Editorial

Por Carlos Vogt

Polaróide*

Em 1985
– da madrugada do dia 14 de março
à noite do dia 21 de abril –
houve um singular e calvarioso eclipse do sol.

Os velhos, as crianças, as mulheres e os homens,
os políticos, os soldados, os juízes e os réus,
os patrões, os operários, os professores e os banqueiros,
os padres, os empregados, os estudantes e os sem-emprego,
os camelôs, os penitentes, as famílias e os bandidos,
os ricos, os artistas, os agiotas e os otários,
os anônimos, os notórios, os que têm pão e os que têm fome,
o público, os poetas, os céticos e os condestáveis,
os jornais, os diaristas, as TVs e os solitários,
os situados, os opostos, os neutros e os impostos,
os que dão, os que recebem, os que guardam e os que servem,
todos, unânimes, chamaram este sol ocluso
Tancredo de Almeida Neves, presidente.

Depois, quando o astro apareceu de novo,
as pessoas choraram e bateram sua angústia
contra os desígnios de Deus,
e todos ficamos atônitos com a claridade do sol
só chamado sol.

*Publicado originalmente em Geração ( ed. Brasiliense, São Paulo, 1985, p. 41-42, e retomado em Poesia Reunida (Landy Editora, São Paulo, 2008, p. 183-184).