma Guimarães.

O projeto dos Telecentros de São Paulo nasceu em 2001. Logo ao assumir cargo, a prefeita Marta Suplicy assinou um decreto criando a Coordenadoria do Governo Eletrônico, órgão responsável pelas políticas públicas de inclusão digital. O primeiro Telecentro foi aberto em junho de 2001, no bairro Cidade Tiradentes. Em março de 2002, depois da estabilização do primeiro Telecentro, começaram a ocorrer, em fase de testes, algumas oficinas para atrair um público mais heterogêneo. Após a avaliação inicial foi constatada a viabilidade do trabalho das oficinas, que foram efetivadas.

A oficina de jornalismo comunitário, por exemplo, realizada no Telecentro de Guaianases, teve como um de seus frutos o fanzine Ponto de Vista. A iniciativa do fanzine surgiu de um grupo de alunos da oficina, que perceberam a importância da comunicação e de tecnologias como o computador para a socialização da informação.

A inclusão digital pode gerar renda de diversas formas. Para isso a prefeitura de São Paulo está estudando a possibilidade de fomentar a formação de cooperativas de desenvolvedores e fornecedores de serviços em software livre, para pequenas empresas locais. Além dos empregos diretos gerados, o uso de software livre pode significar uma economia considerável, uma vez que os recursos são utilizados para o pagamento de pessoal e não para a licença do software. As empresas que utilizam esse tipo de software têm gastos com a adaptação e a gestão dos programas mas não com a compra dos mesmos.

Outro problema levantado por Thiago Guimarães é a falta de indicadores de qualidade dos projetos de inclusão digital, que seria importante para que se estabelecessem critérios de avaliação e comparação com outros projetos. Na opinião dele "não adianta só instalar computadores na periferia e falar em cidadania, precisamos saber, via indicadores, os resultados do projeto". A demanda não seria só saber acessar mas saber o que acessar na Internet.

Parece ser consensual para os especialistas que a inclusão digital é algo que deve ser feito via políticas públicas. Porém, na opinião de Guimarães, não há a devida coordenação nos níveis federal, estadual e municipal. "As esferas de governo vão atuar com sua lógica, com a sua demanda, com as suas pressões políticas, sem uma estruturação organizada e racional dessa rede de inclusão digital", diz. Para contornar o problema, o primeiro passo seria uma ampla conscientização do que é inclusão digital, caso contrário, poderão ocorrer sérios problemas com o financiamento e a institucionalização do processo. "Justamente por não estar claro o conceito de inclusão digital para os próprios promotores das políticas públicas e para a sociedade, surge esse impasse que precisa ser resolvido", afirma ele.

Apesar de existirem vários espaços para a discussão da inclusão digital, não existe um que reúna todos os envolvidos, o que, na opinião de Guimarães, prejudica o desenvolvimento do processo no país. Segundo ele, este tema deveria estar presente nas universidades, principalmente nas áreas de ciências humanas, como jornalismo e sociologia, não deixando a discussão girar em torno apenas das características técnicas dos computadores utilizados.

Recentemente foi inaugurado o sexagésimo Telecentro de São Paulo, que faz parte de um projeto da Secretaria de Assistência Social da prefeitura de São Paulo, chamado Oficina Boracea. O Telecentro fica em um espaço bem amplo, destinado a abrigar moradores de rua do município, onde o atendimento é individualizado, ao contrário do que acontece na maioria dos albergues, que têm, por exemplo, banheiros coletivos. Guimarães conta que é a primeira vez que os Telecentros lidarão com grupos totalmente excluídos socialmente. "Na maioria dos casos as pessoas se sentem privadas dos direitos de cidadão e têm baixa auto-estima; esta vai ser uma experiência inovadora para os Telecentros". Toda a parte de treinamento dos funcionários será centralizada no local, o que proporcionará o contato com os moradores de rua.

A situação de exclusão social, em que vive considerável parcela da população brasileira e os resultados positivos de projetos como os Telecentros mostram a importância da socialização dos conhecimentos para minimizar os problemas sociais no Brasil. Porém, essas iniciativas precisam ser disponibilizadas para um número maior de pessoas.

Nesse sentido, além dos projetos municipais, existem mais dois tipos de Telecentros em âmbito nacional: os de negócios e os da região amazônica. A Rede Floresta de Telecentros é uma iniciativa da Centrais Elétricas do Norte do Brasil (Eletronorte) em parceria com o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, vinculado à Casa Civil da Presidência da República. O objetivo é implantar uma rede de inclusão digital em 20 cidades da Amazônia Legal, ainda este ano. Essa iniciativa é parte do programa de inclusão digital do governo federal, que pretende levar os Telecentros para todas as regiões do país. O primeiro deles será em Altamira (PA), em seguida estão previstos para os municípios de Presidente Dutra (MA), Macapá (AP) e Tucuruí (PA).

O Telecentro de Informações e Negócios foi criado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Nos Telecentros vinculados a este projeto, serão oferecidos cursos e treinamentos para pessoas de microempresas e empresas de pequeno porte. O objetivo é criar oportunidades de negócios e trabalho que promovam o crescimento na produção e geração de emprego e renda.

Na opinião do professor Isaac Epstein, da Universidade Metodista de São Paulo, "nas causas da exclusão tecnológica se misturam fatores culturais e econômicos". O Brasil é um país onde as desigualdades sociais atingem níveis assustadores em relação ao restante do mundo. "Não somos os mais pobres do mundo mas, ao que parece, somos os mais injustos entre nós mesmos", desabafa o professor, e questiona: "não seria este o motivo para todas as exclusões?"

Aparentemente, não existe discordância no fato de que uma das causas da exclusão social está no não entendimento das possíveis aplicações das tecnologias. Na opinião de Epstein, "uma causa genérica desse não entendimento é que nossa alfabetização em ciência é baixa". Porém, o professor lembra que, no caso do Brasil, essa "exclusão tecnológica" é apenas uma entre várias, talvez mais graves ainda. Segundo ele, os esforços para corrigir as desigualdades sociais esbarram na resistência dos privilegiados, "sejam latifundiários, juizes, funcionários e outros".

Porém, pesquisas em educação científica de outros países podem trazer alternativas a nossa realidade. Intrigados com dados que mostravam que, nos EUA, os resultados no aprendizado de ciência eram inferiores ao de países que gastavam menos com educação, como Coréia do Sul, China, República Checa e Hungria, Epstein conta que "um grupo de pesquisadores norte-americanos foi investigar o problema e constatou que, nesses países há uma forte tradição cultural valorizando a ciência e a cultura em geral". A conclusão do trabalho foi que, com a participação construtiva dos pais nos estudos dos filhos, a valorização social da competência intelectual e a organização do ensino, o desempenho dos estudantes melhoraria.

(AP)

 
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Atualizado em 10/07/2003
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