O retrocesso socioambiental nos EUA sob a nova gestão de Trump

Por Juliana Vicentini

No início do seu segundo mandato, o presidente norte-americano coloca a insustentabilidade em prática ao reverter mais de 70 regulações ambientais

O ano de 2024 é considerado o mais quente da história. Foi a primeira vez que a temperatura subiu 1.5ºC, segundo o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus. O aquecimento global está relacionado às ações humanas, principalmente à emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE) proveniente majoritariamente da queima de combustíveis fósseis. Os EUA é responsável por mais de 11% das emissões globais, alcançando a segunda colocação mundial, revela a plataforma Edgar (Emissions database for global atmospheric research – Banco de dados de emissões para pesquisa atmosférica global).

Dada sua expressiva contribuição para a degradação ambiental, os EUA deveria ser um país com estratégias para contribuir para a sustentabilidade. No entanto, não tem caminhado nessa direção. A primeira gestão de Trump (2017-2021) como presidente causou um desmonte ambiental. Naquele período, ele revogou 112 regras, que impactaram negativamente o meio ambiente, detalha o levantamento do jornal The New York Times. Em 2025, o republicano retorna ao cargo e o mundo se depara como uma espécie de vale a pena ver de novo. Trump assinou decretos eliminando mais de 70 iniciativas relacionadas à mitigação climática, analisa o Financial Times.

A saída do Acordo de Paris

O Acordo de Paris é o tratado internacional firmado em 2015 durante a 21ª Conferência das Partes (COP21) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática. Ele objetiva fortalecer o compromisso de 194 Estados e União Europeia na redução de emissão de gases de efeito estufa, na mitigação e adaptação ao clima, e no monitoramento de metas climáticas dos signatários. Nas primeiras horas de segundo mandato, Trump anunciou a saída dos EUA do acordo.

O próprio acordo determina que a retirada de qualquer país entra em vigor um ano após o aviso oficial. Portanto, o desligamento dos EUA se efetivará em 2026. A partir do próximo ano, o país deixará de fornecer financiamento climático, não terá direito a voto sobre decisões, não poderá nomear membros e não apresentará relatórios sobre o progresso em relação aos compromissos firmados.

Astrid Caldas é brasileira, reside há 29 anos nos EUA e é pesquisadora da Union of Concerned Scientists (União de Cientistas Conscientes). Ela explica que a principal motivação para essa decisão do presidente é econômica. “Trump acha que as promessas feitas pelos EUA para ajudar em termos de bilhões de dólares é desperdício, porque ele só vê dólar. Ele pensa em tudo em termos de fazer negociação, em termos de quem vai se dar melhor. Na minha opinião, na opinião de muita gente com quem eu converso, ele não está ligando para as pessoas, para o mundo, para o ambiente e para nada que possa ser destruído à medida que o aquecimento global aumenta. A saída do Acordo de Paris é tanto um posicionamento para mostrar que ele faz o que quer porque manda nos EUA, e ao mesmo tempo tem esse fator econômico”.

A ordem executiva de Donald Trump tem como objetivo “interromper quaisquer contribuições financeiras climáticas dos EUA. Isso significa que a nova meta global de financiamento climático de US$ 1,3 trilhão por ano até 2035, acordada em Baku, se tornou muito mais difícil de ser alcançada. Isso impactará diretamente os países mais pobres, além de degradar a confiança da comunidade internacional na eficácia do processo”, pontua o Woodwell Climate Research Center (Centro de Pesquisa Climática Woodwell).

“Perfurar, baby, perfurar”

Os EUA é o maior produtor de petróleo do mundo. Em 2024, o país produziu 13.2 milhões de barris por dia, segundo o relatório da U.S. Energy Information Administration (Administração de Informação de Energia dos EUA). O uso de combustíveis fósseis, a exemplo de petróleo, carvão e gás natural, contribui para o aquecimento global. No contexto de mitigação das mudanças climáticas, cientistas já sinalizaram a importância de uma transição energética, ou seja, de uma mudança do modelo vigente para um modelo sustentável, baseado em energias renováveis, como solar, biomassa e hidrelétrica.

Ignorando essa necessidade planetária, em seu discurso de posse, Trump disse “perfurar, baby, perfurar”. Esse lema anuncia o aumento da exploração de petróleo e extração mineral. O presidente revogou um memorando que proibia a perfuração de petróleo de 6,5 milhões de hectares no Ártico e em áreas costeiras, destaca a agência Reuters.

Ele justifica que o país sob sua gestão está passando por uma emergência energética. “A crise energética que ele fala não existe. Tem bastante petróleo que ele quer continuar explorando. É uma desculpa para agradar as companhias de petróleo, como a ExxonMobil, Chevron e Shell que disponibilizam bilhões de dólares para o governo manter o status quo. Na visão de Trump, enquanto tiver óleo, tem que extrair”, esclarece Astrid Caldas.

