Reportagens






 
Criança & Ciência*

Bianca Encarnação

Será que criança se interessa em saber como nascem as estrelas, quem foi Galileu Galilei, como vivem os índios Waimiri-Atroari ou quais as conseqüências da extinção do jacaré-de-papo-amarelo? Tudo depende da forma como os assuntos são explicados a ela. Nem sempre é fácil. Mas o desafio de atuar como intérprete dos fatos da ciência para o público leigo de qualquer idade é o que há de mais entusiasmante para quem trabalha com divulgação científica.

No Brasil, são raros os espaços na mídia com o propósito de construir uma ponte entre a ciência e o público infantil. O único periódico integralmente voltado à divulgação científica para crianças é a revista Ciência Hoje das Crianças, objeto de análise deste artigo. Editada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a publicação nasceu em maio de 1986, como encarte da revista Ciência Hoje. A linguagem inovadora com que os mais diversos temas da ciência eram tratados no encarte, totalmente diferenciada dos livros didáticos, foi bem recebida pelos filhos dos leitores de Ciência Hoje e também pelos professores apresentados à publicação. Em setembro de 1990, Ciência Hoje das Crianças foi transformada em uma revista independente.

A concepção da publicação partiu do pressuposto que meninos e meninas, com idade entre 7 e 14 anos, podem ter interesse despertado para fatos de todas as áreas da ciência. Assim, Ciência Hoje das Crianças firmou-se como publicação de caráter multidisciplinar, abordando ciências exatas, humanas e biológicas, dedicando especial atenção para a educação ambiental, e abarcando também temas relacionados à cultura.

A linguagem da revista pretende aguçar a curiosidade dos leitores para a relação entre a ciência e a experiência cotidiana. Os textos, em sua maioria escritos por pesquisadores e professores da comunidade científica, têm o tamanho e a forma de abordagem adequados ao perfil do público leitor. Este trabalho de adaptação da linguagem, realizado por jornalistas especializados, visa promover a aproximação entre cientistas, pesquisadores e o público infanto-juvenil.

Neste estreitamento de laços, reside o objetivo maior de desmitificação da idéia de que ciência é campo de estudo para gênios, intelectuais e outros privilegiados. Ciência Hoje das Crianças busca fugir das fórmulas e respostas prontas. A proposta é de uma relação interativa com o leitor, estimulando a investigação e a reflexão que o levarão a construir suas próprias explicações para os fenômenos à sua volta a partir do conhecimento científico apresentado nos textos. Para que tudo isso seja possível, a revista ousa em tratar a ciência de forma coloquial, leve e, sempre que possível, divertida.

Bom-humor com seriedade
Como chamar a atenção da criança para as reações químicas que fazem o açúcar se transformar em caramelo? A saída pode ser uma receita de maçã-do-amor recheada com as devidas explicações. E como abordar os hábitos e costumes dos brasileiros nos tempos do Império? Uma opção é escrever um conto contendo todos os elementos que se deseja relatar.

Os exemplos ilustram o tipo de solução que a Ciência Hoje das Crianças busca para intermediar o conhecimento dos pesquisadores aos leitores. A equipe de redação tem como fonte de inspiração o próprio universo da criança. Nos casos citados, os artifícios foram o fascínio que os doces e uma história bem contada podem exercer sobre meninos e meninas.

Comparações e metáforas são recursos também bastante utilizados, na tentativa de tornar artigos e matérias mais leves e palatáveis para as crianças. Porém, para que a adaptação de linguagem não comprometa as informações científicas, os textos editados são submetidos à avaliação dos respectivos autores.

Esta relação entre redação e pesquisadores, que se estabelece desde a chegada do artigo e só se desfaz quando a revista é publicada, pretende colaborar para que o conhecimento científico seja repassado ao leitor da forma mais clara possível. Considera-se que o cientista, ao se envolver em todas as fases do processo de produção da revista, não só prima pela qualidade do conteúdo a ser divulgado como tem a oportunidade de refletir sobre a linguagem empregada para dialogar com o público leigo.

O retorno dos leitores permite concluir que, quando os fatos e métodos da ciência são absorvidos com prazer e interesse, especialmente pela criança, a tendência é que seja gerada uma demanda permanente pelo conhecimento. O resultado esperado é o desenvolvimento do senso crítico -- elemento indispensável para o exercício pleno da cidadania.

Consciência da contribuição social
Em tempos que o jornalismo científico reflete sobre a sua função social, pode-se considerar de vanguarda o trabalho de uma revista que, desde a sua concepção, há quase 17 anos, já procurava envolver a comunidade científica no processo de comunicação com crianças. A premissa pode ser ainda reforçada se for considerado que a publicação ampliou seus propósitos e seu público, tornando-se material de referência para o ensino fundamental.

Hoje, a proposta da revista de fazer divulgação científica se funde com o desejo de contribuir para a melhoria do sistema educacional do país. Por esta razão, Ciência Hoje das Crianças se esforça para participar ativamente do processo de alfabetização científica e torce para que outras publicações e outros canais na mídia surjam com objetivo semelhante.

O ideal, no entanto, seria que vários setores da sociedade tomassem para si a responsabilidade de popularizar a ciência, colaborando para elevar o Brasil a um patamar próximo ao dos países desenvolvidos. Uma articulação entre a mídia, a escola e a universidade, por exemplo, poderia resultar na renovação da idéia que o grande público faz da ciência: substituindo o conceito de área para superdotados pelo entendimento de algo que faz parte do cotidiano de todos.

A tarefa não é fácil. Talvez exija um plano de ações que passe pelo encantamento; ações subliminares que consigam traduzir o conhecimento científico como algo imprescindível para as pessoas tirarem o melhor proveito de qualquer coisa que façam na vida -- seja do trabalho, do filme no cinema, ou da leitura de uma bula de remédio.

Felizmente, já é possível identificar no discurso daqueles que trabalham com divulgação científica, a importância da integração de diversos setores da sociedade para equacionar a questão de como fazer as pessoas se interessarem por aquilo que se consideram incapazes de compreender. E não há dúvidas de que a mídia, como um desses setores, deve dar contribuição significativa, buscando a linguagem adequada para se comunicar com cada segmento do público. Afinal, em grande parte, os meios de comunicação de massa são responsáveis pelo estereótipo de que cientista é gênio e que ciência é sinônimo de laboratórios de última geração.

Bianca Encarnação é editora executiva da Revista Ciência Hoje das Crianças.

* Revisão de artigo publicado anteriormente na revista Ciência & Ambiente, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) - Vol 23, 2002.

 
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Atualizado em 10/07/2003
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