Reportagens






 

Os primórdios do Conectiva Linux

Rodrigo Stulzer

A Conectiva foi a primeira empresa brasileira a comercializar e oferecer suporte para uma versão em português do Brasil de uma distribuição Linux. Neste texto, um de seus fundadores conta um pouco da história da empresa.

Com a data de lançamento da nova versão de nossa distribuição, a Conectiva Linux 10, cada vez mais próxima, é sempre bom recordar como tudo começou. A Conectiva tem quase 10 anos de estrada e mais de 16 distribuições lançadas no mercado nacional e internacional. Fundada em 28 de agosto de 1995, a empresa se dedica a desenvolver e comercializar o Linux, tendo um reconhecimento mundial pela sua competência técnica. De fato a Conectiva é parte da história do Linux no Brasil e no mundo.

O contexto da época da fundação da empresa era o início da internet comercial no Brasil. Milhares de pessoas queriam acessar a famosa rede mundial de computadores, mas ainda não existia infra-estrutura de provedores de acesso. As empresas que proviam acesso eram poucas, cobravam caro e a maioria das soluções eram proprietárias. E foi exatamente nesse mercado que começamos a atuar, instalando e configurando provedores; primeiro regionalmente e em seguida pelo Brasil afora. É assim que começa a história da Conectiva Linux.


Antiga sede da empresa, no bairro do Parolin

Em 1996, o negócio de montar provedores de acesso para terceiros estava indo muito bem. Tínhamos clientes por diversas partes do Brasil e os discos rígidos contendo o Linux instalado e configurado eram enviados para todos os lugares.

Já nos primeiros meses que estávamos instalando servidores, o Arnaldo [Carvalho de Melo, sócio da Conectiva ] falava em termos a nossa própria distribuição. A motivação principal era economizar tempo em instalar e configurar um provedor de acesso. Da maneira que estávamos fazendo demorava muito tempo, pois tínhamos que personalizar o sistema todas as vezes que o instalávamos. As distribuições que utilizávamos (primeiro a Slackware e depois a Red Hat), não nos atendiam plenamente. O problema é que diversos recursos adicionais que precisávamos não estavam incorporados ao sistema e tudo era feito "na mão", todas as vezes que um novo provedor precisava ser instalado. O Arnaldo começou a manter um repositório de pacotes e dessa maneira a tarefa de instalar um novo sistema começou a ficar mais fácil.

A idéia de fazermos a nossa própria distribuição evoluiu. Uma noite tivemos a nossa reunião semanal na sede da Conectiva e nos foi apresentado um orçamento para a confecção de mil CDs, com manual e embalagem. Discutimos por algum tempo vendo se o investimento seria recompensado. Vender mil cópias de um sistema operacional totalmente desconhecido, em 1997, não seria um trabalho fácil. Foi quando alguém chegou à brilhante conclusão que se vendêssemos 200 cópias os custos seriam cobertos. Não demorou nem cinco minutos para chegarmos ao consenso de que 200 cópias seria um objetivo fácil de se alcançar.

Baseamos nossa primeira distribuição na americana Red Hat. O sistema de gerenciamento de pacotes era muito bom. Economizávamos um tempo considerável ao instalar um novo provedor ou desenvolver soluções customizadas gerais para os primeiros clientes fora do eixo de provedores de acesso.


Primeira distribuição do Conectiva Linux - Parolin

Como o sistema era livre, pegamos todos os [códigos] fontes da Red Hat e começamos a adaptá-los para as nossas necessidades. Em seguida internacionalizamos os pacotes de instalação e incluímos suporte às placas de rede mais utilizadas no Brasil. Incluímos a versão do Kde [uma das interfaces gráficas do Linux] no sistema e tínhamos um Linux adaptado ao nosso país.

