Reportagens






 
A esperança celular

Carlos Vogt

Um dos pontos fundamentais da teoria lingüística da gramática gerativa, criada e desenvolvida por Noam Chomsky na segunda metade dos anos 1950, pode ser enunciada pela formulação da pergunta: Como, a partir de um conjunto finito de regras, é possível gerar um conjunto infinito de frases em uma língua?

A boa formulação dessa pergunta permitiu que se produzisse uma enorme quantidade de pesquisas, de artigos, de livros em busca da resposta, ou das respostas, ao enigma do funcionamento da linguagem humana, de seus mecanismos de recursividade produtiva e das formas complexas de produção dos significados a partir de sinais físicos em geral totalmente imotivados, em si mesmos, para o que significam.

Pode-se dizer que há, nesse sentido, três tipos de enigmas: aqueles cujo desvendamento e, portanto, dificuldade, está na resposta; aqueles cuja resposta apresenta-se como desafio para a formulação da pergunta correta; aqueles cuja pergunta e cuja resposta é preciso formular ao mesmo tempo, como se a formulação do enigma constituísse o próprio enigma a ser formulado.

Estes, do terceiro tipo, são os mais difíceis, até porque mais abstratos e teóricos na forma, embora mais concretos e práticos na substância. Em geral, é com eles que lida a ciência, seja qual for a área do conhecimento a que se dedica: a boa pergunta obriga a boas respostas e boas respostas obrigam a novas boas perguntas, como é o caso do exemplo da teoria lingüística gerativa a que nos referimos.

Da mesma maneira que aos lingüistas intriga o fato de sermos capazes de gerar a linguagem a partir de unidades simples e de regras morfossintáticas de combinações regulares, fascina os biólogos, desde a fundação da teoria celular, em 1839, pelo fisiologista alemão Theodor Schwann, a capacidade da vida de gerar um organismo adulto completo a partir de apenas uma célula, como bem observa Antonio Carlos Campos de Carvalho no artigo "Células-tronco - a medicina do futuro" publicado na revista Ciência Hoje, vol. 29, n. 172, jun. 2001, pp. 26-31 (leia adaptação deste artigo).

A pergunta formulada por Hans Spemann (1869-1941), em 1938, abriu o caminho e criou a obrigação de respostas consistentemente adequadas à qualidade da indagação científica: "o núcleo de uma célula totalmente diferenciada seria capaz de gerar um indivíduo adulto normal, se transplantado para um óvulo enucleado?".

Os experimentos no mundo com ovelhas, camundongos, bezerros, inclusive no Brasil, mostraram, a partir de 1996, ano da clonagem de Dolly, na Escócia, que a pergunta era correta, que a resposta era boa e que o enigma da vida encontrava uma nova e instigante formulação.

Hoje as pesquisas com células-tronco adultas e embrionárias, além das questões controversas que abrem se abrem, do ponto de vista ético e do ponto de vista jurídico-legal, contribuindo enormemente para a efabulação intrincada das ficções sociais do mundo em que vivemos, trazem para esse mesmo mundo a esperança de promessas de novas terapias médicas e vão tornando cada vez mais realidade programas de manipulação genética e de bioengenharia.

Este número da revista ComCiência dedica-se a acompanhar essas esperanças e as formas sociais de seus alentos e desalentos, e a entender o prazer - sofrido muitas vezes - do texto dos enigmas da vida e de suas formulações consistentes pela ciência.

 
Proxima
Atualizado em 10/02/2004
http://www.comciencia.br
contato@comciencia.br

© 2003
SBPC/Labjor
Brasil