Resenhas

Uma história do feminismo no Brasil
Céli Regina Jardim Pinto

A Imagem da Mulher - Um estudo de Arte Brasileira
Cristina Costa

A cultura da física: contribuições em homenagem a Amélia Império Hamburger
Org. Antônio Augusto P. Videira e Sílvio R. A. Salinas

Outras resenhas


 

A cultura da física: contribuições em homenagem a Amelia Imperio Hamburger

Org. Antônio Augusto P. Videira e Sílvio R. A. Salinas, Editora Livraria da Física, São Paulo, 2001.

por Roberto Belisário

Até poucas décadas atrás a física e a matemática eram áreas tidas como essencialmente masculinas. Mesmo assim, várias mulheres brasileiras se destaracam nas décadas de 40, participando do início e da consolidação da pesquisa em física brasileira. Nomes como Amélia Império Hamburger, Elisa Frota Pessoa, Sonja Ashrauer, Maria Laura Mousinho Leite Lopes e Marília Chaves Peixoto - para ficar só no estado de São Paulo - deram contribuições importantes à física nacional, interagiram e colaboraram com os mais importantes cientistas da época no Brasil, como Gleb Wataghin, José Leite Lopes, César Lattes e Marcelo Damy de Sousa Santos. Várias outras mulheres destacaram-se também em outros lugares do Brasil, como no Instituto de Matemática e Física da Universidade da Bahia. São pessoas que abriram as portas para a participação das mulheres na pesquisa científica brasileira.

Uma dessas pesquisadoras foi recentemente homenageada, na ocasião dos seus 65 anos, com a publicação do livro A cultura da física: contribuições em homenagem a Amelia Imperio Hamburger, organizado por Antônio Augusto P. Videira, do Departamento de Filosofia da UERJ e Sílvio R. A. Salinas, do Instituto de Física da USP. Trata-se de uma coletânea de 17 artigos e um poema escritos por amigos e ex-alunos de Amélia convidados pelos dois organizadores, sobre diversos assuntos interdisciplinares relacionados com a física e a história da física. O elenco inclui nomes importantes da pesquisa nacional, como o matemático Newton da Costa, o físico José Leite Lopes e o historiador da ciência Shozo Motoyama.

Amélia formou-se no Instituto de Física da USP, em 1954, e desde então tem feito pesquisas na área da física pura, da epistemologia, da história da ciência e da educação. Uma das autoras, Maria Lucia Caira Gitahy, do Departamento de História da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, testemunhou: "Nós doutoras de hoje apoiamo-nos nos ombros daquelas que talvez, com ainda maior esforço, abriram as portas da universidade às mulheres".

A maior parte dos artigos coletados no livro não fala diretamente sobre Amélia, mas o conjunto forma um reflexo da sua personalidade: assim como ela sempre se preocupou com a relação entre as diversas áreas da ciência, conforme testemunharam diversos dos autores dos artigos, todos os textos do livro procuram investigar áreas fronteiriças relacionando a física com a história, a política, a filosofia, a arte, a educação, a lógica e a economia. Newton da Costa, do Departamento de Filosofia da USP, criador da lógica paraconsistente, escreveu sobre as possíveis aplicações desta lógica na formulação das teorias físicas modernas. Ana Maria de Carvalho, do Instituto de Psicologia da USP, relatou uma pesquisa conjunta com Amelia, contando como os conceitos de caos e indeterminismo ajudaram a inspiraram-lhe uma nova abordagem em pedagogia. Michel Paty investigou pontos em comum entre as ciências e as artes nos atos de criar, representar e compreender. Shozo Motoyama relacionou os avanços tecnológicos e o mercado de trabalho, desfazendo o mito de que o avanço técnico-científico inevitavelmente implica na diminuição do emprego.

Refletindo o interesse de Amelia pela epistemologia, um dos organizadores, Antônio Augusto P. Videira, em colaboração com Antônio Luciano L. Videira, da Universidade de Évora, em Portugal, analisou o histórico embate epistemológico no final do século XIX entre o atomismo de Ludwig Boltzmann e o energetismo de Wilhelm Ostwald (a idéia de que a natureza é contínua, plena, e não "granulosa" como prega a teoria atômica, sendo a energia, e não a matéria, a entidade fundamental da natureza). Olival Freire Jr., do Instituto de Física da Universidade Federal da Bahia, tentou resgatar a pouco conhecida epistemologia da mecânica quântica do matemático francês Paul Langevin, que teve papel importante no programa de pesquisa "história e epistemologia na formação de professores de física", dirigido por Amélia Hamburger a partir do início da década de 1980.