Para dar uma força maior na distribuição nos aliamos à Red Hat, que já era muito conhecida na época. Entramos em contato com eles e fechamos um acordo de utilização do nome Red Hat como parte do nosso produto. Em setembro de 1997 lançamos o Conectiva Red Hat Linux, codinome Parolin (CRHL).

O Parolin era o nome do bairro em que a sede da Conectiva estava naquele momento. Uma casa confortável em que, de vez em quando, vacas e cavalos passavam com seus donos na mão. A área não era rural, mas ainda conseguimos ter por um tempo essa visão que só uma cidade do interior poderia nos proporcionar, a menos de 10 minutos do centro de Curitiba.

A sede do Parolin foi um grande avanço para a empresa. Até esse momento, somente os sócios fundadores trabalhavam executando serviços técnicos. A única pessoa de fora era uma secretária, que hoje é casada com Rik Van Riel, um dos kernel hackers responsáveis pela área de memória do kernel Linux.

A partir do Parolin começamos a contratar alguns funcionários e estagiários para ajudar a montar provedores e dar suporte para toda a malha de servidores Linux instalados. Nessa época a internet já era usada extensivamente na Conectiva. Por ela recebíamos pedidos de suporte de clientes, trocávamos informações entre todos na empresa e até já nos enviavam currículos via email.

Em um determinado dia foi recebido um currículo de um rapaz de 14 anos que trabalhava no primeiro provedor de acesso de Curitiba. Ele atendia pelo apelido de Dumped e dizia estar interessando em trabalhar na Conectiva. O menino acabou sendo contratado; seu nome era Marcelo Tosatti e hoje ele é o mantenedor da série estável do kernel Linux.

A primeira sede da empresa tinha como endereço a casa dos pais de um dos sócios e o fax ficava em outro endereço, mais precisamente no meu quarto. A próxima sede era uma sala com não mais que 30 metros quadrados perto do centro de Curitiba.

As vendas do CRHL começaram pequenas, mas constantes. A política era simples. Vendia-se direto para o usuário final e para receber preço de revenda era necessário comprar 10 unidades. Foi feito também um comércio eletrônico via internet e, a cada pedido processado, um email era enviado para os sócios da empresa. A cada email de venda recebido a alegria era total, pois não eram muitas pessoas que conheciam o Linux naquele tempo.

No início da empresa uma política de trabalhar junto com universidades e outras instituições de ensino foi implementada. Para receber uma caixa sem nenhum custo a universidade só precisava mandar um ofício assinado pelo responsável da área de informática. Em poucos dias ele teria a sua cópia do CRHL. Isso ajudou a proliferar o Linux no meio acadêmico, junto com outras iniciativas individuais de vários estudantes que já conheciam o sistema.

As vendas da primeira versão do Linux da Conectiva tiveram uma virada espetacular quando a análise do produto saiu na revista Info Exame. Foi uma página inteira dedicada ao produto, com um desenho do Tux, símbolo do Linux, na parte central. A partir daquele momento as vendas cresceram rapidamente e a tiragem de mil exemplares se esgotou.

A decisão tinha que ser tomada, e as opções eram reimprimir o Parolin ou fazer uma nova versão do nosso sistema. A Fenasoft de 1998 estava chegando e achamos que seria melhor ter um sistema atualizado do que reimprimir a versão do Parolin. Foi assim que foi lançada a segunda versão de nossa distribuição, o Conectiva Red Hat Linux, versão Marumbi.

O nome Marumbi foi dado pelo Arnaldo. Marumbi é um conjunto de montanhas na Serra do Mar, perto de Curitiba. Alguns meses antes de dar-se início ao desenvolvimento da nova versão havíamos escalado o Marumbi. Provavelmente foi isso que o inspirou a dar o nome da versão.

