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Máquina auxilia o homem em tarefas perigosas

Com diferentes graus de autonomia, eles parecem sofisticados brinquedos, ora operados remotamente para mergulhos no fundo do mar, ora programados para trafegar em terrenos acidentados com suas rodinhas ou esteiras como as de um mini tanque de guerra. Não se trata de ficção nem de entretenimento, embora jogos e competições internacionais façam parte do aprimoramento teórico e do aperfeiçoamento de algumas dessas “maquininhas”. A pesquisa em robótica, que vai desde o sensoriamento e a navegação aérea por piloto automático até a automação industrial, não pára de produzir novidades e já criou robôs capazes de realizar de forma independente ou controlada tarefas inóspitas para o homem, como pulverizar inseticidas em estufas, detectar e apagar focos de incêndio, fazer busca e socorro de pessoas soterradas ou reparos em tubulações subterrâneas ou subaquáticas.

Para realizar tarefas no oceano, em profundidades de até 2 mil metros, por exemplo, onde a pressão atmosférica é insuportável para mergulhadores humanos, a Petrobras – líder mundial em exploração de petróleo em águas profundas – já utiliza há um bom tempo Veículos Operados Remotamente (ROVs, na sigla em inglês). São robôs submarinos controlados por cabos elétricos conectados a navios estacionados na superfície. Eles têm como missão o resgate de objetos no fundo do mar, como os sinalizadores acústicos usados para posicionamento dos navios de perfuração de poços de petróleo. Porém, as condições ambientais, como os ventos e as correntes marítimas, podem afetar essas operações, aumentando o tempo e o custo de execução da tarefa. Com o objetivo de superar essas dificuldades, o Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Petrobras (Cenpes) se associou à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) para desenvolver uma versão simplificada e semi-autônoma do robô submarino.

O projeto ainda está em andamento, mas já estão sendo feitos testes de um segundo protótipo do robô no tanque de provas do Departamento de Engenharia Naval da Poli-USP, uma prévia dos testes posteriores que serão realizados no mar. De acordo com o coordenador do projeto, Julio Cezar Adamowski, o robô semi-autônomo, preso à extremidade de um cabo, tem seu posicionamento controlado até um certo ponto por um sistema hidroacústico. Em seguida, passa a atuar um transdutor – dispositivo capaz de transformar um sinal, como o ultra-som, em uma forma de energia, como o movimento. “Quando o veículo submarino entra numa região num raio de 50 metros do sinalizador ultra-sônico preso ao objeto a ser recuperado, ele começa a atuar como um veículo autônomo e busca esse sinalizador, posicionando-se com precisão de aproximadamente cinco centímetros, para se acoplar ao objeto a ser recuperado”, explica o pesquisador.

Outra parceria entre a Petrobras e as universidades, envolvendo a produção de robôs, é o Programa Tecnológico de Dutos, que financia pesquisas para manutenção da rede de tubulações por onde circulam óleo, derivados e gás natural. Os primeiros robôs usados pela empresa para limpar tubulações e identificar problemas estruturais foram os dispositivos para inspeção de dutos (chamados de pigs, em inglês), produzidos pelo Departamento de Engenharia Mecânica da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Há pouco mais de cinco anos, quando uma tubulação da bacia de Campos (RJ) entupiu por excesso de parafina cristalizada, devido às baixas temperaturas do oceano, o pig usado para a limpeza do duto emperrou. Os pesquisadores do Laboratório de Robótica do Cenpes, a partir desse episódio, passaram a investigar uma solução para o problema.

O esforço de pesquisa resultou em um pequeno robô semi-autônomo, batizado de girino, que também se liga por cabo a um operador na superfície. A diferença entre um equipamento e outro está no sistema de patinhas usadas para locomoção dentro das tubulações. “Tivemos a preocupação de desenvolver algo que fosse capaz de se movimentar pelo interior dos dutos por meios próprios”, afirma o engenheiro de equipamentos da Petrobras, Ney Robinson, que coordenou o projeto. “Nesta fase, fizemos o sistema para operar até mil metros [de profundidade], onde temos a maior parte de nossos dutos. Nada, porém, impede que ele seja preparado para profundidades maiores”, completa. A Petrobras detém a patente e o direito de uso do robô e, por questões estratégicas, não divulga o custo de produção e manutenção do girino, mas segundo Robinson, algumas instituições já manifestaram interesse em licenciar o robô semi-autônomo e explorar o seu uso.

De acordo com o engenheiro elétrico e mestre em engenharia de produção e sistemas Roberto Fernandes Tavares Neto, da empresa Solbet Ltda, especializada em sistemas mecatrônicos, o custo de um robô não depende apenas do aspecto técnico da fabricação, e cada projeto envolve questões bem particulares. “Uma inspeção em uma tubulação de água pluvial em uma cidade do interior é bem diferente de uma inspeção em uma cidade litorânea. Há casos em que o mar invade as tubulações durante a maré alta e leva uma areia fina que aumenta exponencialmente a chance de falha mecânica”, exemplifica. O investimento em um robô para realizar esse tipo de tarefa, segundo Tavares, passa antes pelo questionamento de quanto vale para uma prefeitura saber o estado de uma rede de água pluvial. “Já existe tecnologia de robôs para isso, mas chega a custar US$ 10 mil, e quem faz esse tipo de inspeção ainda é o homem, alguém que ganha apenas salário mínimo”, observa.