Amélia é mais conhecida como historiadora da ciência, e o maior número de artigos versa sobre essa área, incluindo um de José Leite Lopes sobre os primórdios da física das partículas. Sobre a história da física no Brasil, há um artigo sobre os pioneiros da física brasileira, de Penha Maria Cardoso Dias, do Instituto de Física da UFRJ, que inclui trechos de uma entrevista inédita com o físico Marcelo Damy de Sousa Santos, e um sobre a história da Sociedade Brasileira de Física, escrito por Sílvio Salinas, um dos organizadores do livro.

Sonja Ashauer
Amelia Hamburger tinha grande preocupação com o resgate da documentação sobre os primeiros tempos do Departamento de Física da antiga Faculdade de Filsofia, Ciências e Letras da USP e fez um trabalho de organização e divulgação daqueles arquivos através de exposições, simpósios e cursos. Essa pesquisa revelou algumas preciosidades. Uma delas é um conjunto de documentos sobre Sonja Ashrauer, uma física paulista muito pouco conhecida, nascida em 1923 e falecida prematuramente em 1948. Miriam Lifshitz Moreira Leite, Maria Amélia Mascarenhas Dantes, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, e Walkiria Fucilli Chassot, do Instituto de Física da USP, apresentaram no livro uma breve biografia de Sonja seguida de 9 páginas com cópias dos originais de documentos relacionados a ela, presentes nos arquivos da USP - incluindo várias cartas trocadas com Gleb Wataghin, um dos fundadores da física brasileira.

Em 1943, apenas duas pessoas formaram-se em física na USP. Uma foi César Lattes, por muitos considerado o maior físico brasileiro, conhecido por ter descoberto a partícula subatômica méson pi em 1947. A outra foi uma mulher, Sonja Ashrauer. Sonja foi também a primeira mulher brasileira a obter o título de Ph.D. em Cambridge, em fevereiro de 1948, sobre eletrodinâmica quântica (a versão quântica do eletromagnetismo), uma área então nascente. Seu orientador foi um dos principais pioneiros nessa área, Paul Dirac, um dos cientistas mais importantes e prolíficos do século XX.

Sonja voltou ao Brasil em 1948, no início do rápido processo que iria criar e consolidar as instituições de pesquisa em física no Brasil, deslanchado após a descoberta do méson pi por César Lattes, no ano anterior. Várias pessoas com as quais se correspondia, como Gleb Wataghin e José Leite Lopes (que conheceu Sonja em 1943 na USP), seriam protagonistas desse processo. Mas Sonja não pôde participar dele, porque faleceu pouco depois de chegar, no mesmo ano. Em um conjunto de depoimentos de José Leite Lopes reunidos na Biblioteca Virtual Leite Lopes, no portal Prossiga, o físico brasileiro referiu-se a ela várias vezes e lamentou sua morte, citando-a como "uma física muito importante".

A homenagem a Amélia conta ainda com outros trabalhos em diversas
áreas, como o de Katya Margareth Aurani, do Centro Univerisitário 9 de Julho (São Paulo), sobre o conceito de probabilidade usado por Boltzmann na sua discussão sobre a Segunda Lei da Termodinâmica; ou o de Patrick Petitjean, da Universidade de Paris 7, que comenta a imbricação entre ciência e política, usando como pano de fundo a colaboração entre o médico brasileiro Miguel Ozorio de Almeida e os cientistas franceses Paul Rivet e Henri Lougier.

Ainda sobre ciência & política, Fernando Souza Barros e Luís
Pinguelli Rosa, da URFJ traçam um panorama do estado-da-arte dos tratados internacionais sobre desarmamento nuclear. Ricardo Ferreira, da UFPE, contribuiu com uma história dos relógios de água, o tipo mais antigo de relógio depois do de sol, usado talvez desde Mesopotâmia. Na área da educação, Susana de Sousa Barros, da UFRJ, fez uma crítica ao ensino de ciências atual e defendeu um ensino de física voltado aos problemas que a sociedade enfrenta e para a compreensão da natureza da ciêcia. "O que os estudantes devereiam saber", escreveu Susana, "é como funciona a ciência e
desenvolver conceitos sobre sua natureza, poder discutir e pensar sobre assuntos de ciência e tecnologia relacionados à sociedade e compreender conceitualmente aspectos do universo, da natureza e suas inter-relações."

Leia também a entrevista concedida por Amélia Império Hamburger à revista ComCiência em maio de 2001.

Atualizado em 10/12/03

http://www.comciencia.br
contato@comciencia.br

2003
SBPC/Labjor

Brasil