O estande da Conectiva na Fenasoft de 1998 era muito pequeno, mas não deixava nada a desejar em relação a qualquer outro grande expositor. O espaço estava sempre cheio de curiosos e simpatizantes do Linux, querendo saber mais sobre o sistema e comprando a nova versão. Naquela época recebi um email de um colega de São Paulo. Ele dizia que "havíamos descoberto uma mina de ouro ou estávamos enganando muita gente", tamanho era o interesse das pessoas e a lotação do estande, que era minúsculo.

A partir da terceira versão, o nome Red Hat foi deixado de lado e o sistema passou a ser conhecido somente como Conectiva Linux, agora na sua versão Guarani. Com um manual de mais de 800 páginas e diversos recursos melhorados, o Guarani foi, na época, a versão em que mais foram gastas horas de desenvolvimento do sistema. Nessa época, o time de desenvolvimento já estava bem entrosado e cuidava somente do desenvolvimento da distribuição, não se envolvendo mais com atendimentos para os provedores de acesso.

Até essa época todas as versões eram acompanhadas de seus respectivos codinomes (Parolin, Marumbi, Guarani). Notou-se que isso retirava a identidade do produto, pois o sistema estava sendo chamado de diversos nomes e o mais importante (Conectiva Linux) nem sempre era a primeira coisa que o usuário lembrava. Por causa disso a quarta versão do sistema, apesar de ter um nome interno, Ipanema, foi lançado no mercado somente com Conectiva Linux 4.0.

Essa confusão de nomes ficou explícita com o Guarani. O seu nome oficial era Conectiva Linux 3.0 Guarani. Em listas de discussão chegou-se a ver diversos disparates. Chamavam o sistema de Linux Guarani, Red Hat Guarani e Guarani. O nome que realmente importava (Conectiva) não era mencionado pela totalidade das pessoas. Ora, se o nome de uma empresa não é lembrado, o que será do seu futuro? Foi essa a principal razão para abandonarmos os codinomes e adotarmos somente os números. A Conectiva não estava inovando, mas sim usando uma prática de mercado, já consagrada por diversas empresas, nomeando o produto de uma maneira que o consumidor ajudasse a também fazer a propaganda do mesmo.

Programação visual
A programação visual do Conectiva Linux 4.0 é uma história à parte. A agência de publicidade que atendia a Conectiva havia feito duas ou três propostas para a caixa do produto; nenhuma estava do nosso agrado. Precisávamos de alguma coisa mais forte, de mais identidade com o cliente e a empresa. O problema era que os prazos (sempre os prazos) estavam apertados e não havia mais tempo para escolher. Numa manhã chegou o novo estudo da caixa. Era uma proposta em que a caixa era toda negra, com inscrições em binário e detalhes em prata. Olhamos por vários minutos, discutimos um pouco e acabamos concordando que, apesar de não ser a ideal, aquela proposta poderia nos atender.


Caixa da versão 4.0 do Conectiva Linux

O design da caixa foi muito elogiado pelos usuários. Ela era toda preta e tinha o número da versão apresentada sob a forma de notação binária. Até hoje se ouve pessoas falando dele e de que esta havia sido a melhor versão desenvolvida pela Conectiva. É interessante, pois não houve mudanças tão significativas no produto. O perfil típico da pessoa que comprava o Conectiva Linux na época ainda era o de aficionados por informática e tecnologia. A caixa, totalmente preta e com seu número de versão escrito em binário acabou criando uma aura especial e de mistério. O ano era 1999, e o filme Matrix estourava nas bilheterias do mundo inteiro.

Depois vieram as versões 5 (fevereiro de 2000), 6 (novembro de 2000), 7 (julho de 2001), 8 (abril de 2002) e 9 (abril de 2004), mas essa é uma história para contarmos em um próximo capítulo.

E gostaria de relembrar que o Conectiva Linux 10 está para ser lançado brevemente. Você pode acessar mais informações sobre a prévia da nova versão em https://moin.conectiva.com.br/TechnologyPreview.

Rodrigo Stulzer é diretor da empresa Conectiva Linux.

 
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Atualizado em 10/06/2004
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