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Alternativas de manejo de solo e água para o semi-árido brasileiro

Paulo Roberto Coelho Lopes

O semi-árido brasileiro corresponde a, aproximadamente, 60% da região Nordeste e ocupa uma área de 912.208 km2, abrangendo de forma total ou parcial todos os estados da região e o norte de Minas Gerais.


Região Nordeste do Brasil

As características edafoclimáticas e hidrológicas dessa região são semelhantes às de outros semi-áridos quentes do mundo, apresentando de forma constante longos períodos de secas intercalados com as cheias nos rios temporários. A precipitação média se encontra numa amplitude que varia de 250 a 800 mm anuais, distribuídos durante três a cinco meses, com elevadas taxas evapotranspirométricas, em média 2000 mm/ano, proporcionando déficit de umidade no solo durante a maioria dos meses do ano. Os solos da região são rasos, com baixa fertilidade natural e uma vegetação rala, denominada de caatinga, que apresenta grande diversidade de espécies adaptadas, com alto potencial de exploração, tanto para consumo humano como animal. Ademais, no domínio do substrato cristalino, os aqüíferos são de baixa produtividade, onde os poços são rasos e apresentam vazões inferiores a 3,0 m3 h-1, elevados teores de sólidos dissolvidos totais, em média, 3,0 g L-1, com predominância de cloretos.

Estudos desenvolvidos na Embrapa Semi-Árido indicam que apenas dois em cada dez anos são considerados normais quanto à distribuição das precipitações, mesmo assim, com poucas chances de obtenção de sucesso nas colheitas agrícolas. Para a cultura do milho, as chances de sucesso são de apenas 10%.

A interação das características da região tem papel preponderante na renovação das reservas hídricas e na qualidade de suas águas, fazendo com que, muitas vezes, o homem concorra por água para suas necessidades básicas com atividades como o consumo animal, atividades agrícolas, entre outras. Este quadro de incertezas quanto à disponibilidade e à qualidade das águas gera insegurança na tomada de decisão de políticas de desenvolvimento agropecuário e sócio-econômico para a região, necessitando, portanto, de medidas de planejamento e gestão dos recursos hídricos visando atender à demanda da população de forma permanente.

Neste contexto, a Embrapa Semi-Árido vem trabalhando desde sua implantação, em 1975, no sentido de conhecer, classificar e hierarquizar os fatores que limitam o desenvolvimento da agropecuária da região, por meio de estudos dos recursos naturais e sócio-econômicos. Como resultado desses estudos, a região foi caracterizada em 20 grandes unidades de paisagens, constituídas de 170 unidades geoambientais, de forma a subsidiar o planejamento municipal sustentado, confirmando a existência de vários sertões, como afirmado por Euclides da Cunha, em seu livro Os sertões.

Paralelamente a esse diagnóstico, a Embrapa Semi-Árido orienta a transferência de tecnologias apropriadas às várias situações agroecológicas, visando reduzir os efeitos das diversidades ambientais e sócio-econômicas.

Para suprir a deficiência de água para diferentes usos no meio rural, como consumo humano, animal e produção agrícola, diferentes alternativas tecnológicas têm sido desenvolvidas e/ou adaptadas às condições semi-áridas brasileiras visando o armazenamento e uso das águas de chuva, atualmente implementadas em nível de propriedades da região. Entre elas, pode-se citar:

a) Cisterna - Para aumentar a disponibilidade e melhorar a qualidade das águas para consumo humano no meio rural, a Embrapa Semi-Árido adaptou diferentes modelos de cisternas, que atualmente constituem a base do Programa de 1 milhão de Cisternas - P1MC, no Semi-Árido, do governo federal, atendendo, da mesma forma, a um milhão de famílias rurais (Figura 2). Antes, a maioria destas famílias era atendida por meio de carros-pipa, ou buscando água a longas distâncias, sem garantia tanto da disponibilidade quanto da qualidade das águas. Em pesquisas realizadas pela Embrapa Semi-Árido, juntamente com a Companhia Pernambucana de Saneamento, identificou-se a presença de coliformes nas águas de muitas cisternas. Diante disto, há necessidade de capacitação dessas famílias com relação ao manejo adequado da água, visando reduzir os riscos de contaminação.


Cisterna para garantir de água para o consumo familiar

Ainda no contexto da água para a família, a dessalinização tem sido utilizada como mais uma alternativa para garantir água de boa qualidade. Porém, em média, 50% da vazão do poço é uma água com alto teor de salinidade, denominada de rejeito, normalmente lançado diretamente no ambiente sem tratamento prévio. Assim, a Embrapa Semi-Árido vem desenvolvendo pesquisas para utilização sustentável do rejeito da dessalinização, visando a produção de sais, utilização na piscicultura e também na irrigação de halófitas como a Atriplex, comumente chamada de "erva-sal", planta forrageira, com alto teor protéico.

b) Barragem subterrânea - é uma alternativa tecnológica para o aproveitamento das águas de chuva, evitando-se que escoem na superfície do solo, onde podem causar erosão, além de não poderem ser utilizadas posteriormente. As águas são armazenadas no perfil do solo, de forma a permitir a criação ou a elevação do lençol freático existente, possibilitando a exploração de uma agricultura de vazante, prática comum na região, ou uma subirrigação.