Tavares destaca uma tendência atual no campo da robótica para substituição de um robô complexo, em uma atividade de risco para o homem, por dezenas de robôs mais simples. Segundo ele, o impacto e o prejuízo do problema apresentado pelo robô que a Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) enviou para fazer inspeções em Marte seria menor se a missão fosse formada por dez ou vinte robôs menos complexos. Outro exemplo de trabalho coletivo apontado por Tavares é a busca de vítimas soterradas em escombros: de acordo com ele, a chance de um conjunto de 50 pequenos robôs encontrarem sobreviventes é maior do que a de um único robô. A pesquisa e o desenvolvimento de robôs para trabalho coordenado em equipe, por sinal, é um dos objetivos de um projeto internacional chamado RoboCupRescue, que promove, entre outras coisas, a realização de competições entre equipes de robôs de salvamento, simulando situações reais de desastres.

Biorobotics Lab/Carnegie Mellon University
Robô usado em buscas sob escombros

 

Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), os atuais projetos de pesquisa de cooperação entre múltiplos agentes robóticos do Laboratório de Visão e Robótica (Verlab) também têm sua origem em uma atividade lúdica: o futebol de robôs. “O futebol é uma das tarefas em que a cooperação entre os jogadores é essencial para o sucesso da equipe. Assim, o futebol de robôs é utilizado em diversas instituições como teste para tarefas cooperativas. Uma vantagem desta plataforma de testes é que, devido à grande complexidade da tarefa, diversas arquiteturas e técnicas de controle devem ser utilizadas simultaneamente no programa de controle dos robôs”, explicam os professores Guilherme Augusto Silva Pereira, do Departamento de Engenharia Elétrica, e Luiz Chaimowicz, do Departamento de Ciência da Computação, ambos pesquisadores do Verlab. Os robôs jogadores são totalmente autônomos, mas executam somente jogadas pré-programadas, não sendo capazes de decidir a respeito de situações inesperadas. “Atualmente, técnicas de inteligência computacional podem ser utilizadas para que os robôs aprendam com seus erros e experiências”, completam.

Divulgação
Mário Campos, coordenador do Verlab, e seus robôs

 

De acordo com eles, há várias arquiteturas de cooperação entre robôs, e uma delas foi modelada no Verlab por meio de restrições geométricas: cada robô, baseado na posição relativa, dimensão física e função de seus companheiros de equipe, define limites máximos e mínimos para suas velocidades e posições espaciais, baseando-se nos dados de seus próprios sensores. “Uma vez que todos os robôs do time executam o mesmo procedimento e são controlados para respeitar esses limites, a tarefa é sempre cumprida com sucesso”, afirmam. Um exemplo dessa metodologia está sendo testado em uma tarefa na qual um grupo de robôs deve cercar um objeto e transportá-lo de uma posição inicial para uma posição final. “Conhecendo a dimensão do objeto, o grupo de robôs somente deve garantir que ele não escape pelo espaço entre dois robôs enquanto se move, e cada robô deve estimar a posição relativa de seus vizinhos e definir limites para sua própria posição”, descrevem.

Os sensores, que no exemplo acima são usados para o controle dos movimentos dos robôs, também podem servir para medir a temperatura emitida por uma determinada fonte, como um corpo humano soterrado em escombros ou um foco de incêndio. Para obter uma estimativa do calor emitido, é medida a emissão de ondas no espectro de luz infravermelho. Tanto no caso de resgate em escombros como no de detecção e apagamento de focos de incêndio, os robôs trabalham auxiliando os bombeiros. Eles têm um certo grau de autonomia e são capazes de explorar o ambiente e mandar informações relevantes para uma estação base, utilizando normalmente redes sem fio de transmissão de dados. Além de detectar o calor humano, as pesquisas têm incorporado aos robôs sensores capazes de detectar também outros sinais de vida, como movimentos de corpos, gemidos e até o dióxido de carbono (CO2) exalado na respiração.

Para lidar com a dificuldade de movimentação por entre escombros, os robôs são geralmente dotados de esteiras como as dos tanques de guerra. Mas centros de pesquisa como o Biorobotics Lab da Carnegie Mellon University, nos Estados Unidos, estudam soluções inusitadas, como os robôs que tentam imitar o movimento de cobras para explorar buracos e passagens estreitas. Uma das principais referências mundiais em robótica voltada para tarefas de resgate, também dos Estados Unidos, é o Center for Robot Assisted Search and Rescue (Crasar), da Universidade do Sul da Flórida, associado ao Instituto Internacional de Sistemas de Resgate, do Japão, e à AASS Orebro University, da Suécia. O Crasar, que contribuiu com equipamentos para resgate de vítimas do Katrina, também é associado a um consórcio industrial.

Biorobotcs Lab/Carnegie Melon University
Robô que simula os movimentos de uma cobra

 

No Brasil, a pesquisa de base é quase toda financiada pelas agências públicas de fomento – uma exceção é Petrobras, que se associa a universidades e já tem um protótipo de um robô semi-autônomo submarino e a patente do robô girino. “As empresas não investem em pesquisa de base, estando interessadas em resultados que possam ter uma aplicação imediata. Não há um investimento na tecnologia a longo prazo, que poderá ser usada daqui a dez, vinte anos”, lamentam os pesquisadores da UFMG. Embora sejam poucos os recursos para uma grande demanda de projetos, a robótica brasileira continua produzindo novidades e contribuindo para o aprimoramento teórico na área e o aperfeiçoamento dos robôs já existentes para as mais diversas aplicações envolvendo situações de risco para os seres humanos.

(RC)

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Atualizado em 10/10/2005

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