Limitação ao acesso e exclusão de informações climáticas

Enquanto as mudanças climáticas integram os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas e são um consenso entre a maioria dos cientistas, Trump engaveta a temática. Em menos de duas semanas de sua nova gestão, o presidente ordenou que os sites vinculados ao governo removessem dados e referências relacionados a crise climática. O Departamento de Agricultura dos EUA que administra o Serviço Florestal foi um dos afetados por essa medida. De acordo com a ABC News, os colaboradores receberam uma planilha na qual tinham que preencher informações a respeito dos conteúdos sobre mudanças climáticas. Esse material seria revisado pelas autoridades competentes para decidir o que continuaria público ou não.

Para Caldas, Donald Trump “quer que os fatos dele sejam os fatos que dominam o discurso das agências federais, ou seja, os fatos de que a mudança climática não existe, que é uma piada, é um golpe, que não tem nada a ver isso, porque sempre teve aumento e diminuição de temperatura. Então, o discurso tem que ser voltado para o que a administração quer que o povo veja”, enfatiza a pesquisadora do Union of Concerned Scientists (União de Cientistas Conscientes).

Veto de cientistas norte-americanos na reunião do IPCC

Em fevereiro de 2025, no Japão, ocorreu a primeira reunião do ano dos Autores Principais do Relatório Especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Segundo o IPCC, o evento reuniu cerca de 100 especialistas selecionados de mais de 50 países para discutir o estado da arte atual da ciência ambiental, caminhos e temas de pesquisas, cronograma de execução de atividades e orçamento necessário.

A gestão Trump vetou a participação de cientistas norte-americanos na reunião. Essa manobra pode interromper programas de monitoramento climático e diminuir a produção científica americana na área de clima. Na incerteza sobre o apoio federal, pesquisadores de diversas instituições criaram a U.S. Academic Alliance for the IPCC (Aliança Acadêmica dos EUA para o IPCC) que visa à indicação de cientistas norte-americanos para contribuir na elaboração do próximo relatório.

Astrid Caldas pontua que “fora do governo federal muitas organizações irão continuar o seu trabalho com mudanças climáticas. O problema é que o governo federal é, ou era, o maior produtor de dados ambientais do mundo, provavelmente”.

Corte de verba para pesquisas climáticas

A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) e a Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (Nasa) reúnem dados sobre monitoramento de furações, tornados, tsunamis, previsão do tempo, qualidade da água e demais pesquisas ambientais. Essas organizações sofreram com a demissão de colaboradores e corte de verbas. O governo Trump desligou 880 funcionários da NOAA e planeja cortar mais mil, segundo o The Guardian. O orçamento da Nasa será reduzido em 50% no ano de 2026, afirma Mike Mall em seu artigo ao Space.

 A redução de financiamento tem implicações graves. No que diz respeito à capacidade de preparação para eventos climáticos extremos, de imediato, já há preocupações com a temporada de furacões deste ano.

Fechamento de escritórios de justiça ambiental e direitos civis

O Office of Environmental Justice and External Civil Rights (Escritório de justiça ambiental e direitos civis externos) lidera as iniciativas de assistência técnica, interage com as comunidades, oferece suporte para resolução de conflitos e respostas colaborativas sobre questões socioambientais, segundo a United States Environmental Protection Agency (Agência de Proteção Ambiental dos EUA).

Para Ella Mendonsa, Gerente Sênior do Natural Resources Defense Council (Conselho de Defesa dos Recursos Naturais), esse escritório “é fundamental na proteção dos direitos legais das comunidades ao ar e à água limpos e à redução da poluição grave. O escritório é uma das únicas alavancas para as comunidades responsabilizarem os poluidores pelos danos que causam”.

Trump assinou um decreto no qual anunciou que fechará todos os escritórios de justiça ambiental e encerrará demais atividades relacionadas ao tema. Segundo o artigo de Megan Quinn, essa decisão faz com que as empresas sejam menos responsáveis pela poluição que geram e deixa as comunidades vulneráveis com menos recursos para ações de limpeza e prevenção de poluição. Para Ella Mendonsa, esse ato “consagra firmemente os poluidores em detrimento das pessoas. Isso reduz as barreiras para que empresas instalem construções insalubres, perigosas e, às vezes, mortais em bairros vulneráveis”.

As comunidades de baixa renda “enfrentam taxas maiores de mortes respiratórias, neurológicas e prematuras devido às instalações prejudiciais à saúde que são construídas em seus bairros ou nas proximidades. Sem o Escritório presente, os poluidores podem escapar de quaisquer consequências”, esclarece Mendonsa.

Ações que influenciam o mundo

O retrocesso socioambiental tem implicações planetárias. “Os Estados Unidos são vistos como líder do mundo. O que fazem, outros países também tentam fazer. O impacto será visto no mundo todo”, explica Astrid Caldas.

Governantes da Indonésia e Nova Zelândia cogitaram a possibilidade de pegar carona com os EUA e abandonar o Acordo de Paris, relata o Clima Info. “A exploração do petróleo na Foz do Amazonas é justificada a partir do mesmo discurso do Trump, que o petróleo vai financiar a transição para energias limpas. O discurso já está se espalhando até para governos que não esperávamos que fossem atacar o meio ambiente. E eu acho que esse vai ser o grande teste da humanidade”, ressalta pesquisadora Caldas.

Juliana Vicentini é doutora em ciências (ecologia aplicada) pela USP e especialista em jornalismo científico pela Unicamp.