No início dos anos 80, a Embrapa Semi-Árido retomou esses trabalhos, introduzindo novos materiais na construção da parede da barragem, também conhecida como septo impermeável e introduzindo novas espécies de culturas anuais, como milho, feijão, sorgo e espécies frutícolas, como manga, goiaba, acerola e limão. A Figura 3 apresenta, de forma esquemática, os principais componentes da barragem subterrânea.


Barragem subterrânea

A barragem subterrânea é uma tecnologia simples, porém requer um manejo adequado para sua operação e manutenção. Os custos de implantação variam em função de fatores como comprimento da parede, material utilizado, profundidade da camada impermeável, disponibilidade de mão-de-obra na família, entre outros.

c) Sistemas de captação in situ - o método tradicional de cultivo, que consiste da semeadura em covas, é capaz de armazenar certa quantidade de água de chuva e é um sistema aparentemente pouco agressivo ao ambiente, mas como o solo não foi preparado (arado) antes, sua superfície apresenta-se ligeiramente compactada, dificultando a infiltração da água no solo e facilitando o escoamento superficial, que contribui para o processo erosivo. Portanto, técnicas de preparo do solo, como a captação in situ, são as mais recomendáveis, uma vez que além de aumentar a disponibilidade de água, conserva o solo e os fertilizantes no próprio local de plantio.

Existem vários métodos de captação de água de chuva in situ, tanto usando tração mecânica quanto animal. Entre eles:

  • Aração e Plantio no Plano: aração total da área e semeadura no plano - forma pequenas ondulações no perfil do solo. Este sistema consiste da utilização de arados a tração animal ou a tração motora;
  • Sulco Barrado: A captação de água de chuva in situ por meio de sulcos barrados consiste de uma aração e sulcamento do solo com 0,75m de distância entre sulcos, seguido da operação de barramento, que são pequenas barreiras dentro do sulco que têm por finalidade impedir o escoamento superficial da água de chuva. Para isto, foi desenvolvido um barrador de sulco tracionado por um só animal, viabilizando a adoção dessa tecnologia pelos pequenos agricultores;


Captação in situ - sulcos barrados

  • Guimarães Duque: consiste na formação de sulcos, seguidos por camalhões altos e largos, formados por meio de cortes efetuados no solo em curva de nível, usando um arado de disco reversível com 3 discos. Para confecção dos sulcos, recomenda-se retirar o disco que fica mais próximo dos pneus traseiros do trator.


Captação in situ - Guimarães Duque

A captação de água de chuva in situ é uma técnica simples e apresenta baixos custos de implantação. No entanto, estes custos são muito variáveis e dependem, principalmente, do equipamento, seja a tração animal ou mecânica, como também do método utilizado.

d) Irrigação de salvação - no semi-árido brasileiro o plantio ocorre após as primeiras chuvas e é muito comum a ocorrência de veranicos, isto é, períodos de 20 a 30 dias sem novas chuvas, o que compromete seriamente as culturas na primeira fase de seu desenvolvimento. Daí, a necessidade da aplicação de lâminas de água para atender às necessidades básicas nessa e nas demais fases em que as culturas mais necessitam de água. O barreiro para uso da irrigação de salvação tem a finalidade de suprir de água as culturas nesses veranicos. Constitui-se de uma pequena barragem de terra, formada por uma área de captação (Ac), um tanque de armazenamento (Ta) e uma área de plantio (Ap) (Figura 5). A água é aplicada por gravidade na área irrigada, sendo os sulcos abertos com pequena declividade.


Irrigação de salvação em culturas de ciclo curto

Em anos normais de precipitações pluviométricas essa tecnologia pode permitir a exploração de dois ciclos de cultura, sendo o primeiro de forma tradicional, isto é, com a cultura sendo explorada com a água da chuva, e o segundo, utilizando-se a água que fica armazenada no reservatório para irrigação.

e) Barreiros - para suprir as necessidades hídricas dos rebanhos a Embrapa Semi-Árido recomenda os tradicionais barreiros ou pequenas barragens, como apresentado na Figura 6.


Barreiro para consumo animal

Finalmente, o ambiente semi-árido do Nordeste brasileiro é diversificado nos seus recursos naturais e complexo na convivência do homem com o seu clima seco e quente, constituindo-se, por um lado, num fator limitante para a produção agropecuária dependente de chuvas. Mas, por outro, existem 14 pólos de desenvolvimento agrícola com disponibilidade de recursos naturais que permite desenvolver uma agricultura irrigada em condições competitivas com outros semi-áridos do mundo.

Paulo Roberto Coelho Lopes é chefe geral da Embrapa Semi-Árido

 
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Atualizado em 10/10/2003
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