Falta de investimento põe em risco museus universitários no Brasil

Por Bianca Bosso e Luane Almeida 

Há nove meses, o incêndio do Museu Nacional, que contava com um acervo científico resultante de mais de 200 anos de trabalho, mobilizou cientistas e especialistas e sensibilizou a comunidade nacional e internacional. Apesar de grandes holofotes terem sido voltados para esta tragédia, o fato é que não se trata de um incidente isolado: entre 2008 e 2018, cinco outros prédios que contavam com acervos científicos ou culturais passaram por tragédias com fogo somente na cidade de São Paulo. O fogo, no entanto, não é o único fator alarmante para a situação dos museus no Brasil. Muitos têm que lidar com problemas na estrutura de seus prédios, como rachaduras e infiltrações, bem como com a falta de pessoal especializado. 

Paulo Amaral, presidente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), relata: “Os museus brasileiros, e mesmo muitos estrangeiros, sempre funcionaram com dificuldades, ao menos os públicos”. Assim, ainda que a mídia tenha se voltado para este problema somente após o incêndio do Museu Nacional, que é vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a questão financeira dos museus é um problema que vem sendo enfrentado há um bom tempo. 

Como funcionam os museus de ciências vinculados às universidades?

Os museus universitários diferem daqueles que não são vinculados a instituições de ensino. Segundo definição proposta por Fernando Bragança Gil, um dos responsáveis pela criação e o desenvolvimento do Museu da Ciência da Universidade de Lisboa, os museus universitários devem ter como missão servir de apoio para atividades científico-pedagógicas e constituir uma interface entre a universidade e a sociedade, de forma a difundir o conhecimento construído nas universidades e sensibilizar o grande público (principalmente os jovens pré-universitários). Os museus universitários brasileiros são muito diferentes entre si, apresentam grande multiplicidade em termos de estrutura, tamanho e temas, mas o que os une é o compromisso com o ensino, com a pesquisa e com a extensão. 

Outro ponto de convergência é a forma de financiamento desses espaços. No Brasil, os museus universitários dependem quase que exclusivamente do repasse de verbas das universidades. No entanto, esses recursos monetários são divididos de maneira desigual entre as três principais frentes de atuação das instituições: pesquisa, ensino e extensão. Segundo a jornalista Luciana Noronha, que estuda museus de ciência em sua pesquisa de mestrado em divulgação científica e cultural na Universidade Estadual de Campinas, “a principal dificuldade dos museus ainda parece ser a falta de recursos, especialmente em centros e museus ligados a instituições de pesquisa. Isto ocorre porque essas iniciativas precisam concorrer internamente com verbas direcionadas prioritariamente para a atividade científica, de modo que o montante destinado às atividades de divulgação raramente está garantido”.  

As atividades de pesquisa são priorizadas, de forma que a destinação de recursos para as atividades de extensão (onde se encaixam, a priori, os museus) é muitas vezes precária. Emanuela Sousa Ribeiro, professora do Departamento de Antropologia e Museologia e do mestrado profissional em gestão pública da Universidade Federal de Pernambuco, em artigo publicado na Revista do programa de pós-graduação em ciência da informação da Universidade de Brasília, explica esse desequilíbrio partindo do conceito de capital científico. O capital científico seria a moeda de troca, o retorno gerado pelas atividades desenvolvidas em uma universidade. As atividades de pesquisa geram capital científico a todo tempo: patentes, publicações, financiamento de projetos, já os museus não geram esse capital e, por isso, não são valorizados no ambiente institucional, sendo preteridos na disputa por recursos humanos e materiais. Da mesma forma, Luciana Noronha relata que “a renovação e atualização das coleções e a montagem de mostras temporárias, neste contexto, definitivamente ficam em segundo plano frente às necessidades e urgências diárias dessas instituições”.

Apesar de, nas últimas décadas, os museus atuarem ativamente no desenvolvimento de pesquisas e atividades de ensino, esses espaços muitas vezes não são vistos como geradores de capital científico. Esse cenário revela que os museus fazem parte do eixo mais frágil do tripé universitário, tornando-se, possivelmente, alvos imediatos para cortes orçamentários. 

Elucidando ainda mais esta realidade financeira, Gabriela Melo, do Museu de Ciências Nucleares da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), explica que nem sempre o museu recebe verba da universidade – o recurso pode vir de outra fonte, como as agências de fomento. “Seu funcionamento acontece por meio de projetos desenvolvidos com auxílio da Facepe (Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco), juntamente com a boa vontade dos monitores e da coordenação”. Falando sobre a realidade do Museu de Ciências Nucleares, Gabriela Melo concorda com Luciana Noronha que a questão financeira é crucial para o funcionamento do museu. “A principal dificuldade é em relação ao auxílio financeiro, que prejudica a promoção de novos equipamentos e ampliação do espaço expositivo”.

