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A Imagem da Mulher - Um estudo de Arte Brasileira
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A Imagem da Mulher - Um estudo de Arte Brasileira

Cristina Costa, Editora Senac Rio-São Paulo, 2002.

por Cristina Escobar e Ingrid Lemos

Mulher, arte e ciência, o que elas têm em comum? A pesquisa da socióloga Cristina Costa resultou em um livro lançado em 2002: A imagem da mulher: um estudo de arte brasileira, que traz um panorama da arte brasileira que analisa a mulher e sua posição na sociedade.

Entre as décadas de 70 e 80, quando predominavam os estudos de gênero na área de ciências humanas, muitos pesquisadores procuraram desvendar o universo feminino. De acordo com Cristina Costa, esse universo estava oculto, porque predominava a visão masculina, devido ao fato de existirem poucas mulheres pesquisadoras na área da sociologia.

Diante de um momento histórico de liberação feminina, ela decidiu abordar essa temática. A sua afinidade com a arte lhe permitiu perceber que a mulher era tema central em quadros, esculturas, gravuras e poemas. A pesquisadora utilizou 600 obras de arte dos museus de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, e 800 obras de Minas Gerais. As regiões foram escolhidas de acordo com a sua importância e facilidade de deslocamento.

Antes de analisar as obras, elas foram fotografadas, catalogadas e agrupadas de acordo com os elementos que as distinguiam: gênero, época de produção e temática. Depois, foram escolhidos os movimentos artísticos que dariam suporte às análises das obras, tais como modernismo, realismo, romantismo e também a forma de tratamento que seria dada à figura feminina.

A autora retratou uma visão da mulher diferente da encontrada na pesquisa tradicional, já que, utilizou fontes iconográficas, ou seja, imagens tais como pinturas, gravuras, iluminuras, além de alguns objetos de arte e esculturas.

Ao utilizar essas fontes para a sua pesquisa, enfrentou descrédito por parte de alguns pesquisadores, que achavam que não era possível fazer uma leitura científica da obra de arte. Quanto a isso a socióloga afirma que esse tipo de análise é possível, legítima e fecunda. A falta de tradição científica na leitura de imagens e a pouca valorização da arte brasileira foram outros problemas constatados por ela.

Estudou também a obra de mulheres artistas que surgiram no início do Movimento Modernista no Brasil, tais como Tarsila do Amaral e Beatriz Pompeo. Segundo a socióloga, a mulher artista é uma personagem recente e ainda tem uma expressão tímida na sociedade. "Devemos salientar que com o surgimento da pintura modernista, as mulheres inauguram a sua participação na arte brasileira. Encontramos não só retratos, mas um grande número de auto-retratos que acrescentam importantes aspectos ao estudo da imagem feminina. Os retratos dessa época não serviam apenas ao culto doméstico; transformados em obras de arte, eram produzidos para salões e concursos, as mulheres passaram a produzir sua auto-imagem".

A socióloga trabalhou com as questões de gênero, na qual ela mesma estava inserida. Ao ser indagada sobre as dificuldades de seu percurso ela responde que foram muitas. "Falta de verbas, de apoio institucional, de interesse. O fato de que minha pesquisa terminou em 1990 e foi publicada em 2002 dá a medida exata das dificuldades pelas quais passo e passei. O fato de ser mulher também dificulta muito em muitos aspectos - na concorrência com os homens, nos salários, nos espaços decisórios, no machismo reinante da nossa cultura, especialmente nas instituições públicas".

A principal conclusão citada por Costa foi "a descoberta de que a mulher foi importantíssima no Brasil agrário. Ela era chefe do grupo e partilhava com o homem o poder patriarcal. A semelhança de seus retratos - do casal - aponta para isso".

Na tese sobre os diferentes tipos femininos mais presentes no Brasil, Costa compara seus resultados com os de uma pesquisa realizada na State University of New York. A pesquisadora Ann Kaplan, interessada em saber como a cultura americana trata o tema da maternidade, pesquisou a questão analisando a produção cinematográfica dos Estados Unidos a partir do século XIX.

Ela identificou três tipos femininos fortes nos filmes estudados. O "cúmplice", onde a mulher que vive a época da revolução industrial renuncia a tudo em prol da família. O segundo tipo, a mulher "resistente" surge no século XX entre as duas guerras, e mostra a emancipação do feminismo, a integração da mulher no mercado de trabalho e a sua luta pela sobrevivência das famílias. O último identificado é a mulher "pós-moderna" que depois de conquistar espaço social, econômico, político e a liberdade, enfrenta outras questões: aids, homossexualismo e formas não convencionais de reprodução.

A pesquisa de Ann Kaplan tem certas semelhanças com os tipos descobertos por Costa. Como por exemplo, a mulher "cúmplice" descrita por Kaplan pode encaixar-se nos retratos realistas de mulheres do século XIX, que eram mulheres fortes e resignadas e também viviam no meio rural. Porém, existem distinções. O Brasil era agrário, quase feudal, enquanto os Estados Unidos já eram um país industrializado e urbanizado. Outra semelhança foi entre a mulher representada nos retratos românticos modernistas e o tipo "resistente", mas nesse caso, a mulher americana já enfrentava a disputa com os homens no mercado de trabalho.

A relação entre as duas pesquisas mostrou à socióloga um importante fato: a arte clássica ou erudita e a cultura de massa não podem ser separadas para desenvolver uma pesquisa atual.

Outra conclusão da socióloga foi que, no passado, a arte podia ser estudada baseada em movimentos - os ismos - romantismo, impressionismo, expressionismo, cubismo. A arte moderna não pode ser analisada dessa forma, visto que ela está inserida em uma sociedade onde a estética, mesmo que baseada nesses movimentos, não é composta somente por eles, é permeada por diversas mídias, tais como televisão, cinema, internet, entre outras. Daí surge um novo contexto de produção e reprodução de imagens que passa a povoar o imaginário da sociedade.

Em seu livro, Costa explica esse pensamento, comentando "os ismos" artísticos: "os gêneros não representam apenas criações artísticas, mas necessidades psicológicas e sociais satisfeitas por meios estéticos". A pesquisadora ressalta ainda que o processo de construção da imagem tornou-se contínuo e dinâmico e acompanha as novas tecnologias, fazendo com que a imagem passe por diferentes formatos e suportes.

Diante dessas conclusões acerca da representação da mulher na arte, a pesquisadora percebeu que para compreender o universo feminino será necessário também analisar as imagens tratadas e veiculadas pela mídia em geral, além da arte, essas imagens permeiam o cotidiano da sociedade contemporânea.

Atualizado em 10/12/03

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2003
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Brasil