O banco de dados do International Comittee for University Museums and Collections (Umac), uma subdivisão do International Council of Museums (Icom) lista 136 museus vinculados a universidades no Brasil, dos quais 20 são classificados como museus de ciência e tecnologia, 38 como museus de história natural e ciências naturais, 13 de medicina, 6 de história e arqueologia, 17 de etnologia e antropologia. A Rede Nacional de Identificação de Museus registra 264 museus de ciências no Brasil. Isso quer dizer que 35% dos museus de ciências no Brasil são vinculados a universidades. 

A situação desses museus foi agravada pelos cortes realizados em educação nos últimos anos. O orçamento previsto para o Ministério da Educação (MEC) passou de R$ 84 bilhões em 2015 para R$ 37 bilhões em 2019. Embora o empenho desses recursos não tenha passado de R$ 27 bilhões nos últimos 4 anos, por contingenciamentos ou ineficiência na aplicação dos recursos, essa diminuição orçamentária prejudica o planejamento de ações. As instituições financiadas pelo MEC, como as universidades, são então obrigadas a reestruturar a distribuição de suas receitas, o que pode levar a uma diminuição no orçamento (já pequeno) que é repassado para os museus universitários. 

Outras fontes de recursos

Segundo Paulo Amaral, museus podem ser públicos ou privados. “Em geral, no caso dos museus públicos, eles são apoiados pela federação, governo estadual e municipal no que diz respeito ao funcionamento de sua estrutura básica (pessoal, espaço, água, luz, segurança, limpeza)”. Já quanto à captação de subsídios para as exposições e atividades desenvolvidas nos museus públicos, Amaral complementa: “este apoio pode ser menor e depende de dotação orçamentária. As Leis de Incentivo à Cultura (federal e estadual, especialmente) representam alternativas capazes de suprir esta parte (e é o que ocorre), apoiando os museus”. Ainda, segundo o portal Ibram, existe uma terceira alternativa para a captação de recursos para atividades museológicas: a submissão de projetos para editais propostos, por exemplo, pelo Ministério da Cultura e suas entidades vinculadas (como o próprio Ibram, que tem como objetivo promover e assegurar a implementação de políticas públicas para o setor museológico).

Os museus privados captam recursos através da bilheteria e lojas de souvenirs. No entanto, boa parte da arrecadação de alguns museus é proveniente de patrocínios e parcerias. Segundo o portal Gauchazh, o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), por exemplo, obtém de doações e patrocínios metade de sua receita, sendo que o valor arrecadado pela bilheteria e loja de souvenirs corresponde apenas a um quarto do total.

Luciana Noronha relata que “percebem-se realidades distintas neste aspecto: as iniciativas museológicas vinculadas a universidades e outras instituições públicas, em geral, padecem com a escassez de recursos até mesmo para a manutenção de suas coleções e para a sua operação regular. Já aquelas iniciativas que contam totalmente ou parcialmente com investimento privado, via de regra, conseguem manter-se com maior facilidade”.

Os custos de um museu podem ser divididos entre fixos, dinâmicos e de oportunidade. No primeiro grupo se encontram a manutenção do prédio, mão de obra especializada, não especializada, reserva e acervo. Os custos dinâmicos dizem respeito às formas de tornar o museu mais atraente, como informatização, manutenção de sites e redes sociais, entre outras. E custos de oportunidade, relativos às escolhas feitas e principalmente ao valor representativo do patrimônio imobilizado (a coleção) pelo museu.

E entre os custos fixos, assim como é importante garantir que exposições e atividades sejam bem estruturadas, os museus necessitam também de outra peça fundamental para garantir um bom aproveitamento desse espaço: os mediadores.

A manutenção de mediadores é mais um ponto afetado pela falta de investimentos, pois inúmeros museus funcionam com uma equipe reduzida. Em 2015, três anos antes do incêndio, o Museu Nacional chegou a fechar as portas devido a atrasos nos repasses por parte do governo federal que impossibilitaram o pagamento de seus funcionários.

Um educador no contexto museal atua na comunicação entre os objetos e o público, desenvolve atividades, oficinas e experimentos, além de viabilizar o acesso às atividades em diversos níveis, de forma a atender a demanda de públicos heterogêneos em diversos âmbitos, especialmente etário e social. Isso exige um corpo de trabalho muito complexo, pois trata-se de um trabalho significativo para que a sociedade possa conhecer e valorizar a prática da visitação.

Bianca Bosso cursa graduação em ciências biológicas na Unicamp
Luane Almeida cursa a graduação em ciências biológicas pela Unicamp